O incêndio que destruiu parcialmente Notre Dame é uma tragédia para qualquer um que aprecie as conquistas culturais, artísticas e arquitetônicas da humanidade. O capitalismo está minando suas próprias conquistas passadas e das sociedades anteriores, e isso se evidencia muito claramente quando se observa mais de perto o que aconteceu em Paris, dia 15 de abril.
A investigação sobre as causas do incêndio levarão algum tempo, possivelmente meses, mas parece que sua origem esteve relacionada aos trabalhos em curso na agulha.
No entanto, é evidente que a austeridade e os consequentes cortes do gasto público desempenharam um papel importante.
A catedral necessitava urgentemente ser restaurada há muito. Caroline Bruzelius, historiadora da arquitetura na Universidade de Duke, teve a oportunidade há quase 40 anos, de visitar partes de Notre Dame que normalmente não são acessíveis. Em uma entrevista a Foreign Policy, ela então explicava:
“(…) necessitava ser restaurada nas partes que não vemos quando entramos no prédio, e me refiro especificamente a enorme estrutura de madeira entre as partes superiores das abóbodas e do teto. É madeira velha. Durante séculos foram aquecidas no verão e congeladas no inverno, e isso era incrivelmente inflamável, e por essa razão o fogo foi tão horrível e espetacular. Foram essas velhas madeiras que arderam tão ferozmente. Vimos o fogo se propagar de um setor a outro em rápida sucessão”.
Cabe perguntar: por que foram necessários quase 40 anos desde que Bruzelius constatou o estado do teto antes de que se iniciasse a restauração? É evidente que os anos de cortes e de descuidos na preservação do patrimônio histórico devem fazer parte da equação.
A austeridade também afeta nosso patrimônio cultural
Como assinalamos em um artigo anterior de 2012:
“Os efeitos da crise capitalista são sentidos em todos os níveis da sociedade. Como se informava em um artigo da revista Time em abril (2012), isso também inclui a preservação dos locais históricos. À medida em que os estados europeus se apressam em cortar o gasto público e em cortar os orçamentos, as conquistas históricas da humanidade desmoronam sob atribuições miseráveis para a preservação cultural” (Conserving Culture Under Capitalism, 27 de setembro de 2012).
No contexto do aprofundamento da austeridade, houve uma tendência crescente para cortar o financiamento das artes e do gasto cultural em geral, como parte da decadência geral do capitalismo. Em todos os aspectos da vida que tornam possível uma existência civilizada, vemos cortes em massa – desde a educação até a saúde, desde a moradia até o meio-ambiente – tudo isso acompanhado de uma privatização cada vez maior, em que tudo se vê, através do prisma da rentabilidade.
A Confederação Sindical Francesa, a CGT, assinalou em um comunicado que:
“Portanto, não é de estranhar que atualmente os historiadores da arte, os arquitetos e os curadores não ocultem uma certa ira pela falta de recursos destinados à manutenção dos monumentos e das normas de segurança nas obras de construção do patrimônio. (…) Ainda não conhecemos as causas do incêndio, mas uma coisa é certa: o corte constante dos recursos humanos e financeiros só pode ter efeitos prejudiciais para a segurança dos monumentos, dos trabalhadores e dos visitantes. Nesse ritmo, é certo que ocorrerão outros dramas desse tipo”
O mesmo comunicado condena as políticas “retrógradas” do programa governamental “Action Publique 2022”, que afirma que seus objetivos são “melhorar a qualidade dos serviços públicos, proporcionar um entorno moderno de trabalho aos trabalhadores e promover cortes no gasto público”. Dos três objetivos, só o último está sendo levado a sério, o que explica a ira generalizada contra o governo francês no último período.
A hipocrisia de Macron e de seus amigos milionários
Macron se aproveita agora da tragédia de Notre Dame e da dor real expressada pelos trabalhadores franceses e de outros países para suas próprias necessidades políticas. Referiu-se ao fogo como um acontecimento em torno do qual unir a nação, e acrescentou que agora “não é o momento da política”. No entanto, o que está fazendo é política da pior qualidade: explorar uma tragédia genuína, sentida como uma perda por milhões de pessoas, para aumentar sua própria popularidade. A tragédia de Notre Dame está sendo utilizada em uma tentativa de “unir a nação” em torno desse símbolo da França e de atalhar a radicalização dos trabalhadores e da juventude.
Contudo, faça o que fizer, não pode ocultar o fato de que sua popularidade desabou em pedaços nos últimos tempos, visto que continuou pelo caminho da austeridade e da privatização. O movimento dos coletes amarelos evidenciou o quanto ele é odiado. Portanto, não temos nenhuma simpatia por ele, visto que derrama lágrimas de crocodilo pela destruição da catedral.
No entanto, nossa oposição às tentativas dos reacionários de utilizar a tragédia para impulsionar sua própria agenda não tira a importância da verdadeira tragédia que representou o incêndio. Os marxistas não se alegram, absolutamente, com a destruição de nosso patrimônio cultural. Nosso objetivo é preservar todas as conquistas do passado e construir sobre elas no futuro.
É compreensível que alguns reajam contra a hipocrisia que rodeia esse acontecimento. É compreensível se compararmos o ruído que se faz sobre Notre Dame e as ofertas imediatas de grandes doações de capitalistas muito ricos, à resposta muito lenta a tragédias como a da Torre Grenfell em Londres, onde 71 pessoas perderam a vida. Desde que se produziu a tragédia há dois anos, foram coletados uns 26 milhões de libras esterlinas, mas sem grandes doações de capitalistas famosos e, enquanto isso, os sobreviventes continuam vivendo em alojamentos temporários.
François-Henri Pinault, diretor-geral de Kering, proprietário de Gucci e Yves Saint Laurent, doou 100 milhões de euros para a restauração de Notre Dame. Estima-se que a família Pinault tem uma fortuna avaliada em 33 bilhões de euros. Bernard Arnault, diretor-geral de LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton – dizem que é o homem mais rico da Europa – doou 200 milhões de euros, mas fala-se que sua fortuna é de 80 bilhões de euros. L’Oréal, a empresa francesa de cosméticos, de propriedade da família Betancourt, doou 200 milhões de euros, enquanto que Total, a empresa petrolífera, doou 100 milhões de euros. Tais doações, embora grandes, são uma migalha quando se considera a quantidade real da fortuna que essas empresas possuem.
As grandes doações de capitalistas individuais para Notre Dame servem para enfatizar quanta riqueza possuem essas pessoas em suas mãos, e isso não passou despercebido na França e mais além. De fato, estamos vendo agora o início de uma reação contra os mesmos multimilionários que fazem as doações. “Há uma ira crescendo nas redes sociais pela apatia das grandes corporações diante da miséria social, enquanto se mostram capazes de mobilizar uma quantidade louca de dinheiro da noite para o dia para Notre Dame”, declarou Ingrid Levavasseur, membro fundador do movimento dos coletes amarelos.
A oferta imediata de centenas de milhões de dólares por parte de indivíduos multimilionários serve para ressaltar que não é verdade que não haja dinheiro para o gasto social. Ontem, a cifra doada havia alcançado os 900 milhões de euros e hoje as notícias indicam que superou o bilhão de euros e, sem dúvida, continuará crescendo.
Mas não se dá relevo que as empresas francesas podem obter uma devolução de 60% dos impostos sobre as “doações culturais”. Isso pode explicar o afã desses “filantropos” multimilionários para enviar dinheiro a Paris, sempre desejosos de encontrar escapatórias fiscais convenientes e formas de reciclar o seu dinheiro, ao mesmo tempo em que fazem uma publicidade massiva de suas empresas.
No entanto, quando se trata de aumentar os salários dos trabalhadores, essas mesmas pessoas são muito reticentes. Quando se trata de aumentar o gasto em saúde, educação e moradia, tampouco estão dispostos a se desprenderem de seu dinheiro e deveríamos utilizar isso para evidenciar as contradições da situação.
Não deveríamos ter que depender da generosidade – ou de sua falta – desses ricos multimilionários. Suas fortunas não provêm do “suor de seu rosto”. Procede do trabalho das centenas de milhares e milhões de pessoas que trabalham para eles. Essa riqueza deve voltar ao povo que a criou, à classe trabalhadora em seu conjunto. A forma de se conseguir isso é nacionalizar as grandes empresas e utilizar sua imensa riqueza para o bem da humanidade, o que incluiria a conservação de monumentos como Notre Dame.
O patrimônio cultural em risco em todo o mundo
Também é nosso dever recordar que Notre Dame não é a única perda de um grande monumento histórico. Vimos vários recentemente. Por exemplo, o museu histórico e científico mais antigo e importante do Brasil se incendiou em setembro do ano passado e grande parte de seus 20 milhões de objetos de interesse histórico foi destruído. Havia se deteriorado e era uma tragédia que estava prestes a acontecer. O então presidente do Brasil, Michel Temer, havia presidido os cortes orçamentários à ciência e à educação como parte de um programa geral de austeridade. Os sucessivos governos têm a culpa de não haver proporcionado os fundos necessários e de haver deixado que o museu se deteriorasse.
Em abril de 2003, testemunhamos a pilhagem e o saque do Museu do Iraque, em Bagdá, enquanto os tanques estadunidenses rodavam pela cidade. Quase toda a coleção de selos cilíndricos antigos foi roubada e mais de 15 mil objetos preciosos desapareceram. Igualmente trágica foi a destruição do Templo de Baalshamin e de outros templos em uma das ruínas melhor conservadas do sítio arqueológico sírio de Palmira, bem como a destruição por dinamite de antigos santuários cristãos e muçulmanos. Nesse caso, a destruição foi realizada pelo ISIS. Em 2001, as duas maiores estátuas do mundo de Buda, de 1.700 anos de antiguidade, foram dinamitadas pelos talibãs no Afeganistão.
Quando se produziram essas tragédias igualmente trágicas de nossa cultura humana mundial compartilhada, infelizmente se fez menos ruídos a respeito e não tantos multimilionários se apressaram a fazer doações.
Notre Dame é Patrimônio da Humanidade da UNESCO. Há muitos outros em todo o mundo, alguns dos quais foram destruídos em guerras e guerras civis. A guerra civil no Iêmen, na qual o regime saudita desempenhou um papel-chave, colocou em risco alguns dos manuscritos islâmicos mais valiosos do mundo. O regime saudita recebeu da UNESCO a localização dos importantes locais do patrimônio cultural no Iêmen com a esperança de protegê-los, mas parece que os sauditas atacaram conscientemente esses locais.
Um exemplo é o que se fez a Sanaa, no Iêmen. Macron não derramou lágrimas por Sanaa, visto que armas francesas foram utilizadas no bombardeio, sem dúvida produzindo bons lucros para a indústria de armamentos francesa (ver este artigo “Investigative website says French arms used in Yemen’s war”). Para mais detalhes sobre os imensos danos a um dos maiores patrimônios culturais do mundo, veja-se “War savages ancient sites in Yemen and Iraq, destroying arhaeological record”. Para fotos da destruição, ver “Devastation in Yemen: historic district of Sanaa before and after – in pictures”.
Não nos regozijamos
Tudo isso evidencia a hipocrisia de Macron, da classe dominante francesa e dos meios de comunicação burgueses em nível internacional. No entanto, ao mesmo tempo, não nos permite menosprezar a perda de Paris. A catedral de Notre Dame é um produto da história humana, do trabalho de muitos e é uma obra de arte erigida como testemunho da criatividade dos seres humanos. Algo que deve ser entesourado e preservado para todas as gerações futuras. Estamos zangados, não porque simbolize a Igreja Católica ou o Estado francês. Estamos zangados porque o capitalismo está fracassando na preservação do que foi construído pelas gerações passadas.
Alguns da esquerda – embora sejam uma minoria – lamentavelmente se regozijaram com o incêndio de Notre Dame. Isso é, no mínimo, infantil. Alguns se referiram a ela como um mero prédio, outros registraram o fato de que é um símbolo da Igreja Católica e outros registraram o fervor nacionalista que a classe dominante da França esteve tratando de despertar. Outros tentaram utilizar uma espécie de “anticolonialismo”, vendo em Notre Dame um símbolo do imperialismo francês.
Se aplicássemos esses critérios para julgar o que ocorreu, a conclusão lógica seria que deveríamos incluir em nosso programa a destruição de todos os monumentos produzidos pelas sociedades de classe do passado, deveríamos tentar destruir tudo o que foi criado pela humanidade desde que ela se elevou acima do nível dos selvagens primitivos. Isso significaria anular tudo o que conseguiu o surgimento da própria civilização.
Não devemos esquecer que a humanidade se elevou acima de sua condição animal primitiva ao passar do comunismo primitivo a uma sociedade de classes. Foi através da escravidão que a humanidade começou a expandir seus conhecimentos e seu nível cultural. É verdade que isso ocorreu a um grande custo para os de baixo, os escravos, mas foi o que criou as condições materiais para que a humanidade desse um salto histórico para a genuína liberdade. Os grandes filósofos, matemáticos e escritores da Grécia Antiga contribuíram enormemente para a compreensão e o conhecimento humanos e, ao fazê-lo, iniciaram a longa e árdua viagem até onde nos encontramos na atualidade.
Foi Engels, em sua obra magistral Anti-Dühring, quem nos explicou o seguinte:
“Foi a escravidão a primeira que tornou possível a divisão do trabalho entre a agricultura e a indústria em maior escala e, portanto, também o helenismo, o florescimento do mundo antigo. Sem a escravidão, não teria havido o Estado grego, nem a arte, nem a ciência grega; sem a escravidão, não teria havido o Império Romano. Mas, sem as bases estabelecidas pelo helenismo e pelo Império Romano, tampouco haveria uma Europa moderna. Jamais devemos esquecer que todo o nosso desenvolvimento econômico, político e intelectual pressupõe um estado de coisas em que a escravidão era tanto necessária quanto universalmente reconhecida. Nesse sentido, temos o direito de dizer: sem a escravidão da antiguidade não há socialismo moderno.
“É muito fácil se opor à escravidão e coisas semelhantes em termos gerais e soltar os freios à alta indignação moral diante de tais infâmias. Infelizmente, tudo o que isso transmite é só o que todo o mundo sabe, isto é, que essas instituições da antiguidade já não estão de acordo com nossas condições atuais e nossos sentimentos, que são os que determinam essas condições. Mas não nos diz uma só palavra sobre como surgiram essas instituições, por que existiram e que papel desempenharam na história. E quando examinamos essas questões, vemo-nos obrigados a dizer – por muito contraditório e herético que possa parecer – que a introdução da escravidão nas condições imperantes naquele momento foi um grande passo à frente. Porque é um fato que a humanidade, nascida da animalidade, teve que usar meios bárbaros e quase animalescos para sair da barbárie”.
Convidamos nossos leitores a estudar esse trabalho, se ainda não o fizeram, e, em particular, a ler a seção 4. Teoria da Violência (Conclusão). Da escravidão ao feudalismo, e a partir deste último até o capitalismo, a sociedade humana se elevou cada vez mais. Adquiriu um maior conhecimento e desenvolveu a técnica a níveis inimagináveis. Isso custou milhares de anos, mais de 10 mil para sermos precisos, mas foi uma etapa ineludível e inevitável do desenvolvimento humano.
Crise capitalista sem precedentes
O ponto que agora temos que destacar é que o capitalismo desenvolveu os meios de produção até o nível em que é possível de se prever o fim da sociedade de classes. A técnica, a ciência, a maquinaria alcançaram um nível em que os seres humanos podem ser, pela primeira vez na história, verdadeiramente livres. Podemos começar, pela primeira vez na história, a construir uma nova sociedade sem classes. A Revolução Russa, se tivesse sido acompanhada por revoluções exitosas na Alemanha e em toda a Europa, poderia haver sido o início de uma nova sociedade livre de restrições de classe. Seu isolamento significou que a sociedade foi finalmente empurrada mais uma vez para o pântano de um sistema capitalista que havia deixado de ser progressista e, com isso, veio toda a barbárie da década de 1930 e da Segunda Guerra Mundial.
Agora, estamos enfrentando uma crise sem precedentes do capitalismo, que está produzindo agitação social e política em todas as partes. O capitalismo teve um período progressista em que esteve desenvolvendo massivamente as forças produtivas e estabelecendo assim as condições materiais para o próximo salto na história em direção a uma sociedade sem classes. O capitalismo se despojou de seu papel progressista há muito tempo e agora desempenha um papel totalmente reacionário. Desde o seu período de ascensão entrou em seu descenso ao estalar a Primeira Guerra Mundial, que abriu um período sem precedentes de luta de classes e revolução. Devido à ausência de uma direção revolucionária, esse período terminou em reação e guerra mundial.
No entanto, a história deu uma volta completa e agora nos apresenta uma nova oportunidade histórica para mudar a sociedade. Ao mudar a sociedade, não descartaremos todo o conhecimento acumulado da humanidade que foi logrado através de milhares de anos de sociedade de classes. Tomaremos nas mãos todas as conquistas das sociedades anteriores – a arte, a literatura, a arquitetura, a ciência, a filosofia – produzidas pelos grandes pensadores do passado e as tornaremos nossas.
