Ao suspender Jeremy Corbyn, a ala direita do Partido Trabalhista lançou o desafio. Uma completa caça às bruxas está em andamento – para purgar a esquerda e fazer um partido confiável para os grandes negócios. A esquerda deve se mobilizar e lutar com coragem.
A suspensão de Jeremy Corbyn é uma declaração de guerra.
Na realidade, a direita do partido vem lutando impiedosamente contra a esquerda há anos. Nesse tempo, os blairistas1 e burocratas fizeram várias declarações de guerra. Seu objetivo é nada menos do que uma liquidação total da ala esquerda do partido.
Não devemos permitir isso. Devemos reagir imediatamente, mobilizando as centenas de milhares de membros de esquerda do Partido Trabalhista que estão chocados e horrorizados com este ataque descarado.
Devemos mostrar à direita que eles calcularam mal. Isso significa revidar imediatamente.
Interferência
Keir Starmer2 rapidamente explorou o relatório da Comissão para a Igualdade e Direitos Humanos (EHRC) sobre o suposto antissemitismo dentro do Partido Trabalhista.
Os eventos de hoje são uma reminiscência assustadora de junho de 2016, quando os parlamentares de direita exploraram o resultado do referendo Brexit para lançar um infame – e altamente orquestrado – golpe baixo, chamado de “chicken coup” (golpe das galinhas) contra Corbyn.
E, no entanto, apesar do que a grande mídia nos diz, o relatório da EHRC não diz nada para dar respaldo às alegações de que o Partido Trabalhista é institucionalmente antissemita. Na verdade, o documento observa que o partido melhorou o tratamento desses casos sob a liderança de Corbyn.
A única constatação substancial contra o partido é, ironicamente, um produto da campanha implacável contra a esquerda, através de sua ala direita. Os únicos casos de interferência política nas queixas relativas a antissemitismo, conclui o relatório, foram quando o escritório de Corbyn interveio para pressionar por punições mais fortes contra os supostos causadores de antissemitismo no partido!
O relatório conclui que isso continua sendo injusto e prejudicial ao povo judeu, porque cria uma atmosfera e um precedente de interferência política relativos a abusos antissemitas.
Muito claramente, o acirramento desta questão pela direita é o único caso real de “interferência política”, e foi precisamente planejada como tal. Ao criar uma histeria dentro do partido e da mídia, a direita pretendia prejudicar toda e qualquer investigação, em detrimento de Corbyn e da esquerda.
Vou contestar veementemente a intervenção política para me suspender. Deixei absolutamente claro que aqueles que negam que existe um problema de antissemitismo no Partido Trabalhista estão errados.
Também é inegável que uma falsa impressão foi criada sobre o número de membros acusados de antissemitismo, como mostram as pesquisas: isso é o que foi exagerado, não a gravidade do problema.
Vou continuar a apoiar uma política de tolerância zero em relação a todas as formas de racismo. E exorto todos os membros a manterem a calma e o foco – enquanto este problema é resolvido amigavelmente, como acredito que será – para derrotar este governo terrível, que está empobrecendo ainda mais os mais pobres de nossa sociedade.
Campanha de difamação
Os líderes blairistas dessa campanha difamatória não fizeram mais nada além de se cobrir de vergonha nos últimos cinco anos.
Se a direita do partido estivesse remotamente preocupada com o efeito da interferência política com relação aos judeus, não teriam passado cinco anos manipulando e exagerando o antissemitismo para seus próprios e cínicos fins políticos.
Na verdade, o relatório destaca que, quando Corbyn obteve o controle da direção do partido (o que não aconteceu até 2018), o tratamento dos casos de antissemitismo realmente melhorou. Ao mesmo tempo, a investigação EHRC também observa que a promoção interminável desta questão tem sido prejudicial à capacidade do partido de examinar casos de racismo contra membros de outras minorias étnicas.
Sabotagem
Também é escandaloso falar de interferência política em alegações de antissemitismo à luz do relatório vazado. Isso demonstrou a conspiração revoltante da burocracia do partido para minar e, propositalmente, avançar acusações de antissemitismo, para que parecesse que a liderança de Corbyn não estava levando o assunto a sério.
Esse relatório foi ignorado por Starmer. Enquanto isso, o relatório da EHRC muito menos condenatório foi imediatamente aproveitado para afastar a ala esquerda do partido.
Se Starmer mostrasse pelo menos um mínimo de determinação ao lutar contra os conservadores e em sua abordagem incompetente “do lucro em primeiro lugar” ante a pandemia, não teríamos que contar com um jogador de futebol para liderar a oposição contra este governo caótico.
Agentes dos grandes negócios
Toda a experiência dos últimos cinco anos revelou claramente que a direita e a burocracia do Partido Trabalhista nada mais são do que a intervenção organizada da classe dominante dentro do que deveria ser o partido da classe trabalhadora.
