Grã-Bretanha: Conferência nacional de Socialist Appeal celebra tempos revolucionários

Uma década desde o início da Grande Recessão e a sociedade britânica está passando por uma série de crises: econômica, política e social. O status quo se rompeu, o solo político do centro veio abaixo, polarização política e radicalização estão ocorrendo em todos os lugares.

A Grã-Bretanha, que já foi um dos mais estáveis países da Europa, tornou-se uma incrível fonte de instabilidade e volatilidade. Do referendo escocês de independência à votação do Brexit e ao surgimento do movimento Corbyn, o Reino Unido experimentou um terremoto político depois de outro.

Foi nesse contexto que os marxistas da Grã-Bretanha se reuniram para a conferência nacional de apoiadores e ativistas da Socialist Appeal.

Durante o final de semana de 16 a 18 de março, cerca de 140 trabalhadores e estudantes se encontraram em Londres para discutir a situação política global e na Grã-Bretanha, bem como as tarefas urgentes que se requerem para se preparar para os acontecimentos revolucionários que se avizinham.

O ânimo na conferência foi de otimismo e entusiasmo. Isso se refletiu na impressionante coleta financeira durante a conferência, que arrecadou um recorde de £ 16 mil para o fundo de luta da Socialist Appeal.

Esse sentimento de otimismo contrasta com o de desgraça e escuridão do establishment capitalista e seus defensores, que não conseguem ver nenhuma saída para a crise. Ao contrário dos cínicos e dos céticos, os marxistas estão cheios de esperança e energia revolucionárias – inspirados pelos movimentos de massas que estão surgindo na Grã-Bretanha e internacionalmente.

Uma década de crise

Alan Woods, editor de In Defence of Marxism, abriu a conferência na noite da sexta-feira com uma análise da situação mundial.

Nunca houve tanto para discutir, observou Alan. Para onde se olha, há crise e radicalização ocorrendo. Por essa razão, Alan concentrou-se em fornecer uma visão geral do precário quadro econômico global.

Alan explicou as causas do crash financeiro de 2008, enfatizando que nenhuma dessas contradições fundamentais foram resolvidas. Em vez disso, com Trump agindo como um elefante numa loja de porcelanas, declarando uma guerra comercial contra o restante do mundo, há um risco muito real de que a economia mundial em breve mergulhe em uma nova – e mais profunda – recessão.

Alan comentou sobre as crescentes tensões econômicas que estavam se espalhando nas relações mundiais – particularmente, as relações entre os EUA e a China. Ao mesmo tempo, o voto pelo Brexit e a crise no Oriente Médio criaram ainda mais pontos de incêndio que ameaçam a estabilidade de todo o sistema.

Acima de tudo, Alan assinalou que é na mudança na consciência que nós, como marxistas, estamos interessados. Esta acentuada mudança se demonstra na ascensão de Corbyn e Sanders, nos acontecimentos políticos combativos na Catalunha (e agora também no restante da Espanha), e pelas recentes eleições na Itália e na Alemanha.

Foram apresentadas contribuições sobre esses exemplos, com alguns camaradas proporcionando análises mais profundas dos acontecimentos na China, Europa, Irã e África do Sul.

Acima de tudo, como vários camaradas observaram, é importante entender que estes não são eventos isolados ou acidentais. Pelo contrário, são todos reflexos do mesmo processo geral: uma ruptura da velha ordem, com as massas buscando uma alternativa.

Terremotos políticos

Essa discussão sobre perspectivas mundiais proporcionou um contexto essencial para se entender os acontecimentos na Grã-Bretanha.

Rob Sewell, editor da Socialist Appeal, introduziu a discussão sobre a situação política na Grã-Bretanha na manhã do sábado.

Rob falou apaixonadamente sobre o quadro devastador que os trabalhadores e a juventude do Reino Unido enfrentam depois de oito anos de austeridade imposta pelo Partido Conservador. Além disso, explicou Rob, existem as cicatrizes de décadas de desindustrialização, privatização e ataques à classe trabalhadora.

No entanto, agora o país está no ponto de ruptura, como o refletem os terremotos políticos que sacudiram a sociedade durante os últimos anos.

Acima de tudo, a votação do Brexit colocou o Reino Unido no olho do furacão. Toda a confiança do establishment britânico foi abalada e transformada em seu oposto. Os conservadores, um time titular tradicional do capitalismo britânico, estão em guerra entre si, com figuras como Jacob Rees-Mogg e Boris Johnson preparados para conduzir o país por cima do penhasco.

“Como Lenin e Trotsky explicaram”, afirmou Rob, “as revoluções sempre começam com divisões no topo”.

Está claro que a classe dominante perdeu o controle de seus representantes políticos – não só em termos do Partido Conservador, como também dentro do Partido Trabalhista, já que os blairistas se encontram na defensiva.

Na sequência de uma série de escândalos e crises, Theresa May está pendendo por um fio. Seu governo pode cair a qualquer momento, sublinhou Rob, com o “inelegível” Corbyn chegando ao poder.

No entanto, enfatizou, um governo trabalhista de Corbyn iria se encontrar sob ataque desde o primeiro dia. Sabotagem econômica e traição blairista estariam na ordem do dia.

Em desespero, a classe dominante pode tentar manter o controle através de um governo de unidade nacional. Mas isso somente serviria para radicalizar ainda mais o movimento à esquerda, colocando o socialismo de volta na agenda. Sob essas condições, explicou Rob, as ideias do marxismo podem se tornar um ponto de encontro para milhares de trabalhadores e jovens.

Vários camaradas falaram na discussão subsequente, desenvolvendo vários pontos-chave. Alguns membros da União Britânica de Universidades e Colégios (UCU), por exemplo, destacaram a combativa ação grevista dos professores e acadêmicos durante o mês passado.

Em outro momento, vários trabalhadores jovens falaram sobre as horríveis condições que enfrentam nos locais de trabalho modernos (tais como NHS, Amazon e McDonald’s). Essas condições precárias e de exploração, observaram os camaradas, estão contribuindo para a elevação de um sentimento de raiva intensa e de radicalização entre os jovens.

Muitos camaradas analisaram a posição do Partido Trabalhista sobre questões importantes como o Brexit e a economia, discutindo como apenas um ousado programa socialista pode proporcionar uma alternativa genuína para a classe trabalhadora. A tarefa dos marxistas na Grã-Bretanha é construir uma força capaz de mostrar o caminho a seguir nesse sentido.

Construindo as forças do marxismo

O sábado terminou com uma breve intervenção de Niklas Albin Svensson, da Corrente Marxista Internacional (CMI), sobre os êxitos dos marxistas em termos internacionais. Do Canadá ao Paquistão, a CMI está vendo um forte crescimento do interesse pelas ideias do marxismo por todo o globo.

Essa foi a base apropriada para as discussões do domingo sobre como construir as forças do marxismo na Grã-Bretanha.

Ben Gliniecki, ativista da Socialist Appeal e organizador nacional da Federação dos Estudantes Marxistas (MSF), introduziu a sessão com uma visão geral dos trabalhos e das atividades com os quais os apoiadores da Socialist Appeal se viram envolvidos durante o ano passado.

Em todos os aspectos, a tendência é de subida. A MSF esteve presente em 32 universidades nos encontros de calouros deste ano. Três apoiadores da Socialist Appeal e ativistas da MSF foram eleitos como delegados à próxima conferência da União Nacional de Estudantes. E os camaradas estudantes demonstraram, de forma consistente e entusiasmada, solidariedade e apoio nos piquetes em todo o país durante as recentes greves da UCU.

Em outro momento, camaradas no movimento dos trabalhadores tomaram a iniciativa de lançar a campanha Labour4Clause4 (Trabalhistas pela Cláusula 4), que chegou às manchetes com seus apelos para que o Partido Trabalhista restabeleça seu compromisso com a nacionalização e a propriedade comum. Isso proporciona evidência clara do apetite por políticas socialistas que existe entre a classe trabalhadora.

James Kilby, organizador nacional do jornal Socialist Appeal, falou sobre o êxito do periódico quinzenal, que aumentou as vendas em todas as áreas do país. Com os acontecimentos se movendo em ritmo cada vez mais rápido, existe a necessidade de um jornal com frequência maior. Afinal, ninguém da imprensa dominante – bilionária – vai dar voz à luta dos trabalhadores e da juventude.

Vários camaradas falaram sobre as atividades em que se envolveram grupos de apoiadores locais da Socialist Appeal durante os últimos 12 meses. De greves e campanhas a grupos de leitura e de ocupações: foi um ano extraordinariamente intenso, refletindo os tempos extraordinários em que estamos vivendo.

Tempos revolucionários

Alan Woods fechou a conferência observando que estamos em ano de aniversários. O ano de 2017 marcou o centenário da Revolução Russa – maior acontecimento da história humana. Este ano, por sua vez, é o 50o aniversário dos acontecimentos revolucionários de 1968, em particular o inspirador movimento de massas dos trabalhadores e estudantes na França.

Ainda mais importante, este ano (5 de maio) celebraremos o 200o aniversário de nascimento do fundador de nosso movimento: Karl Marx. Há pouco mais de 1 mês, Alan também observou, vimos o 170o aniversário da publicação de “O Manifesto Comunista”, escrito no início de 1848 por Marx e Engels.

No entanto, apesar do tempo transcorrido, as ideias do marxismo nunca foram tão relevantes, afirmou Alan. “Há uma obsessão nos dias atuais com ‘novas ideias’”, brincou Alan, “mas uma ideia não é correta só porque é nova”. Na verdade, as universidades hoje em dia, lamentou Alan, estão cheias de todo tipo de ideias estranhas e rocambolescas que não desempenham qualquer papel positivo para o movimento.

Com acontecimentos turbulentos sacudindo violentamente a consciência das massas, as ideias revolucionárias do marxismo estão ganhando cada vez mais eco entre os trabalhadores e jovens. É nossa tarefa, nas palavras de Marx, transformar essas ideias em uma força material capaz de mudar a sociedade e emancipar a humanidade.

Essa é a tarefa que Socialist Appeal e a Corrente Marxista Internacional estão lutando para realizar. Encorajamos e convidamos nossos leitores a se juntarem a nós nessa luta.

Texto originalmente publicado em 19 de março de 2018 em Socialist Appeal, site da seção britânica da Corrente Marxista Internacional (CMI), com o título “Socialist Appeal national conference: celebrating revolutionary times“.

Tradução de Fabiano Leite