Imagem: Osps7, Wikimedia Commons

Funeral de Shireen Abu Akleh atacado pela polícia: o sadismo de Israel e a hipocrisia imperialista

Depois de assassinar a popular jornalista palestina-americana da Al Jazeera, Shireen Abu Akleh, na semana passada, o Estado israelense não permitiu que seu corpo chegasse em paz ao seu local de descanso final. Em um ato chocante de sadismo, a polícia israelense atacou o cortejo fúnebre de Abu Akleh na sexta-feira, usando bastões e granadas de efeito moral contra os enlutados que escoltavam seu ataúde de um hospital em Jerusalém Oriental para um cemitério na cidade velha próxima.

As imagens mostram policiais retirando pessoas da multidão e arrastando-as para delegacias próximas, além de arrancar bandeiras palestinas de suas mãos. Em vários pontos, sob ataques da polícia, os carregadores do ataúde perderam o controle sobre o mesmo, quase fazendo com que ele caísse no chão em uma última indignidade à memória da jornalista assassinada.

A polícia justificou suas ações acusando a multidão de “incitação nacionalista” e de “atirar pedras”. Cabe perguntar como os carregadores do ataúde com suas mãos segurando o mesmo seriam capazes de atirar pedras!

Essas mentiras repugnantes podem ser facilmente refutadas por meio da análise de amplas evidências em vídeo. Há duas explicações reais para a brutalidade descarada da polícia, em plena luz do dia e à vista das câmeras dos noticiários.

Em primeiro lugar, o Estado israelense temia que o funeral de Abu Akleh se transformasse em um grande protesto se seu ataúde pudesse ser carregado publicamente por Jerusalém Oriental. Esta foi a mesma razão pela qual a polícia invadiu a casa de Abu Akleh logo após sua morte, removendo bandeiras palestinas e tentando impedir que sua casa se convertesse em um velório.

Eles também patrulharam as ruas antes do funeral, suprimindo qualquer indício de resistência palestina, até mesmo instruindo as mulheres a retirarem os hijabs com as cores da bandeira palestina.

Sua exigência de escoltar o ataúde por automóvel (que eles alegaram ser “de acordo com os desejos da família”) foi provavelmente uma tentativa de impedir uma manifestação pública. No final, a jornada de Abu Akleh até o cemitério foi concluída por automóvel, com a polícia continuando a arrancar bandeiras palestinas do veículo.

“Armados com câmeras”

A segunda razão é a mesma que fez um franco-atirador da IDF se tornar confiante o suficiente para matar um dos jornalistas mais populares do mundo árabe. Ou seja, Israel conta com o apoio dos países imperialistas mais poderosos, particularmente os Estados Unidos. Em consequência, acredita que pode se safar com qualquer quantidade de opressão cruel contra os palestinos.

Essa arrogância insensível foi assumida pelo porta-voz militar israelense Ran Kochav, que justificou a morte de jornalistas palestinos nas mãos dos militares israelenses porque eles estão “armados com câmeras”. Aparentemente, um equipamento projetado para documentar a verdade é uma arma mortal digna de uma resposta letal aos olhos do Estado israelense.

No entanto, as cenas de policiais armados atacando selvagemente os carregadores desarmados do féretro, negando à vítima de assassinato das IDF a dignidade de um enterro pacífico, foram chocantes mesmo para os padrões de Israel. As imagens enfureceram as pessoas comuns em todo o mundo e forçaram os apologistas mais ardentes de Israel a emitir palavras de condenação tardias e tímidas.

O deputado Blairista do Partido Trabalhista britânico, Wes Streeting, que estava em meio a uma turnê de relações públicas por Israel enquanto esses eventos estavam em andamento, criticou as ações da polícia como “terríveis e angustiantes”.

Ele foi acompanhado pelo líder trabalhista Keir Starmer, que condenou a “violência das forças israelenses” e pediu uma investigação independente sobre a morte de Abu Akleh – mesmo tendo passado meses alardeando seu apoio “incondicional” a Israel e ajudando a difamar as vozes pró-Palestina no partido. como antissemitas.

Enquanto isso, o presidente Joe Biden criticou as cenas da sexta-feira, depois de prometer na campanha primária Democrata não introduzir nenhuma condição para o apoio contínuo dos EUA a Israel. Além disso, o secretário de Estado Antony Blinken disse que o ataque ao funeral de Abu Akleh o deixou “profundamente perturbado”, enquanto o Departamento de Estado pediu uma investigação “imediata e completa” sobre o tiroteio.

Esses chavões cínicos refletem o grau de constrangimento desses ardentes “defensores dos valores democráticos” por terem a brutalidade de um de seus principais aliados revelada graficamente no cenário mundial.

Palavras vazias

Ninguém pode ter dúvidas sérias sobre o culpado pelo assassinato de Abu Akleh – apesar do Estado israelense culpar sua morte pelo “fogo indiscriminado” de pistoleiros palestinos, antes de dar marcha atrás ao afirmar que era “impossível ter certeza” de quem era culpado.

Essa ambiguidade fabricada foi auxiliada pela imprensa ocidental, que usou todos os truques semânticos existentes na literatura para minimizar a culpa de Israel.

Manchetes passivas e equívocas foram editadas pelo Guardian (“Al Jazeera acusa forças israelenses de matar jornalista na Cisjordânia”); pela Fox News (“Repórter de Al-Jazeera morre após incidente na Cisjordânia”), pela Associated Press (“Repórter de Al Jazeera morta durante a invasão israelense na Cisjordânia”) e pelo New York Times (“Jornalista de Al Jazeera é morta durante confrontos na Cisjordânia”).

Este último emitiu a mentira descarada de que a Al Jazeera havia descrito “confrontos” entre os militares israelenses e homens armados palestinos, quando na verdade a Al Jazeera não afirmou tal coisa. Eles relataram claramente (e de forma exata) que não havia atiradores palestinos presentes quando Abu Akleh foi morta, forçando o New York Times a emitir uma correção melosa.

A cobertura do funeral de Abu Akleh não foi melhor, com a Fox News apresentando a manchete: “A polícia israelense entra em confronto com os enlutados carregando o ataúde da jornalista da Al Jazeera Shireen Abu Akleh”, e o Daily Mail, na Grã-Bretanha, escreveu que seu ataúde foi “empurrado” pela polícia .

Em contraste, todos os crimes e atrocidades da Rússia na guerra da Ucrânia (reais e imaginários) foram condenados sem qualquer reserva e usados para justificar a escalada do envolvimento da OTAN no conflito, bem como para punir a Rússia com sanções econômicas.

Por exemplo, a imprensa ocidental informou de forma clara e inequívoca que o fotojornalista americano Brent Renaud foi morto por tropas russas em Irpin durante o mês de março. O Guardian publicou uma declaração do chefe de polícia da região de Kiev, acusando a Rússia de “cinicamente matar até jornalistas da mídia internacional que estão tentando mostrar a verdade sobre as atrocidades das tropas russas na Ucrânia”.

Fazemos notar que Renaud aparentemente não estava em missão e se encontrava em um veículo quando foi morto. Enquanto Abu Akleh estava ao ar livre e claramente identificada como jornalista.

O teor muito diferente dessas coberturas pode ser explicado pelo fato de que as classes dominantes ocidentais têm interesse em continuar o que agora admitem abertamente ser uma guerra por procuração com a Rússia em solo ucraniano. Como resultado, eles usam todas as oportunidades para provocar indignação em casa para justificar a guerra. Por outro lado, eles não têm interesse em sancionar Israel ou apoiar a luta da Palestina pela libertação.

Esse duplo padrão ficou ainda mais evidente no recente final do concurso de músicas Eurovision 2022. A Rússia foi excluída devido à invasão da Ucrânia, e vários atos, além da Ucrânia, apresentavam bandeiras e cores ucranianas. Mas a banda Hatari – participante da Islândia na final de 2019, sediada em Tel Aviv – foi sancionada por exibir bandeiras palestinas em um gesto de solidariedade. Este ano, Israel não enfrentou consequências apesar de ter cometido um crime de guerra enquanto a competição estava ocorrendo.

Propaganda e desinformação

A evidência de que o IDF matou Akleh é esmagadora. As tropas israelenses estavam nas proximidades no momento de sua morte; ela usava um colete à prova de balas claramente rotulado como “PRESS” (“imprensa”) e foi baleada abaixo da orelha, para evitar seu capacete de proteção, supostamente com um rifle M16 como o usado pelo exército israelense.

