Manifestação contra Bolsonaro em 29/09, realizada em São Paulo. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Esquerda Marxista: Nossa posição de classe no 2º turno

Bolsonaro venceu o primeiro turno e tem a possibilidade de ser o próximo presidente da república. Ele recebeu apoio de cerca de 33% dos 147 milhões de eleitores. Haddad recebeu apoio de cerca de 21% dos eleitores. Do total de eleitores, 27,32% (mais de 40 milhões) decidiu não votar em nenhum candidato. Essa é a expressão do sentimento que perpassa as ruas. A contagem dos ditos “votos válidos” pela Justiça Eleitoral produz a falsa impressão de que o ganhador tem a maioria da população ao seu lado.

O PSDB foi varrido, assim como incontáveis políticos burgueses conhecidos. Passou de 54 deputados eleitos em 2014 para 29 agora. O MDB foi de 66 para 34 deputados. A maior bancada de deputados continua a ser do PT, apesar de cair dos 88 eleitos em 2010 para 69 em 2014, e agora cai para 56 deputados.

E o PSL de Bolsonaro passa de 1 para 52 deputados. O PSOL cresce de seis para 10 deputados, apesar do fracasso da campanha de seu candidato a presidente. Só 240 deputados se reelegeram, de um total de 513. Com estes resultados e a ampliação da polarização política uma nova situação se abriu no Brasil.

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O proletariado está sem representação política

Quando a Esquerda Marxista saiu do PT em 2015, explicou que o partido tinha rompido com sua base operária histórica e com a juventude. Também avaliou que o PSOL poderia ser a alternativa para a reconstrução da representação política da classe operária. Passados mais de três anos, a votação neste primeiro turno confirmou a análise sobre o PT. Entretanto, o PSOL está muito longe de chegar perto de ser um partido operário.

O PT perdeu em todas as bases operárias, como já tinha perdido nas eleições municipais de dois anos atrás. E perdeu votos nos bairros operários de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e, além disso, perdeu votos em todas as grandes cidades. Tornou-se um partido que sobrevive cada vez mais dos grotões, ao invés do partido dos trabalhadores e da juventude, o partido que representava o proletariado. O mapa eleitoral, inclusive do Nordeste, mostra isto.

O PSOL, por sua vez, conseguiu chegar aos 10 parlamentares, mas está longe de chegar perto de um partido de massas. Boulos teve a pior votação de candidato a presidente de toda a história partidária e isso diz muito sobre a “tática” de tentar ser um “outro PT”, ao invés de defender o socialismo. Se o partido consegue ter a deputada mais votada “da esquerda” em São Paulo, isso se deve mais à falência do PT que ao crescimento do partido.

A falência política da representação do proletariado é que levou ao que os jornalistas e comentaristas têm chamado de “onda conservadora” ou “onda direitista”, que quase levou Bolsonaro a ser eleito no primeiro turno.

Essa é uma situação limite. Com a política atual do PT, dificilmente essa situação será revertida no segundo turno. A questão para os marxistas, para os socialistas de forma geral e para os que querem combater ao lado do proletariado, é: qual a melhor forma de combater Bolsonaro?

O que é Bolsonaro

Situando Bolsonaro no cenário internacional, é inevitável a comparação com o crescimento de outros fenômenos de extrema direita: Trump, nos EUA; Marine Le Pen, na França; A Liga, na Itália; Alternativa para a Alemanha. Ao mesmo tempo, há diferenças. Por exemplo, Trump defende medidas protecionistas e geração de empregos no território nacional. Já Bolsonaro e seu economista, Paulo Guedes, defendem uma política econômica ultraliberal, de submissão ao mercado internacional (inclusive com Bolsonaro batendo continência para a bandeira dos Estados Unidos), privatização de tudo o que é estatal, fim dos direitos trabalhistas que ainda resistem, como o 13º salário, férias, previdência, etc. Obviamente que sua demagogia sobre armar a população contra os bandidos é uma mentira deslavada, que ele pretende contornar ampliando a licença para matar que as polícias já têm e incentivando a repressão contra as organizações dos trabalhadores e da juventude.

O que há de similar entre os casos internacionais e Bolsonaro é que todos eles surfam em um sentimento antissistema que percorre a base da sociedade. Tais fenômenos têm uma origem comum: a profunda crise do capitalismo, raiz da instabilidade política internacional e da desmoralização das formações de “esquerda” e de direita ditas “moderadas”, que se revezaram no poder para administrar este sistema.

Situar Bolsonaro dentro dessa perspectiva global nos ajuda a compreender que boa parcela de seus eleitores não é formada por machistas, racistas, defensores da ditadura, do fascismo, mesmo que entre seus apoiadores haja tudo isso, incluindo grupelhos fascistas. Há também o proletário acuado entre a violência do narcotráfico e da polícia, que anseia por ter uma arma para defender sua família. Existe o jovem que se enoja com a política e que quer colocar alguém na presidência que faça “o circo pegar fogo”. Identifica-se também, é claro, o pequeno burguês, assustado com a crise, que quer diminuir os gastos com impostos e encargos trabalhistas.

No entanto, não há, hoje, um partido fascista estruturado com uma base de massas capaz de organizar batalhões para atacar as organizações operárias, mesmo que os grupelhos fascistas se sintam mais à vontade para agir nesse clima de polarização social. Não há base social para sustentar uma ditadura descarada. Os apoiadores da ditadura militar podem fazer barulho, mas são minoritários.

É inquestionável a necessidade para a burguesia de promover uma ofensiva do aparelho de Estado na repressão e criminalização das lutas de jovens e trabalhadores. No entanto, uma ditadura ou um regime fascista precisariam antes derrotar a classe trabalhadora, que hoje está desorientada, mas não está derrotada.

Bolsonaro é na verdade a expressão deformada e degenerada do ódio de setores sociais contra as instituições e seus políticos, tendo como política a oferecer repressão violenta, destruição dos serviços públicos, privatizações sem limite e, portanto, de conjunto, mais desemprego e sofrimento. Ele não tem um partido militante fascista, porém, tem a possibilidade de tentar substituir essa ausência usando os instrumentos repressivos e as alavancas de poder do Estado para impor suas soluções reacionárias. Isso não pode ser descartado, mas exigiria antes derrotar e destruir as organizações dos trabalhadores e faze-los abandonar mesmo as suas próprias reivindicações.

Além disso, Bolsonaro não conta até agora com o apoio da grande burguesia nacional e internacional. Os apoios mais expressivos que conquistou no 1º turno foram de ruralistas ultrarreacionários, de deputados de origem policial e das seitas evangélicas mais degeneradas. Os setores da burguesia nativa que aderiram a Bolsonaro ainda são marginais. O apoio de políticos burgueses que vai receber no 2º Turno não muda isso e trata-se de um movimento para envolver Bolsonaro e tentar controlá-lo ao mesmo tempo que continuam participando do festim.

Alguns militantes de esquerda, assustados e levados pelo discurso de golpe, da iminência do fascismo e da ditadura, começaram a ver qualidades inexistentes no PT e nos governos de Lula e Dilma. Sob pressão da situação, capitulam. Outros não conseguem enxergar a diferença entre Bolsonaro, de extrema direita, e o partido operário-burguês (como Lenin caracterizava a socialdemocracia) que é o PT. São os sectários que declaram que tanto faz Bolsonaro ou Haddad e que votam nulo no 2º Turno.

A situação política atual é um campo minado. A burguesia sabe que um passo errado pode levar a explosões de lutas com um caráter revolucionário. O fantasma de junho de 2013 ainda assombra.

O PT

O PT e seus governos traíram a classe trabalhadora, fizeram duros ataques contra ela e se submeteram aos interesses do capital internacional. Lula e os demais dirigentes destruíram politicamente, como ferramenta de combate, um partido de massas construído pela classe operária, gerando a desorganização das lutas, a confusão, que culmina na atual situação.

Por isso o PT perdeu sua base no proletariado urbano, nas fábricas, na juventude e sustenta sua base eleitoral majoritariamente em setores saudosos dos tempos em que havia algum crescimento econômico, o que possibilitava mais empregos, algumas migalhas para iludir, e maior consumo baseado no crédito fácil e endividamento. O caso é que, hoje, a situação econômica objetiva, internacional e nacional, não é a mesma, não há margem para manobras. É preciso atacar os trabalhadores. O proletariado terá o desafio de se reorganizar, resistir e lutar, ultrapassando as direções que insistem em bloquear e desviar o seu caminho.

O resultado do PSOL

O que se viu nestas eleições foi um candidato presidencial do PSOL com um discurso reformista, com pautas pequeno-burguesas, norteadas por um oportunismo eleitoral. Isso impede o partido de se credenciar como alternativa ao PT, alternativa contra o sistema, alternativa para organizar a classe trabalhadora. Expressão concreta de uma política completamente equivocada do ponto de vista da classe trabalhadora e da juventude foi a publicação do programa eleitoral como “50 receitas de Boulos”. E ainda no formato de livro de receitas comerciais, tentando imitar o que fez Pablo Iglesias que publicou seu programa no formato de um catálogo de móveis e decoração da multinacional IKEA da Holanda. Ali se elogia o incentivo ao “empreendedorismo”, como o PT que quer desenvolver o capitalismo.

Frente ao fracasso político de sua campanha, na reta final Boulos se declarou “contra o sistema”. Mas isso era já inútil com o programa de 50 receitas que defendeu e com a linha de não se diferenciar do PT e de Lula.

Tudo isso impede que o PSOL conquiste o apoio dos que não acreditam mais no sistema político atual, o que de certa forma o PODEMOS espanhol, a França Insubmissa, o Partido Trabalhista britânico com Corbyn, ou mesmo Bernie Sanders nos EUA, conseguiram fazer, apesar de suas limitações e confusões.

A candidatura e a campanha de Boulos foi um erro enorme da direção do PSOL. Anulou o partido como possibilidade de ser uma alternativa, desarmou a militância e teve como resultado eleitoral uma regressão enorme em relação aos resultados anteriores. Foi uma campanha sem identidade, sem personalidade e com um programa reformista de direita que defendia até mesmo o “empreendedorismo”. Ou seja, incentivando a juventude e a classe trabalhadora num suposto caminho do sucesso no capitalismo. Numa demonstração do erro político, sem conseguir atrair o sentimento de raiva popular, Boulos teve a pior votação da história do PSOL, o que contrasta com o crescimento da bancada de deputados federais do partido.

O PSOL deve se distanciar da política que provocou a queda do PT ou não poderá se desenvolver como um verdadeiro partido socialista. Todo nosso esforço como Esquerda Marxista é para ajudar na construção de um partido operário de massas, independente e socialista.

Foi com esse objetivo que a Esquerda Marxista participou das eleições com seus candidatos, centrando suas campanhas em organizar politicamente militantes e apoiadores. Foi com total espírito de independência de classe que ela recusou tocar em um só centavo do dinheiro do Estado burguês oferecido através dos fundos partidário e eleitoral. Essas campanhas foram inteiramente financiada por seus companheiros e apoiadores, o que garante total independência política.

Nada ainda está decidido. Uma batalha está aberta para ganhar os 27,32 % dos que não votaram em ninguém, assim como os eleitores de todas as outras candidaturas. No 2º turno lutaremos para derrotar Bolsonaro.

A Esquerda Marxista convida todos seus militantes e apoiadores a votar contra Bolsonaro neste 2º turno das eleições. Votaremos no PT, sem nenhuma confiança e combatendo o programa de Haddad e do PT, apenas para barrar Bolsonaro. Nossa luta é para varrer todo este sistema capitalista podre e estabelecer um verdadeiro governo dos trabalhadores, que exproprie o grande capital e planifique democraticamente a economia.

