Frente ao bloqueio da burocracia sindical, servidores de Barueri fundam associação independente

Em uma situação inédita na cidade de Barueri, São Paulo, servidores municipais decidiram criar associação independente como ferramenta de organização de suas lutas. Tal iniciativa pegou governos e sindicatos oficiais de surpresa e expressa uma mudança na situação da luta de classes da cidade.

Qual o cenário sindical de Barueri?

Há dois sindicatos representando os servidores de Barueri atualmente: Sindicato dos Servidores Municipais de Barueri (SindServ) e Sindicato dos Professores das Escolas Públicas Municipais de Barueri e Região (Siproem). O primeiro, sem filiação a nenhuma central, representa oficialmente todos os servidores municipais, com exceção dos professores. O segundo, filiado à Intersindical, representa docentes de Barueri, Cotia, Vargem Grande Paulista, Taboão da Serra, Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, São Lourenço e Juquitiba.

Ambos os sindicatos apresentam funcionamento considerado nulo pela categoria e até mesmo com postura em defesa dos patrões em detrimento dos trabalhadores. Praticamente não há assembleias, escondem as informações estatutárias e as eleições são feitas às escondidas. Os associados só ficam sabendo de sua existência, quando muito, no período eleitoral.

Para se ter uma ideia do nível de degeneração, o atual presidente do Siproem, Adenir Segura, foi condenado em 2022 a pagar indenização de R$ 100 mil por participar da criação de sindicato “fantasma” no interior do estado de São Paulo. Adenir e seus comparsas criaram o Siproem Intermunicipal por meio de “laranjas” que representariam pelo menos 78 cidades, da região metropolitana ao interior paulista, de Carapicuíba a Araraquara. Queriam, assim, “intermunicipalizar” a paralisia sindical promovida em Barueri e região com a finalidade de ampliar os ganhos pessoais da burocracia sindical por eles articulada. Mesmo para o Estado Burguês, tal tentativa gerou espanto e foi interrompida pelo Ministério Público. Porém, tais práticas degeneradas continuam. Ainda em 2022, só ficamos sabendo das eleições do Siproem na semana do pleito que, por sinal, seria virtual e sem qualquer fiscalização de base.

Quanto ao SindServ, seu presidente é Eduardo Assarito, que foi filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) na década de 90 e hoje atua nos moldes da burocracia sindical mais rasteira. A única informação que encontramos sobre as eleições desta entidade foi por meio de uma reportagem de 2018 da federação da qual o sindicato faz parte. A matéria afirmava que houve uma eleição de chapa única, que a atual diretoria do SindServ – Barueri evidentemente havia sido reeleita e que as próximas “eleições” ocorrerão somente em 2028.

Ambos os sindicatos representam legalmente setores inteiros da categoria. Contudo, atuam de modo a impedir qualquer vislumbre de mobilização e organização efetiva dos servidores deste município.

Como se desenvolveram as mobilizações em Barueri em 2023?

O que vemos em 2023, é um salto qualitativo da consciência dos servidores em função do acúmulo quantitativo de indignações frente a tantas injustiças nesta cidade.

Já em 2013 uma ala independente de servidores havia tentado a criação de uma nova entidade frente à paralisia sindical, como parte do fenômeno que ficou conhecido como as “Jornadas de Junho”. Infelizmente, a categoria não foi capaz, naquele momento, de avançar para a constituição de um organismo independente. Contudo, as mesmas mazelas vividas pela categoria continuaram, assim como as práticas da burocracia sindical.

Relatos de assédio moral e intimidações são constantes. Servidores que ameaçam demonstrar um pensamento autônomo são “punidos” e enviados às regiões mais periféricas da cidade. Falta papel higiênico, papel sulfite para as atividades educacionais, não há funcionários o suficiente em todas as secretarias e os reajustes seguem abaixo da inflação considerando os últimos 10 anos. Além disso, o Ministério Público da cidade é acusado de ser conivente com tais práticas, fomentando um sentimento acumulado de que impera a injustiça na cidade de Barueri.

A gota d’água veio no início de março. Em Barueri, a evolução funcional depende de uma avaliação de desempenho feita pelos superiores hierárquicos, mais títulos, podendo o servidor somente usufruir dela a cada quatro anos. Além disso, somente 25% dos servidores evoluem por ano. Um plano de carreira, diga-se de passagem, deplorável. Ocorre que em 2023, a nota máxima que tem sido atribuída à maioria dos milhares de servidores da Secretaria de Educação foi de 7,5. Boatos afirmam que esta incrível coincidência se deve a uma orientação direta do secretário da Educação, Celso Furlan, irmão do prefeito da cidade. A nota em si não muda a realidade dos 25% que evoluiriam, foi uma simples demonstração de desprezo por parte da administração pública. Contudo, isso fez ascender um movimento inesperado até então.

Tal situação fez com que centenas de servidores expressassem sua indignação em mobilizações significativas no centro da cidade de Barueri, obrigando o prefeito, que negava a possibilidade de aumento, a anunciar 6% de reajuste ao conjunto dos servidores, ressalta-se ao lado do sorridente presidente do SindServ de Barueri. Contudo, isso não bastou e, como forma de realmente organizarem suas lutas, os servidores deram um importante passo. Eles materializaram sua indignação em organização, criando uma ferramenta genuína e independente de luta na cidade: a Associação de Servidoras e Servidores de Barueri.

Como muito bem expressou o revolucionário Leon Trotsky: “as leis da História são mais poderosas que os aparelhos burocráticos”.

A resistência dos outros sindicatos

Em 2023 o Siproem marcou até o momento três assembleias, sob forte pressão da base da categoria, o que dizem ser um recorde histórico. Contudo, logo o sindicato quis tirar o time de campo novamente. Ocorre que, desta vez, a situação foi diferente.

Tais assembleias ocorreram como um fenômeno exterior aos sindicatos, e não mobilizadas por eles. Tratava-se de um setor significativo da categoria que buscava expressão de suas indignações por algum meio e percebeu que conseguiria se mobilizar independentemente dos aparatos burocráticos. Assim, surgiu a ideia de criar uma associação que organizasse a luta independentemente dos sindicatos oficiais. 

Ao perceber que a situação havia mudado, e que uma associação poderia ser criada, o Siproem decidiu marcar uma assembleia para o mesmo dia e horário em que a assembleia de fundação da nova entidade ocorreria, no dia 14 de abril de 2023. Conclusão: cerca de 20 professores independentes compareceram à assembleia do sindicato oficial, enquanto por volta de 200 servidores aprovaram a criação da nova entidade. Ressalta-se também o autofinanciamento: do carro de som ao livro ata, tudo foi financiado independentemente pelos servidores, por meio de grupos de WhatsApp.

No dia seguinte, o SindServ, que nem assembleia quis tentar organizar, também resolveu se manifestar por meio de suas mídias, afirmando ser o único com o direito de representar os servidores de Barueri. Uma clara demonstração de medo frente ao movimento que se inaugurava. Esta manifestação animou a categoria ainda mais.

Perspectivas e significado

O movimento dos servidores de Barueri contribuí para a análise da situação política geral, no sentido em que explicita a crise dos aparelhos burocráticos e a busca da classe trabalhadora por alternativas independentes de organização para avançar em sua luta.

Mais do que os atos e assembleias, a materialização da indignação em organização com autofinanciamento é evidência contundente do salto de qualidade que temos visto na consciência dos servidores da cidade. Não acreditamos       que este seja um fenômeno isolado, mas uma expressão da situação política geral. 

Por isso, o coletivo Educadores pelo Socialismo apoia a iniciativa de criação da Associação de Servidoras e Servidores de Barueri. Ela foi criada tendo como princípios a independência de classe e o repúdio às políticas de colaboração de classe com patrões e governos. Ou seja, começa pelo caminho correto. Seguiremos acompanhando seu desenvolvimento.