Estados Unidos da América: Brutalidade Policial, Racismo e a Política de Polarização

Abalos políticos se sucedem no seio do imperialismo mundial, agora com a reação à violência policial contra negros pobres.

12 de julho de 2016

As terríveis imagens na televisão e nos meios de comunicação social são implacáveis: carros-bomba, massacres em clubes noturnos, policiais assassinos e assassinos de policiais. É o que Lênin chamou de “horror capitalista sem fim” – sem fim. Não apenas nos “longínquos” Iraque, Afeganistão e México, mas em algumas das mais prósperas cidades do país mais rico da Terra. Esta é a cara horrorosa da crise capitalista, a crise de um sistema que ameaça levar abaixo, junto com ele, toda a espécie humana.

Quase um século após a Revolução Russa assinalar o caminho a seguir, a civilização se encontra em um beco sem saída. Parafraseando as poéticas palavras de Marx em O Manifesto Comunista, a humanidade conjurou maravilhas de tecnologia e produtividade, antes insondáveis, do seio do trabalho social. Um mundo de superabundância para todos está ao nosso alcance. A desconexão entre o que é possível e a realidade do trabalho penoso e da humilhação que somos forçados a tolerar é sentida nos ossos de milhões de pessoas. O que bloqueia o caminho de uma sociedade verdadeiramente humana é estrutural, institucional, sistêmico. O que bloqueia o caminho é o capitalismo.

No fundo, a polarização crescente é uma função do abismo cada vez mais profundo entre as classes. Mas sem uma saída clara e um caminho a seguir, a pressão acumulada levou à frustração, aos tiroteios e à violência. A polícia atirou em mais de 500 pessoas desde o início do ano. Apesar da fervente indignação, nem um só policial foi condenado nos mais de dois anos desde que o movimento Black Lives Matter (As vidas dos negros importam, BLM) emergiu após os assassinatos de Mike Brown e Eric Garner. Os descarados assassinatos de Alton Sterling, em Baton Rouge, e de Philando Castile, em Twin Cities, foram as trágicas faíscas que deram impulso renovado aos protestos do BLM. Manifestações espontâneas mais uma vez invadiram as ruas de todo o país, e centenas de pessoas foram presas.      

Em Dallas, um veterano do exército dos EUA que tinha servido no Afeganistão, zangado com os recentes assassinatos extrajudiciais praticados pela polícia, matou cinco policiais uniformizados e feriu vários outros durante um protesto pacífico do BLM. Porém, o terror individual, mesmo quando em resposta ao terror organizado do estado capitalista, somente pode fortalecer a reação. Não pode mudar a relação fundamental entre exploradores e explorados, entre a classe opressora e a oprimida. Leon Trotsky explicou que “a vingança pessoal não nos satisfaz. A conta que temos a ajustar com o sistema capitalista é demasiada grande para ser apresentada a algum funcionário”.

O melhor que os políticos e caluniadores/mentirososliberais podem oferecer são lágrimas de crocodilo e apelos vazios por unidade e não-violência. Eles lamentam a “fratura” da nação, imploram pelo fim da divisão entre a polícia e as pessoas a quem ela “serve” e descrevem ansiosamente o país como um “barril de pólvora” à espera da explosão. Armados até os dentes, lucrando bilhões das vendas de armas, bombardeando e zumbindo [refere-se à utilização de drones armados – pequenos aviões teleguiados – NDT] em todo o mundo, e empurrando legislação para desarmar a classe trabalhadora, eles piedosamente nos recordam que “todas as vidas importam” – ao que George Orwell poderia acrescentar, “mas algumas vidas importam mais que outras!”.