As primeiras medidas consistirão em elevar o nível cultural geral da sociedade. Até há relativamente pouco tempo, a cultura estava reservada principalmente a uma minoria privilegiada. Os grandes artistas, os grandes músicos e escritores, costumavam vir das classes privilegiadas, da burguesia e da pequena burguesia, enquanto que as massas de camponeses e operários industriais eram analfabetas ou só tinham acesso a uma educação muito rudimentar.
Até mesmo os grandes marxistas procediam desse fundo social. Como Trotsky assinalou em seu texto de 1923, “Que é a cultura proletária e se é possível”.
“Marx e Engels saíram das fileiras da democracia pequeno-burguesa e, naturalmente, foram educados em sua cultura e não na cultura do proletariado. Se não houvesse classe operária, com suas greves, lutas, sofrimentos e revoltas, não haveria, naturalmente, nenhum comunismo científico, porque não haveria uma necessidade histórica para isso. Mas sua teoria se formou inteiramente sobre a base da cultura burguesa, tanto científica quanto política, embora tenha declarado uma luta até o fim contra essa cultura. Sob a pressão das contradições capitalistas, a ideia de generalizar a democracia burguesa se levanta – em seus representantes mais audazes, honestos e previsores – até sua autorregeneração genial, armada com todas as armas críticas da ciência burguesa. Tal é a origem do marxismo”.
Observem aqui o que ele diz. Marx e Engels estavam “armados com todas as armas críticas da ciência burguesa”. Tomaram as conquistas da cultura burguesa e a elevaram a um nível superior, produzindo essa ferramenta vital nas mãos da classe trabalhadora de hoje, a filosofia marxista, que nos permite ver o mundo como realmente é e nos prepararmos para a seguinte etapa no desenvolvimento da humanidade.
A tarefa de construção de uma nova sociedade
Ao tomar em suas mãos os meios de produção e a imensa riqueza acumulada, possuídos atualmente por uma pequena minoria de milionários, a classe trabalhadora iniciará o processo de construção de uma nova sociedade.
Criará isso uma “cultura proletária”? Lenin, nas condições atrasadas herdadas do antigo regime czarista, com um analfabetismo generalizado e um baixo nível cultural geral, não via como tarefa imediata a construção de uma nova “cultura proletária”. Via como tarefa ajudar as massas a assimilar, em primeiro lugar, as conquistas essenciais da cultura burguesa. Uma vez isso logrado, a sociedade pode passar para um nível superior. Para que isso ocorresse, era necessário um período de desenvolvimento da indústria e da agricultura.
Foi Trotsky quem colocou a questão: “Terá o proletariado tempo suficiente para criar uma cultura ‘proletária’?” Por que Trotsky se referiu à quantidade de tempo que a classe trabalhadora teria para produzir sua própria cultura? Assinalava que a revolução socialista tem o objetivo de criar uma sociedade sem classes. Ao tomar o poder, a classe trabalhadora toma o controle de todos os aspectos da sociedade, começando pela economia. Mas, ao desenvolver ainda mais a economia, elevando a produtividade a níveis inimagináveis, a classe trabalhadora se aboliria a si própria como classe. Como ele disse, “… antes do proletariado terminar a etapa de aprendizagem cultural, terá deixado de ser proletário” (Veja-se: “Que é a cultura proletária e se é possível”).
Dessa forma, a classe trabalhadora chega ao poder com o objetivo não de se impor às classes inferiores – não há nenhuma, visto que todo o trabalho é realizado pelo proletariado –, mas de abolir todas as diferenças de classe. Ao fazê-lo, suprime-se a si mesmo e toda a sociedade fica sem classes. Nessas condições, teremos uma autêntica liberdade e um florescimento da cultura humana a um nível inimaginável para as gerações passadas.
A sociedade do futuro preservará todas as conquistas das sociedades do passado e as tornará suas. Dedicará imensos recursos para preservar a cultura de milhares de anos de civilização humana. Esperamos que os grandes monumentos do passado continuem intactos para que as gerações futuras desfrutem deles muitos anos depois de que a sociedade de classes tenha sido relegada à história.
Tradução de Fabiano Leite.