França diante da quarta onda da Covid-19

Neste artigo, publicado originalmente em 22 de julho, a seção francesa da Corrente Marxista Internacional (CMI), Révolution, explica a evolução da pandemia no país e o contexto das manifestações recentes contra o passe sanitário.

Uma nova onda da pandemia começou na França, seguindo uma curva que aumenta rapidamente. Na segunda-feira, o porta-voz do governo, Gabriel Attal, disse: “A dinâmica da pandemia é extremamente forte, com uma onda mais rápida e uma inclinação mais acentuada do que todas as anteriores.” Alguns especialistas acreditam que pode haver uma nova saturação do sistema hospitalar. Uma coisa é certa: a pandemia não “ficou para trás”. E este ano, está escaldante no calor do verão.

É neste contexto que se abre o debate no Parlamento sobre o passe sanitário e a obrigação de vacinação para determinadas categorias de trabalhadores. Essas duas medidas, anunciadas em 12 de julho por Macron, são alvo de acalorados debates. Que posição o movimento operário deve defender? E sobre quais palavras de ordem ele deve mobilizar os jovens e os trabalhadores?

A oposição à vacinação obrigatória e ao passe sanitário não deve se basear no princípio da “liberdade individual”. Não esqueçamos que os capitalistas defendem incessantemente sua “liberdade individual” de explorar, precarizar e demitir. Devemos basear nossa posição e nossas palavras de ordem em um ponto de vista de classe concreto. Trata-se de defender as condições de vida, de trabalho, assim como a saúde e os direitos democráticos dos trabalhadores e de todas as camadas oprimidas da população.

Vacinação obrigatória

Em primeiro lugar, devemos rejeitar fortemente todas as sanções (financeiras ou não) contra funcionários que se recusam a ser vacinados. Em outras palavras, devemos rejeitar a obrigação de vacinação – não porque seríamos contra a vacinação (somos a favor), mas porque devemos defender os empregos e os salários dos trabalhadores. Devemos recusar que os empregados paguem o preço pela classe dominante e seu governo, já que justamente os governos são os únicos responsáveis ​​pelo caos sanitário, pela falta de leitos e pessoal de enfermagem nos hospitais, pelo fracasso político, pela falta de testes da Covid e pela lentidão criminosa da campanha de vacinação entre janeiro e abril. Os grandes capitalistas também são responsáveis ​​pela desconfiança que tomou conta de parte da população em relação a uma vacina produzida por multinacionais interessadas apenas em seus lucros. A desconfiança na vacina frequentemente reflete uma desconfiança – absolutamente fundamentada – da classe dominante, seu governo e seu “sistema”.

Os funcionários dos setores que o governo deseja submeter à vacinação obrigatória devem ter, gratuitamente, em quantidade suficiente, tudo o que é necessário para se proteger e proteger os outros: máscaras PFF2, álcool em gel etc. Eles devem ter o direito à testagem gratuita e com a regularidade que quiserem. Em cada estabelecimento público de saúde, os funcionários e seus sindicatos devem ficar encarregados da organização do trabalho e poderem decidir por si próprios sobre todas as medidas necessárias à sua proteção e à proteção dos doentes, incluindo a atribuição de tarefas adequadas à parcela não vacinada. Tudo isso deve vir acompanhado de contratações massivas de que o sistema público de saúde necessita com urgência. Mas em hipótese alguma o governo deve impor, sob ameaça de sanções, a vacinação de trabalhadores. É uma linha vermelha que a esquerda e o movimento sindical devem defender firmemente.

Para acelerar a campanha de vacinação, devemos efetuar contratação em massa para chegar o mais perto possível das populações mais pobres e isoladas, que também são, de longe, as menos vacinadas. Durante meses, os médicos alertaram o governo para a urgência de uma campanha intensa e sistemática nos bairros operários de nossas cidades. Mas nada foi seriamente implementado pelo governo. Macron prefere trocar piadas com youtubers da moda, talvez porque seja mais barato. Mas isso é totalmente ineficaz quando se trata de vacinar setores da população para os quais, às vezes, marcar uma consulta com Doctolib1 não é fácil.

Da mesma forma, é necessário contratar um número suficiente de trabalhadores para planejar, de forma sistemática e massiva, o fluxo de “testar, rastrear, isolar”. Desde o início, o governo se mostrou incapaz de organizar essa política, e agora ele quer fazer os testes valerem a pena! Isso é completamente absurdo do ponto de vista da saúde, além de discriminatório, e o resultado será a desistência da realização de testes por parte da camada mais pobre da população.

Ao decidir cobrar por testes “para fazer as pessoas serem vacinadas“, o governo alcança novos patamares de irresponsabilidade. A esquerda e o movimento sindical devem defender os exames gratuitos e exigir a contratação massiva de pessoal para não só desenvolver a campanha de vacinação nas camadas mais pobres da população como também implantar uma política de massificação e testes eficientes.

Desde o início da pandemia, dezenas de bilhões de euros foram distribuídos aos mais ricos, mas “não há dinheiro suficiente” para facilitar a vacinação dos mais pobres e organizar seriamente o rastreamento dos casos positivos da doença? Isso é inadmissível. Cabe aos ricos pagarem pela crise!

O passe sanitário

A imposição do passe sanitário é uma medida anunciada na emergência e no pânico, no limiar de uma nova onda da pandemia. Mais uma vez, o governo está girando 180 graus em 24 horas, por falta de antecipação de medidas sobre as quais muitos especialistas vêm alertando há muito tempo.

Conforme Macron apresentou em 12 de julho, o passe sanitário estava se transformando em uma verdadeira usina nuclear. Era difícil imaginar que bares e restaurantes pudessem controlar o passe sanitário e a carteira de identidade de cada um de seus clientes. Desde então, o governo desistiu de pedir aos donos desses estabelecimentos que verifiquem o documento das pessoas. É a polícia – a quem o governo isentou diplomaticamente da exigência de vacina! – quem vai se encarregar disso, por meio de verificações aleatórias.

Tudo isso não é absolutamente compatível com a gravidade da situação. Em vez de mobilizar os recursos financeiros e humanos para lutar eficazmente contra a pandemia, o governo ameaça, constrange e faz com que a massa da população pague o preço de sua própria negligência. Ao mesmo tempo em que se oferece para enviar policiais para fiscalizar frequentadores de estabelecimentos partidários, a compra de máscaras ainda pesa no orçamento de milhões de jovens e trabalhadores. Como resultado, muitos desistem de comprar a quantidade que realmente precisam, e ficam sob o risco de serem infectados. A esquerda e o movimento sindical devem mais uma vez exigir máscaras para todos.

Além disso, nenhum passe sanitário é necessário na entrada das fábricas ou dos escritórios. A grande engrenagem do lucro deve continuar funcionando! Diante do desenvolvimento da quarta onda, os trabalhadores e seus sindicatos devem tomar medidas de controle dos trabalhadores, de forma a determinar coletivamente a organização do trabalho, a força de trabalho, sua rotatividade e os horários de abertura e fechamento.

Agora o governo se engaja em uma espécie de demagogia vacinal: “vacine-se e tudo estará resolvido! Você poderá remover a máscara em todos os lugares e voltar à vida normal!“. Infelizmente, não é tão simples. Segundo os cientistas, a vacinação protege 90% (aproximadamente). Mas 90% não é 100%. E as novas variantes ainda podem aumentar a chance de casos graves da doença. Ao apostar tudo no passe sanitário, o governo está se engajando em uma nova “aposta” mórbida, já que todas as anteriores tiveram resultados negativos. No final, a magnitude da quarta onda poderia destruir essa estrutura inconsistente e forçar o governo a decidir sobre novas restrições “clássicas” (fechamentos, toques de recolher e confinamentos parciais) por falta de ação efetiva.

O caos do capitalismo

No domingo, 18 de julho, Gabriel Attal advertiu os opositores do passe sanitário e denunciou que “há uma franja derrotista, minoritária, que se contentaria em permanecer no caos e ‘inatividade”. Mas quem são os verdadeiros responsáveis ​​pelo “caos” sanitário de que, aliás, somos vítimas desde março de 2020? Eles não são adversários do passe sanitário, é a classe dominante e seu governo, o governo do qual Gabriel Attal é o porta-voz. São os grandes capitalistas e sucessivos governos (incluindo o de Macron) que, há muitos anos, ameaçam os hospitais públicos a cortes drásticos. O caos é, na verdade, a escassez de leitos e profissionais de saúde; é a incapacidade do governo de organizar o “testar, rastrear, isolar” de forma sistemática e planejada, por falta de recursos financeiros e humanos; foi a sucessão de decisões contraditórias, os perigosos desconfinamentos e a lentidão criminosa, por meses a fio, da campanha de vacinação. Em suma, o caos é consequência de uma política “sanitária” inteiramente subordinada à defesa dos lucros da classe dominante, mesmo que isso signifique o sacrifício de dezenas de milhares de vidas.

A pandemia está longe, muito longe de terminar. Por exemplo, a quantidade de doses de vacina que a Big Pharma produz é definida para atingir as melhores taxas de lucro, não para imunizar o maior número possível de pessoas em todo o mundo. O vírus, portanto, tem muito tempo para sofrer mutações e se tornar cada vez mais contagioso, perigoso e resistente a vacinas. Esqueça! Diz a Big Pharma: “Felizmente vamos produzir e comercializar novas vacinas”. Na perspectiva de uma grande indústria como essa, a pandemia é uma dádiva de Deus.

O movimento operário deve se mobilizar diante do confronto entre a saúde pública e a corrida pelo lucro. Precisamos adotar um argumento claro – de orientação anticapitalista – para a luta contra as políticas “sanitárias” do governo. Além das medidas emergenciais que citamos acima, devemos lutar pela abertura de dezenas de milhares de leitos em hospitais, e pela nacionalização, sob o controle dos funcionários, de todo o setor farmacêutico e hospitalar. Ao mesmo tempo, devemos destacar a grande crise do capitalismo nos últimos 17 meses, e defender um programa que direcione a juventude e os assalariados para uma luta decisiva contra um sistema que se mostra incapaz de atender às necessidades básicas – não só de saúde – da massa da população. Enquanto o capitalismo estiver de pé, as catástrofes de saúde, econômicas, sociais e ecológicas se multiplicarão. É hora de a esquerda e o movimento sindical assumirem todas as consequências.

Nota:

 1 Doctolib é uma startup que oferece consultas médicas, exames e serviços de saúde por meio de um aplicativo.

TRADUÇÃO DE NAYARA S.

PUBLICADO EM MARXISTE.ORG