Esses agentes de grandes negócios foram obstinados, determinados e rancorosos ao extremo. Isso porque representam o establishment e sabem que podem contar com a mídia capitalista e todas as outras instituições burguesas para apoiá-los. Eles são altamente organizados e bem financiados.
Mas o que lhes falta é apoio genuíno de massa. Eles não têm argumentos, nem líderes inspiradores, nem políticas populares – porque representam o status quo. Daí a “oposição” incrivelmente morna de Starmer a Johnson em meio à maior crise de que se há memória.
Starmer não tem nada a dizer. Ele sabe que, se falasse a verdade, apenas repeliria as pessoas. É por isso que mentiu descaradamente durante a eleição da liderança. Ele sabe que não pode dizer “vote em mim e prometo não mudar nada, porque eu realmente represento os banqueiros”.
É por esta razão que, durante todos esses anos, a direita se escondeu atrás de reivindicações de antissemitismo. Eles não podem enfrentar a esquerda aberta e honestamente. Sem nenhum argumento ou apoio real, eles criaram, a partir da política de identidade, um monstro tipo Frankenstein.
Na atmosfera que eles se esforçaram para criar, qualquer acusação de antissemitismo deve ser tratada como automaticamente correta. As recomendações do relatório da EHRC significam que qualquer pessoa pode fazer uma alegação falsa de racismo, e o acusado não pode se defender com base no fato de que a própria alegação é maligna.
Tal situação está feita sob medida para uma tendência política que não tem argumentos e cujas políticas representam apenas o desacreditado status quo.
Caça às bruxas
A direita tentará, agora, avançar, perseguindo toda a ala esquerda do partido. A Campanha Contra o Antissemitismo – uma organização de direita determinada a destruir a esquerda – já apresentou queixas contra 15 parlamentares de esquerda. Se a expulsão tiver êxito, isso decapitaria a ala esquerda do partido.
Funcionários do partido foram instruídos a vasculhar as redes sociais em busca de declarações criticando o relatório da EHRC, para que também possam ser sumariamente expulsos.
O staff do Partido Trabalhista está sendo encorajado a vasculhar as redes sociais para encontrar membros que questionem o relatório da EHRC. Muitas, muitas mais suspensões poderiam se seguir à de Jeremy Corbyn.
Devemos dizer a verdade. Isso nada mais é do que uma caça às bruxas contra a esquerda. E a direita não vai parar por nada. Este é o início de seu “Casamento Vermelho” – uma tentativa de banhar em sangue o movimento Corbyn, para expulsar a esquerda e, mais uma vez, tornar o partido uma quinta roda para a classe dominante.
Os apelos por “unidade” são inúteis. Os eventos de hoje mostraram como este termo é sem sentido e vazio. Esta é uma guerra civil entre dois exércitos opostos. Precisamos travar uma luta implacável. Mas isso só pode ser feito mantendo-se firme e falando abertamente. Nós não seremos silenciados!
À luta
Já é hora da esquerda do Partido Trabalhista aprender uma lição amarga. Estamos em guerra e nosso inimigo é implacável. Mas nosso inimigo também é pequeno em número, impopular e foi derrotado repetidas vezes nos últimos anos.
Tal como aconteceu com o “chicken coup” em 2016, a esquerda sempre venceu suas batalhas com base na mobilização de massa, na organização de base e na luta política ousada. São esses mesmos métodos militantes que devem ser empregados novamente para defender o movimento Corbyn e lutar pelo socialismo.
A batalha não está perdida. Não é tarde demais. Corbyn e toda a esquerda do partido devem mobilizar uma campanha de massa imediata contra esses ataques. Nosso modelo de movimento deve ser transmitido para todo o país.
Devemos mostrar que a vasta maioria dos membros do partido quer Starmer – não Corbyn – fora. “Sir” Starmer já traiu as promessas que fez. E agora ele está abusando de seu cargo para remover, de forma não democrática, o ex-líder do partido que a maioria dos membros ainda procura.
A luta em defesa de Corbyn deve estar ligada à luta contínua por uma democracia partidária genuína – mais crucialmente ainda, ao direito democrático dos membros comuns de exigir que seus representantes prestem contas por meio da reeleição obrigatória.
Esses sabotadores e carreiristas do Partido Trabalhista Parlamentar (PLP, na sigla em ingês) abusaram de seus membros muitas vezes. São eles que devem ser removidos e substituídos por lutadores de classe genuínos, que irão liderar o ataque por políticas socialistas claras.
Camaradas! A fraqueza convida à agressão. Vamos combater fogo com fogo!
Notas:
1 Tony Blair é um político britânico, que foi primeiro-ministro do Reino Unido de 1997 a 2007, e foi líder do Partido Trabalhista, representando a ala direita, de 1994 a 2007 e membro do Parlamento Britânico de 1983 a 2007.
2 Keir Rodney Starmer assumiu a liderança do Partido Trabalhista após a renúncia de Corbyn.
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM