foto: esquerda - La Moncloa / direita - Marcello Casal Jr/agência Brasil

Frente Democrática de FHC a Boulos

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 07, de 28 de maio de 2020. Confira a edição completa.
 A “esquerda” brasileira está unida. Os impressionistas de plantão poderiam estar comemorando, mas o medo da ameaça fascista não os deixa tranquilos. O medo é tanto que para eles essa unidade, que nem é só da “esquerda”,  mas é realizada com inimigos históricos dos trabalhadores, entre eles Fernando Henrique Cardoso (PSDB), é aceitável. Entretanto, os principais articuladores dessa iniciativa não são os temerosos do golpe, do autogolpe etc. Eles se utilizam de um discurso hipócrita para combater o que eles mais temem realmente: a classe trabalhadora.

Entre as ações mais recentes desses defensores da democracia estão o pedido de renúncia de Bolsonaro em março – em um momento em que os panelaços pelo “Fora Bolsonaro” já ocorriam por todo o país –, o palanque unificado das centrais sindicais com os carrascos dos trabalhadores (FHC, Maia etc.) no 1º de maio e, agora, o pedido de impeachment “popular” protocolado na Câmara no dia 21 de maio.

Se Boulos e o Psol se retiraram de última hora do 1º de maio, pois perceberam que pegaria mal essa “unidade” tão escrachada, o líder do MTST deixou claro que concordava com a participação de FHC, Rodrigo Maia (PSD), entre outros, nos movimentos em defesa da democracia, a chamada unidade democrática.

Para entender esse momento em que, assim como na novela de Orwell (A revolução dos bichos), os porcos se tornam cada vez mais parecidos com os humanos, precisamos compreender rapidamente qual é o papel que desempenha a classe dos explorados hoje.

A classe trabalhadora brasileira derrubou a ditadura militar construindo um partido e uma central sindical única, o PT e a CUT. A pressão realizada por essa classe, nos anos subsequentes, culminou com a derrubada de Collor, em 1992. Esse processo que terminou com uma “vitória incompleta das massas, uma vitória confiscada”1, já que a derrubada de Collor foi precedida da posse de Itamar, manobra que contou com a ação de Lula. Isso permitiu o surgimento de um governo do tipo bonapartista, o de FHC, porém muito frágil, pois dependia da tolerância de seus inimigos.

Os anos 1990 e início dos anos 2000 são de intensos combates dos trabalhadores contra os ataques de FHC e do imperialismo. Foi nesse período, por exemplo, que a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que atacava brutalmente direitos trabalhistas históricos em detrimento das multinacionais estrangeiras, foi derrotada. Lula foi eleito em 2002, dando uma enorme injeção de ânimo nas massas. E mesmo com todos os anos de traição dos governos petistas de coalizão com a burguesia, as massas não desanimam. Elas rompem com o PT e as direções tradicionais da classe trabalhadora a partir das manifestações de massa da juventude em 2012, processo que vai terminar em 2013.

A falta de resistência popular ao impeachment de Dilma também não foi fruto de um recuo ou desânimo das massas, mas sim da submissão do PT à burguesia quando a classe dominante já não queria mais a conciliação de classes.

Atualmente, a classe trabalhadora brasileira não está desanimada nem derrotada. Apesar dos inúmeros ataques, das reformas trabalhista, da previdência, do ensino etc., o sentimento predominante na maioria da população é de uma raiva contida que pode explodir a qualquer momento. Os dirigentes que um dia representaram essa classe cada vez mais perdem a capacidade de controlá-la e Lula, Boulos, FHC sabem muito bem disso.

Defesa do Estado burguês

No dia 22 de maio, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhou para análise da Procuradoria Geral da República (PGR) três notícias-crime apresentadas por partidos políticos e parlamentares ao STF. Nas notícias-crime os partidos pediram, entre outras providências, a apreensão do celular do presidente. O governo respondeu ao pedido no mesmo dia em nota assinada pelo ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI):

O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.

O blefe de Heleno repercutiu rapidamente e a “Nota dos partidos de oposição” (PT, PDT, PSB, PCdoB, Psol e Rede), lançada no mesmo dia, apresentou praticamente o programa dessa frente em defesa da democracia. Vejamos alguns trechos:

“O presidente da República e o general Heleno não percebem que nenhuma autoridade está acima da Constituição e das leis. (Destaque nosso)

“A estabilidade econômica e social do país só é possível com democracia, o fortalecimento de suas instituições, a harmonia entre os poderes e o respeito à vida do povo brasileiro.

“Neste momento dramático da vida nacional, com crise econômica agravada pela pandemia de coronavírus ante um governo incapaz de enfrentar os gigantescos desafios, o vídeo acelera a crise institucional, pois revela nitidamente como Bolsonaro e seus ministros desprezam as instituições e o povo brasileiro.”

Se há um ponto em que podemos concordar com a nota, é que “A reunião ministerial revela o baixo nível dos integrantes do atual governo”, porém isso não é nenhuma novidade.

O Psol não só assina a nota, como em ação ao STF, pedindo investigação e afastamento de Augusto Heleno, reforça as bandeiras de defesa do Estado Democrático de Direito:

Não restam dúvidas de que o Sr. Augusto Heleno não possui qualquer apreço pelo Estado Democrático de Direito. São comportamentos reiterados e permanentes de afronta à Constituição Federal e de ameaça aos outros poderes da República – no caso concreto, ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria-Geral da República.

Quando se fala da autoridade da Constituição, de Estado Democrático de Direito etc., se fala do Estado burguês e de suas instituições. E como explicou Lenin, “o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de submissão de uma classe por outra; é a criação de uma ‘ordem’ que legalize e consolide essa submissão, amortecendo a colisão das classes” (O Estado e a Revolução).

O que essa “esquerda” está propondo é a unidade com a burguesia para salvar o Estado que oprime os trabalhadores para que eles sejam explorados. Essa “necessidade” se intensifica em um momento em que a crise mundial que atinge o Brasil é intensificada pela pandemia e o governo, que deveria tentar “conter” a situação, joga mais combustível na fogueira. A incapacidade dos governos de lidarem com o aumento diário de mortos por coronavírus, com o aumento do desemprego, de resolverem os problemas da população só irão resultar em uma explosão social ainda maior no futuro e é isso o que mais assusta aqueles que buscam formar a frente pela democracia.

Se para a revista Veja essa “mobilização é um bom sopro de esperança para o futuro da política e para a manutenção da ordem democrática”, para os trabalhadores significa a continuidade da miséria, da falta de emprego, de saúde, transporte, educação. Porém, as ilusões caem no campo das ilusões e em breve, assim como o sistema está nu, os dirigentes traidores da “esquerda” também estarão. O caminho que deve seguir a classe trabalhadora e a juventude é o caminho da organização, da luta pelo Fora Bolsonaro e por um governo dos trabalhadores.

Nota:

1 Bonapartismo e situação política no Brasil, Serge Goulart,14/11/1996.