A relativa paz entre as classes do auge do pós-guerra – com ênfase no termo “relativa”, uma vez que a “Guerra às Drogas” foi uma guerra civil unilateral empreendida contra os pobres – se baseou em um auge econômico sem precedentes. A prosperidade amorteceu a borda dura da ditadura do capital para uma camada significativa da população. Entretanto, isso não podia durar para sempre. O sistema apodrece de dentro para fora. O número de pessoas que se beneficiam do sistema está encolhendo. O tampão da chamada “classe média” estadunidense se desfez implacavelmente. Na linha de frente, defendendo a propriedade privada dos1%, estão pequenos exércitos de polícia militarizada – dificilmente uma receita para a paz entre as classes. O reinado do terror imposto pelo Estado nos bairros pobres é necessário porque os trabalhadores e os pobres constituem a vasta maioria. Na medida em que a autoridade e o medo da polícia vêm abaixo, os capitalistas temem as consequências, enquanto sua estratégia de “divide e vencerás” ameaça fugir do controle – afinal, eles são muito poucos para defender suas fortunas e poder eles próprios.

Tratados como ratos famintos em uma jaula, os seres humanos reagem de acordo. Se todos tivessem empregos, cuidados de saúde, educação e segurança, habitações a preços acessíveis, as relações entre os seres humanos seriam transformadas: com nada a policiar, não haveria necessidade de polícia. Contudo, com a escassez vem a necessidade de aplicar a distribuição desigual dos recursos. A absurda contradição que devemos resolver é a artificialidade da escassez capitalista. Há mais que o suficiente para todos. É somente o afã de lucrar que se interpõe no caminho de um sistema racional de produção, distribuição e troca, em harmonia com o meio-ambiente.

A classe trabalhadora tem o poder de acabar com o capitalismo de uma vez por todas – desde que tenha uma liderança que possa aproveitar a vasta e inexplorada energia de nossa classe. Na ausência de uma liderança deste tipo, o impasse da instabilidade pode se prolongar durante anos e mesmo décadas. A culpa deste impasse em última instância recai sobre a safra atual de líderes trabalhistas pró-capitalistas, que estão sentados em um vulcão de potencial revolucionário, mas que se recusam a liberar o poder latente dos trabalhadores. Uma nova liderança deve ser construída urgentemente.

Conforme nos aproximamos do que um senador Republicano chamou de eleição “fogo no contêiner de lixo”, a polarização e o caos somente se aprofundarão. A traição de Bernie Sanders à confiança de seus seguidores levará muitos a buscar soluções fora do sistema bipartidário – e além dos limites do reformismo. A percentagem dos eleitores que se identificam como “independentes” é a mais alta em 75 anos – 39% – uma parcela significativa do eleitorado. Milhões deles não podem decidir qual dos principais candidatos é o “mal menor”. Sob estas condições, um partido socialista independente pode rapidamente ganhar impulso – e poder político.

Como marxistas, entendemos que, para se dar um fim à brutalidade policial, ao racismo, à violência, à pobreza, à exploração e à opressão, devemos dar um fim ao capitalismo. Explicamos que a luta política e econômica independente de classe é a única forma de superar a resistência dos capitalistas e seus defensores. Reconhecemos que existem poderosas forças centrífugas que visam romper a unidade da classe trabalhadora. Felizmente, estas forças são contrabalançadas por outras muito mais fortes que inexoravelmente nos empurram para defender juntos nossos interesses coletivos. Mas a unidade da classe em todas as linhas subsidiárias não pode ser simplesmente declarada, deve ser forjada na luta comum. Esta é a tarefa do próximo período.

Construir uma organização capaz de proporcionar os métodos organizacionais e a bússola teórica necessária não será uma tarefa automática ou fácil. Porém, de acordo com o bom e velho pragmatismo estadunidense, “todo problema tem solução” e “há uma ferramenta para cada trabalho”. O problema é o capitalismo e a ferramenta é um partido revolucionário de massas enraizado em todos os locais de trabalho, vizinhança e campus universitários. Nós os convidamos a se juntarem à CMI para nos ajudar a construí-la!

Artigo publicado originalmente em 12 de julho de 2016, no site da seção norte-americana Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “ Police Brutality, Racism, and the Politics of Polarization.

Tradução de Fabiano Leite.