Ela também era uma figura bem conhecida em toda a região, razão por que é mais provável que tenha sido um assassinato seletivo e consciente. Segundo informações, o exército israelense está até mesmo em processo de interrogatório de um soldado suspeito de ser o atirador.

Mas Israel tentou turvar as águas reclamando que os palestinos se recusaram a entregar o corpo de Abu Akleh para uma autópsia, para provar se um de seus homens havia disparado o tiro. Este argumento foi repetido na imprensa ocidental para minar a credibilidade das muitas testemunhas do tiroteio.

A Autoridade Palestina, principal representante dos palestinos na Cisjordânia, onde Abu Akleh foi morta, afirmou que não confia em Israel para facilitar uma investigação imparcial.

Isso não é irracional, dada a tentativa ridícula de Israel de culpar atiradores palestinos anônimos pelo assassinato. Mesmo tendo recuado, eles estão tentando se esquivar da culpa, sugerindo que uma bala poderia ter ricocheteado do chão ou de uma parede e atingido Abu Akleh.

Recordamos que, quando o governo ucraniano fez denúncias de crimes de guerra em Bucha, durante a ocupação da cidade, os russos solicitaram uma investigação, na qual lhes seria permitido apresentar seu próprio lado da história. Isso foi recusado sob a alegação de que a Rússia não era confiável – mas não houve reexame da credibilidade das alegações nesse caso.

O escândalo do assassinato de Abu Akleh e a brutalidade em seu funeral provocaram fúria em todo o mundo, coincidindo com os protestos neste fim de semana para marcar o 74º aniversário da “Nakba” – a expulsão em massa de palestinos de suas casas em 1948.

Além dos protestos na Palestina (com o maior deles ocorrendo na Cisjordânia ocupada) e em Israel (que viu a prisão de três estudantes palestinos em Tel Aviv), houve manifestações internacionais significativas de pesar e solidariedade.

Juntamente com grandes manifestações no Oriente Médio (incluindo Síria, Turquia e Líbano), houve marchas no Ocidente, com milhares de pessoas tomando as ruas de Londres, por exemplo. Muitos na multidão carregavam fotos de Abu Akleh, exigindo justiça.

Em alguns casos, o Estado interveio para reprimir manifestações. Por exemplo, em Berlim, o governo proibiu uma vigília por Abu Akleh, juntamente com qualquer presença visível de bandeiras palestinas, alegando que elas representavam um “risco imediato” de cantos antissemitas, intimidação e violência!

Por fim, a polícia alemã deteve 170 ativistas pró-palestinos em Berlim, por crimes como gritar “Palestina livre”, carregar a bandeira palestina e usar um keffiyeh (lenço usado para cobrir a cabeça pelos homens no Oriente Médio).

Hipocrisia crua

O assassinato de Abu Akleh expõe a crua hipocrisia dos imperialistas, que estão perfeitamente felizes em ajudar, encorajar e cometer crimes de guerra quando lhes aprouver, mas levantarão o tom e lamentarão exatamente os mesmos crimes cometidos por seus adversários.

O Conselho de Segurança da ONU condenou o assassinato de Abu Akleh e pediu uma “investigação independente”, mas são palavras vazias quando os EUA têm o direito de vetar qualquer resolução deste órgão visando um de seus aliados mais próximos.

Deixado para as “instituições internacionais” como a ONU, podemos razoavelmente supor que este caso será encerrado antes que uma investigação inútil produza um resultado “inconclusivo”. Isso é o que se passa por “justiça” com base no imperialismo capitalista.

A justiça para Abu Akleh e para a Palestina como um todo nunca será concedida com base no “direito internacional”. E nem lágrimas de crocodilo nem palavras indiferentes de simpatia são um bálsamo para o sofrimento do povo palestino, vindo dos mesmos governos e instituições que financiaram e armaram seus algozes por décadas.

Somente uma luta revolucionária, unindo trabalhadores, jovens e pobres de toda a região, pode finalmente libertar o povo palestino dos grilhões da ocupação e da opressão.

É dever da classe trabalhadora e de suas organizações em todo o mundo mostrar solidariedade com esta luta pela liberdade e uma existência digna, que só pode ser garantida para as gerações futuras na forma de uma Federação Socialista do Oriente Médio e Norte da África.

Travar essa luta é a melhor maneira de homenagear Abu Akleh e todos os mártires da Palestina.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM