O Festival Eurovision da Canção começou em 7 de maio, em Malmö, na Suécia, ao mesmo tempo em que Israel lançava o seu ataque a Rafah, onde vivem atualmente mais de 1,5 milhão de refugiados palestinos. Em uma poderosa demonstração de solidariedade, Malmö respondeu com uma das maiores manifestações que a Suécia já viu em décadas.
A atmosfera em Malmö não era de celebração – parecia mais uma cidade sitiada, com mais policiais do que turistas nas ruas. Ao longo da chamada “rua da Eurovision”, bandeiras palestinas penduradas nas janelas. Ruas e muros estavam cobertos de mensagens pró-Palestina, apesar dos frenéticos esforços de limpeza do município.
Os organizadores fizeram o possível para proibir qualquer evidência de apoio à Palestina dentro da arena, mas fracassaram miseravelmente. Durante o ato de abertura das semifinais, o artista sueco Eric Saade (um ex-concorrente cujo pai é um palestino do Líbano) usou um keffiyeh em torno de seu pulso, ato que foi condenado pela emissora nacional sueca SVT e pela EBU por ir contra o “natureza apolítica do concurso”.
A hipocrisia foi assinalada pelo próprio Saade: “A meu ver é só racismo. Eu só queria ser inclusivo e usar algo que fosse autêntico para mim – mas a EBU parece estar pensando que a minha etnia é controversa. Não diz nada sobre mim, mas tudo sobre eles”.
Ele também comentou sobre a hipocrisia por trás da proibição das bandeiras e símbolos palestinos em seu story no Instagram:
“A forma como a EBU lida com a Eurovision é vergonhosa. Eles não permitem nenhum símbolo palestino na arena, enquanto símbolos que representam todos os outros grupos étnicos do mundo são aceitos. O seu slogan “unidos pela música” (se você não é palestino) já é uma piada. Transmitindo propaganda israelense em horário nobre para todo o mundo, mas concentrando-se na proibição da bandeira palestina?”
Desde que se tornou claro que Israel seria autorizado a participar, e com uma canção adaptada de uma composição especificamente sobre o 7 de Outubro (“Hurricane”, originalmente “October Rain”), a raiva contra a Eurovision começou a crescer. Quanto mais os representantes da EBU ou da SVT tentavam explicar por que era razoável proibir a Rússia de participar, mas não Israel, mais a sua hipocrisia transparecia.
Quase 20% dos artistas contratados, incluindo Medina, Dotter, Titiyo e Magnus Carlsson, desistiram em protesto. 10% de todos os voluntários recusaram-se a trabalhar. Até mesmo os grupos locais Moriska Paviljongen e Malmö Pride desistiram de colaborar com a Eurovision, assim como o porta-voz do júri da Noruega e da Finlândia.
O participante francês Slimane e o irlandês Bambie Thug também mostraram seu apoio à Palestina durante o ensaio. Há também a curiosa história de Joost Klein, da Holanda. Durante uma coletiva de imprensa, ele interrompeu uma pergunta dirigida ao israelense Eden Golan e depois se recusou a posar para uma foto com o artista. O problema de Joost Klein foi resolvido poucas horas antes da final, quando ele se tornou o primeiro artista a ser desclassificado da competição, com a desculpa de que havia se envolvido em “comportamento ameaçador” com relação a um operador de câmera.
Durante as finais, vaias fortes (claramente audíveis na transmissão ao vivo) contra Eden Golan e o diretor da Eurovision Martin Österdahl transformaram a Eurovision deste ano em uma versão moderna e particularmente malsucedida da Roupa Nova do Imperador, onde o apoio proibido à Palestina estava constantemente em evidência. Na Bélgica, o canal de serviço público flamengo foi interrompido pelo sindicato ACOD-VRT, que transmitiu uma mensagem dizendo: “Condenamos as violações dos direitos humanos por parte do Estado de Israel. Além disso, o Estado de Israel está destruindo a liberdade de imprensa. É por isso que pausamos o vídeo por um momento. #CeaseFireNow #StopGenocideNow”.
Contrariando as intenções da EBU e da SVT, o próprio espetáculo tornou-se mais uma prova de um apoio cada vez mais determinado à Palestina.