Os bolcheviques souberam em agosto de 1917, com a direção de Lenin e Trotsky, combater a reação, o golpe contrarrevolucionário de Kornilov, sem dar nenhum apoio ao governo Kerensky, governo que reprimiu os bolcheviques em julho, prendeu Trotsky e forçou Lenin ao exílio. Na Alemanha, no início da década de 1930, o Partido Comunista, sob orientação de Stalin, se recusou a fazer frente única com o Partido Socialdemocrata Alemão, a quem chamavam de “socialfascistas”, contra o nazismo. Esse esquerdismo criminoso permitiu a chegada ao poder do nazismo e depois o massacre de comunistas e socialdemocratas. Trotsky, em uma carta de 1932 sobre a situação na Alemanha, dizia:

“Existem sete notas na escala musical. A questão de qual dessas notas é “melhor”: Dó, Ré ou Sol, é uma pergunta sem sentido. Mas o músico deve saber quando tocar e quais notas tocar. A questão abstrata de quem é o mal menor – Brüning ou Hitler – também carece de todo sentido. É necessário saber qual tecla tocar. Isso está claro? Para os que não entenderam vamos citar outro exemplo: Se um dos meus inimigos me obriga a engolir pequenas porções diárias de veneno, e outro inimigo, à espreita em um beco, está prestes a atirar diretamente contra mim, então vou primeiro tomar o revólver da mão de meu segundo inimigo, isso me dará uma oportunidade para me livrar do meu primeiro inimigo. Mas isso não significa em absoluto que o veneno é um ‘mal menor’ em comparação com o revólver”.

A questão neste 2º turno é “tomar o revólver” de Bolsonaro e prosseguir o combate contra os “venenos”, os ataques, que um governo petista também vai buscar aplicar. Entre os dois terrenos possíveis, esse é o melhor para a classe trabalhadora se reorganizar e preparar suas futuras vitórias.

Em todos os estados onde haverá um 2º turno entre partidos burgueses na eleição para governador estadual, a Esquerda Marxista convida todos seus militantes e apoiadores a votar nulo, em branco ou se abster.

Não existe derrota, desmoralização, nem fascismo na próxima esquina. O que existe é uma polarização social, um regime falido, a falta de uma direção revolucionária, a traição das direções tradicionais. Assim também existe uma massa disposta a lutar, e que luta quando encontra um canal para expressar sua indignação. A intensificação da luta de classes está no horizonte e é nas ruas, nas fábricas, nos locais de trabalho e nas escolas que nossos inimigos terão que ser derrotados.

A Esquerda Marxista convida todos a discutir essas questões nas plenárias de balanço do primeiro turno que está organizando. Desde já, convidamos todos os ativistas, militantes e simpatizantes a ingressarem nesta organização para juntos combatermos para ajudar a construir o partido proletário que a classe operária necessita.

Esquerda Marxista

São Paulo, 8/10/2018

Algumas das Plenárias “Como combater Bolsonaro e o sistema”

  • Rio de Janeiro: 18/10, às 18h no Sindpetro RJ
  • Sumaré: 20/10, às 9h30 na Flaskô (Evento no Facebook)
  • São Paulo: 19/10, às 19h, na Livraria Marxista (Evento no Facebook)
  • Bauru: 10/10, às 19h30 na sede da Esquerda Marxista
  • Joinville: 20/10, às 15h no Sinsej
  • Distrito Federal: 9/10, às 19h30, no comitê da campanha em Sobradinho II
  • Florianópolis: 10/10, 19h, UFSC, CFH, Sala 306 (Evento no Facebook)
  • Curitiba: 20/10, às 14h na APP Curitiba Norte (Evento no Facebook)
  • Cascavel: 20/10, às 14h, na sede do PSOL municipal