As maiores manifestações pela Palestina na Suécia
Manifestações e protestos ocorreram durante todo o evento. Na quinta-feira e no sábado, foram organizadas grandes marchas de protesto pela campanha Pare Israel – Pela Paz e por uma Palestina Livre, apoiada por 66 organizações, incluindo o Partido Comunista Revolucionário (PCR), seção sueca do ICR. Estimamos que houve entre 15 mil e 20 mil pessoas nas marchas de quinta-feira e sábado, e podemos dizer com segurança que estas foram algumas das maiores manifestações desde há muito tempo e certamente as maiores manifestações pela Palestina organizadas na Suécia desde outubro.
Também eclodiram protestos espontâneos em torno da arena da Eurovision e da chamada “Vila da Eurovision” no Parque Folkets. Na quinta-feira, a manifestação no Parque Folkets começou às 18:30 e continuou até altas horas da noite. Na sexta-feira, começou às 16h com a inauguração da Rotunda de Gaza, onde ativistas pintaram grafites em solidariedade com a Palestina, prolongando-se também até depois da meia-noite. Os manifestantes tomaram conta de rua após rua, com uma presença policial massiva tentando desesperadamente detê-los. Os motoristas que ficaram presos no meio das manifestações buzinavam com entusiasmo demonstrando apoio.
O clima nas manifestações foi muito radical. Slogans como “Viva a Palestina”, “O povo unido jamais será vencido” e “Intifada, revolução – pare, pare a ocupação” ecoaram pelas ruas. Todos com quem falamos concordavam com a nossa mensagem: precisamos de uma revolução na Suécia e no mundo inteiro para esmagar o imperialismo. O jornal Revolution do Partido Comunista Revolucionário (PCR, seção sueca da CMI), com a primeira página estampando “Palestina Livre – Esmagar o Imperialismo – Por um Oriente Médio Socialista – Por um Mundo Socialista”, foi recebido com uma resposta entusiástica. Vendemos centenas de jornais e dezenas se inscreveram para participar do partido. Isto sem dúvida irritou a direita, com a editora política do Kristianstadsbladet, Sofia Nerbrand, entre outros, tuitando sobre as “opiniões extremistas” exibidas nas manifestações anexando um vídeo do nosso bloco.
Apesar das preocupações generalizadas com a repressão, especialmente tendo em conta o histórico de abusos racistas por parte da polícia de Malmö, não houve grandes surtos de violência. É claro que a polícia recebeu ordens prévias de não interferir nas grandes manifestações na cidade, ao mesmo tempo em que foi extremamente severa com os poucos manifestantes que se dirigiram à arena. Lá, os manifestantes foram dispersados com spray de pimenta e presos arbitrariamente. A tática era óbvia: perseguir os ativistas palestinos mais radicais quando eles estão isolados das massas, mas evitar cenas como as de Limhamn, em 2014, com cavalos e carros da polícia lançados contra grandes multidões.
A maioria não apoia Israel
Os meios de comunicação social estão agora tentando fazer um grande alarido pelo fato de Israel ter recebido o segundo maior número de votos públicos em todas as inscrições – com os telespectadores suecos atribuindo-lhes a pontuação mais elevada de todos os atos. Alguns meios de comunicação israelenses e pró-Israel tentaram usar isto como prova de que “o povo” apoia Israel. Mas, como admite o The Times of Israel, isto foi obviamente o resultado de um “esforço organizado e dedicado dos apoiadores de Israel para dar os seus votos a Golã”, embora seja “muito mais fácil votar a favor de um país do que contra ele”. Enquanto os sionistas e outros direitistas se mobilizavam para o Golã, muitos dos que simpatizam com a Palestina simplesmente boicotaram a disputa porque não havia uma única alternativa “pró-Palestina”.
Para termos uma imagem mais precisa, podemos olhar para os resultados da pesquisa YouGov, de abril de 2024, que concluiu que 46% dos suecos concordam com a afirmação de que Israel está cometendo um genocídio em Gaza, enquanto apenas 26% discordam. 50% apoiam um embargo de armas a Israel (com 23% contra), 49% pensam que os responsáveis israelenses deveriam ser processados por crimes de guerra (com 25% contra) e 41% apoiam sanções econômicas contra Israel (com 31% contra). Isto mostra o verdadeiro estado de espírito da população sueca, onde existe uma forte oposição às políticas brutais de Israel, particularmente entre os jovens e as pessoas de origem não europeia.
O verdadeiro equilíbrio de forças também pode ser visto no fato de a manifestação sionista de quinta-feira ter atraído apenas 120 pessoas, protegidas por uma presença policial massiva, em comparação com as dezenas de milhares que se reuniram durante vários dias pela Palestina.
Mais e mais pessoas veem além da propaganda. Isto talvez se reflita melhor na onda de ocupações universitárias que varreu o mundo no último mês – e que também começou a se conectar com as camadas mais radicais da classe trabalhadora.
Tendo isto em consideração, os protestos em Malmö deveriam ter sido ainda maiores. Um fator limitante foi o alarmismo por parte da polícia, dos políticos e dos meios de comunicação social nos meses que antecederam a Eurovision, com especulações sobre os riscos de ataques terroristas dentro do estádio, de confrontos violentos entre sionistas e manifestantes pró-palestinos, e muito mais.
Mas foi também uma questão de falta de mobilização. Nenhum cartaz foi colocado antes das manifestações. Se você não soubesse quais contas de mídia social verificar para obter informações, seria impossível saber quando aconteceriam as manifestações. A principal responsabilidade por isto recai sobre o movimento operário. Ficar do lado de Israel (os sociais-democratas), permanecer à margem do movimento (o Partido de Esquerda), permanecer completamente silencioso (os sindicatos), significou que não houve organizações com capacidade para o tipo de mobilização em grande escala que seria necessário.
Próximo passo para o movimento palestino
A pergunta que muitos estão fazendo agora é: qual é o próximo passo? Cada vez mais ouvimos slogans sobre a necessidade de intensificar as manifestações. Isto é absolutamente correto – mas seria um erro se apenas resultasse em ações diretas isoladas por parte de alguns ativistas. Precisamos “abalar o status quo”, como as pessoas dizem, mas precisamos fazê-lo de uma forma que se conecte e mobilize a classe trabalhadora, que é quem tem o poder de cortar o apoio do imperialismo ocidental a Israel.
Em 30 de abril, a União dos Portuários publicou uma carta aberta ao governo exigindo que fosse suspensa “toda a cooperação militar e o comércio com as forças e a indústria de defesa de Israel”. Mas os estivadores não devem esperar que o governo de direita pró-israelense de Ulf Kristersson aja. Em vez disso, deveriam seguir o exemplo dos estivadores de Barcelona e impor o bloqueio por conta própria.
Os trabalhadores portuários suecos também têm um histórico de ação militante. Em 2010, impuseram um bloqueio a todos os produtos israelenses depois de Israel ter atacado navios que deveriam romper o bloqueio a Gaza. Como salienta o sindicato dos estivadores na sua carta, empresas suecas como a Aimpoint, a SAAB, a Hägglunds e a Micropol têm parceria com a indústria de defesa israelense e os militares suecos compram bilhões de dólares em equipamento militar à Elbit, uma das maiores empresas israelenses fabricantes de armas. Os estivadores podem impedir isto, sem esperar que os sionistas no governo, como Ebba Bush ou Johan Pehrson, mudem de ideias depois de meses de apoio aberto à guerra de Israel.
O fato de muitas das manifestações terem diminuído nesta Primavera não significa que o apoio à Palestina esteja diminuindo – pelo contrário. Cada vez mais pessoas apoiam a Palestina, como mostram também a pesquisa YouGov e o desastre da Eurovision. Quanto mais Israel intensificar a guerra em Gaza, mais aumentará a raiva contra eles em toda a classe trabalhadora. Mas para realmente escalar o movimento, são necessários outros métodos além da simples convocação de manifestações espontâneas. Requer uma mobilização mais cuidadosa e que nós, com as lições do movimento estudantil nos EUA, levemos o movimento às escolas, universidades e locais de trabalho. Os acampamentos montados do lado de fora de algumas das maiores universidades podem se tornar um primeiro passo importante.
Não serão os políticos pró-israelenses na Suécia, nos EUA ou no Reino Unido, nem a ONU ou o Tribunal Internacional de Justiça em Haia que irão parar a máquina de guerra israelense. É a classe trabalhadora. Nós, no Partido Comunista Revolucionário, juntamente aos nossos camaradas da Internacional Comunista Revolucionária, continuaremos a participar neste movimento e a explicar a necessidade da luta de classes contra a guerra e a opressão do imperialismo. A classe trabalhadora tem o poder não só de cortar a ajuda econômica a Israel, mas também de abolir o sistema capitalista que dá origem à guerra, à opressão e à pobreza. Essa é a escalada necessária.