Uma nova e preocupante cepa do coronavírus emergiu da segunda onda de pesadelo na Índia, que alguns cientistas temem que possa desencadear outra onda na Grã-Bretanha (onde ganhou um ponto de apoio), e atrasar a luta global contra a pandemia. Esta cepa “duplo mutante”, que parece ser mais transmissível do que as iterações anteriores do vírus, está se espalhando globalmente. O infeliz governo conservador na Grã-Bretanha está cometendo os mesmos erros que provocaram a catastrófica onda de infecções no inverno passado.
Isso não só aumenta a perspectiva sombria de uma nova onda de infecções, mortes e hospitalizações na Grã-Bretanha, mas também de viajantes britânicos espalhando a nova variante pelo mundo, assim como a variante Kent no verão passado, que efetivamente provocou a segunda onda mortal na Europa e causou um pico de infecções nos EUA.
Em sua corrida imprudente para fazer com que os lucros fluam novamente, os conservadores estão seguindo o velho ditado: “aqueles que esquecem a história estão condenados a repeti-la”.
“Espere para ver”
A combinação de um bloqueio rígido desde o Natal e uma rápida campanha de vacinação reduziu a disseminação desenfreada do vírus na Grã-Bretanha a níveis administráveis em maio. O governo estava relatando sete mortes de Covid por dia no fim de semana de 15 a 16 de maio, em comparação com 1.000 ou mais no inverno e na primavera.
Com as restrições começando a diminuir, o governo declarou com segurança que estava no caminho certo para continuar com seu “roteiro para a liberdade”, sendo o último marco o retorno da mixagem interna na segunda-feira, 17 de maio, com restaurantes, bares e cinemas permitindo que os clientes entrem em suas instalações pela 1ª vez em meses.
Mas então uma onda de infecções em Bolton e Blackburn, e áreas vizinhas, pareceu afetar os planos dos governos. Os casos de Covid-19 mais uma vez começaram a aumentar a uma taxa exponencial, subindo 75% entre 13 e 17 de maio.
Isso foi atribuído à variante B.1.617.2, importada da Índia, que contribuiu para um aumento mortal de infecções que atingiu um recorde mundial de 350.000 novos casos confirmados na Índia em 17 de maio.
O governo só colocou a Índia em sua “lista vermelha” de países, para os quais as viagens são proibidas, em 23 de abril. Isso foi semanas depois que uma variante relacionada à variante B.1.617.2 foi colocada sob investigação em 1º de abril, o que significa que os conservadores ignoraram o risco de uma cepa desconhecida chegar à Grã-Bretanha.
Com base nos números do noroeste da Inglaterra, os cientistas afirmaram que era inevitável que a variante indiana se tornasse dominante sobre a cepa Kent na Grã-Bretanha em questão de semanas.
O primeiro-ministro Boris Johnson está agora sob pressão de vários lados, com críticos na imprensa, na oposição e em seu próprio partido argumentando que a Índia deveria ter sido colocada na lista vermelha mais cedo. Entre as vozes divergentes estava a do malicioso ex-conselheiro político de Johnson, Dominic Cummings, que mostrou um evidente prazer em criticar a “piada da política de fronteira” de Johnson.
Em resposta ao novo risco, os governos delegados do País de Gales e da Escócia tomaram medidas adicionais, com o primeiro-ministro galês, Mark Drakeford, anunciando que as restrições de distanciamento social de dois metros permaneceriam em vigor, e Nicola Sturgeon na Escócia mantendo restrições extras em Glasgow e Moray.
Uma seção de parlamentares conservadores (apoiados pela ala mais séria e cautelosa da burguesia) agora está pedindo um adiamento para o fim das restrições na Inglaterra. Outros, particularmente o influente Covid Recovery Group (CRG), um grupo libertário de direita e anti-lockdown, estão exigindo que Johnson mantenha o curso.
Estes últimos refletem a pressão das grandes empresas, que afirmam que não deve haver mais demora para reabrir a economia.
A resposta final de Johnson foi tipicamente contraditória. Ele anunciou que o levantamento das restrições de bloqueio do coronavírus em toda a Inglaterra poderia enfrentar “sérias perturbações” e alertou o público para “pensar duas vezes” sobre a utilização de suas novas liberdades.
No entanto, ele finalmente caiu do lado do CRG e dos grandes negócios, confirmando em uma entrevista coletiva no sábado, 15 de maio, que o relaxamento agendado das medidas de bloqueio ocorreria na segunda-feira conforme planejado, apesar de um comentário vago de que a nova variante “poderia tornar mais difícil” prosseguir com o desbloqueio total final em 21 de junho.
Johnson prometeu uma aceleração do esforço nacional de vacinação, que agora foi estendido para menores de 34 anos, além de inoculações e testes nas áreas mais afetadas.
Nadhim Zahawi, ministro das vacinas, disse que não esperava que a variante afetasse o roteiro de desbloqueio do governo, mas prometeu “flexibilizar” os planos para a campanha de vacinação, incluindo a aceleração das segundas doses para as pessoas mais velhas, a inoculação de pessoas mais jovens e priorizando famílias intergeracionais
“A verdade é que não podemos dizer com certeza”, concluiu Johnson no sábado. “A situação é muito diferente da do ano passado, estamos no meio de um incrível lançamento da vacina … Só temos que esperar para ver … Não descartamos nada”.
Esta frase, “espere para ver”, e a confiança cega apenas no programa de vacinas, tipificam toda a resposta dos Conservadores a esta nova ameaça. Para dizer o mínimo, esta é uma aposta gigantesca, com milhares de vidas em jogo.
Pico de casos
Na quarta-feira, 19 de maio, o número de casos confirmados de B.1.617.2 no Reino Unido subiu para 2.967, um aumento de 28% em apenas dois dias. O número real é bem maior, pois sempre há demora na detecção de novos casos.
Paul Hunter, professor de medicina na University of East Anglia, alertou que a variante B.1.617.2 provavelmente já está presente em todas as regiões do Reino Unido.
“Acho que a grande questão é quantas [das] pessoas que estão se infectando com a variante indiana acabarão necessitando de hospitalização”, disse ele à BBC. “Se a variante indiana da epidemia continuar a aumentar na mesma taxa das últimas semanas, teremos um grande número de casos até junho”.
No momento, há dados limitados sobre o quanto é transmissível a variante indiana, com estimativas atuais variando de 10% a cerca de 50% mais transmissível. A diferença entre esses cenários não é cumulativa, no entanto. Uma diferença de 10% na transmissibilidade de qualquer maneira resultaria em enormes diferenças em termos de hospitalizações.
O Grupo de Aconselhamento Científico para Emergências (SAGE, em suas siglas inglesas) estimou que mais pessoas poderiam ser hospitalizadas do que na primeira onda – colocando o NHS em risco de ser inundado – se a variante for 30% mais transmissível.
Enquanto isso, os modelos da Universidade de Warwick sugerem que, com 40% a mais de transmissão, as hospitalizações podem chegar a 6.000 por dia, bem acima do pico da segunda onda. Com 50% ou mais, a Grã-Bretanha enfrentaria 10.000 hospitalizações por dia no pico de uma nova onda.
A chance de salvar milhares de vidas já pode ter sido perdida. A SAGE descobriu que o cancelamento da flexibilização das restrições na segunda-feira, 17 de maio, teria reduzido drasticamente o número de hospitalizações, talvez para um pico de 300 por dia.
Alguns cientistas apontam para um abrandamento relativamente rápido do pico de infecção na Índia (que, no entanto, ainda é muito alto), para sugerir que a variante não é tão transmissível quanto se temia. Eles sustentam que a alta taxa de infecção tem a ver com o “efeito fundador”, quando as pessoas infectadas passam o vírus para lares grandes e multigeracionais.
No entanto, os números oficiais de casos na Índia são notoriamente duvidosos, considerando a evidência absoluta de corpos empilhados em sepulturas improvisadas, enquanto os enfermos obstruem as camas de hospital. E a velocidade com que esta variante está superando outras cepas sugere uma vertente de crescimento significativa.
Uma característica do novo pico na Grã-Bretanha é que afeta principalmente os jovens, muitos dos quais ainda não foram vacinados.
O aumento de casos no noroeste parece ter sido impulsionado por crianças em idade escolar que contraíram o vírus em grandes números, com testes positivos entre crianças com menos de 14 anos em Bolton triplicando em uma semana, uma consequência da corrida dos conservadores para reabrir escolas.
A maioria das novas hospitalizações é de pessoas na casa dos 30 anos. Em contraste, entre os residentes de Bolton com idades entre 60 e 64 anos, não houve novos casos e, embora tenham ocorrido pequenos saltos nas faixas etárias entre 65 e 79, os casos acima dos 80 diminuíram.
Por um lado, isso sugere que as vacinas estão fornecendo proteção contra doenças graves. Também não significa necessariamente que pessoas mais jovens sejam mais suscetíveis a essa variante, simplesmente que são mais propensas a se misturar em público e entrar em contato com o vírus.
No entanto, a rápida propagação desta cepa mais transmissível entre os jovens significa que a pura lei dos números resultará em um grande número de pessoas gravemente doentes, o que, por sua vez, se continuar, exercerá forte pressão sobre o serviço de saúde.
E, embora um aumento repentino nas vacinas seja bem-vindo, leva pelo menos duas semanas para que as pessoas adquiram imunidade após serem injetadas, período em que a variante terá se espalhado amplamente por todo o país.
Portanto, o governo deveria combinar um ritmo maior de vacinação com uma desaceleração ou pausa temporária no desbloqueio do país, até que seja possível comprovar por meio de testes que essa nova variante está sob controle.
Se as coisas correrem segundo foram planejadas, e com os conservadores relutantes em mudar o curso de suas ações, a SAGE avisa sobre um “ressurgimento substancial de hospitalizações (semelhante a, ou maior do que, picos anteriores)”. Em outras palavras, essa pandemia corre o risco de se tornar um pesadelo recorrente.
Déjà vu
Os britânicos comuns que ouvirem tudo isso ficarão com uma sensação nauseante de déjà vu. Assim como no verão passado, este governo conservador fraco e em crise está vindo com declarações confusas e contraditórias, e se recusando a agir antes que uma calamidade já esteja em andamento: quando já é tarde demais.
Por exemplo, apesar de pedir “cautela” sobre o planejamento de férias no exterior neste verão, 170 países estão atualmente na lista “âmbar” do governo, para a qual viajar é legal.
Embora o secretário de Saúde Matt Hancock afirmasse que as pessoas só deveriam viajar para esses países por motivos excepcionais, outros ministros sugeriram que os britânicos podem ir ao exterior para “visitar amigos”.
A nova variante já foi detectada em todo o mundo, não apenas nos vizinhos da Índia, Paquistão e Nepal, mas em lugares tão distantes como os EUA e a Alemanha.
Liberar turistas britânicos pelo mundo depois de 21 de junho, quando nem todos terão sido vacinados, é uma receita pronta e acabada para exportar internacionalmente a variante indiana – assim como ocorreu com a variante Kent no verão passado.
E na quarta-feira, 12 de maio, Johnson alertou sobre “uma grande probabilidade de um aumento repentino neste inverno”, envolvendo “um sofrimento ainda maior” do que no ano passado. Apenas dois dias antes, ele havia afirmado que o país iria voltar “perto do normal” no próximo mês!
Os conservadores admitem abertamente que estão prevendo um desastre no horizonte, e sua resposta é fechar os olhos, cruzar os dedos e esperar as consequências.
Em uma entrevista muito reveladora no Canal 4 após a entrevista coletiva de Johnson no sábado, 15 de maio, a Dra. Deepti Gurdasani, epidemiologista da Queen Mary University em Londres, mal conseguiu conter sua exasperação:
“Estou completamente perplexa com a resposta do primeiro-ministro hoje. Eles [o governo] reconhecem claramente que esta variante é mais transmissível do que a variante Kent … Disseram-nos que isso é muito preocupante, mas, ao mesmo tempo, o governo não parece estar fazendo muito para mantê-lo sob controle.
“Não consigo entender: se essa variante é tão preocupante, por que adotamos uma abordagem de esperar para ver? Por que estamos fazendo uma aposta tão grande com a vida das pessoas? Quando sabemos que isso pode ter consequências desastrosas … por que esperar que isso aconteça e então, por exemplo, ter longos bloqueios no futuro? Por que não agir cedo e prevenir a propagação?
“Precisamos saber mais, mas a abordagem não deve ser ‘vamos em frente e sem isolamento enquanto descobrimos’. A abordagem deve ser: ‘vamos com cautela e prevenir os danos tanto quanto possível’”.
Na verdade, os representantes políticos degenerados, incompetentes e egoístas da classe dominante britânica nunca abandonaram a estratégia de fevereiro de 2020 de imunidade de rebanho, de “deixar os corpos empilharem”.
Os interesses de curto prazo dos capitalistas, como sempre, têm prioridade em vez de conter a pandemia, salvar vidas e evitar catástrofes no longo prazo.
A consequência é que o público não tem em que acreditar nem sabem o que fazer. Não é nenhuma surpresa que as autoridades locais em Bolton, assim como as pessoas comuns, se opuseram ao bloqueio local, argumentando que essas medidas “não funcionam”.
Na verdade, os bloqueios funcionam se aplicados corretamente, combinados com outras medidas de contenção e vacinação, como de fato vimos nos últimos dois meses na Grã-Bretanha.
O que não funciona é a abordagem aleatória que os conservadores têm aplicado nacionalmente, sem o apoio adequado para trabalhadores, prefeituras e pequenas empresas, em sua tentativa desesperada de equilibrar os interesses das grandes empresas com o combate à pandemia.
As pessoas comuns já sofreram imensamente com esta crise de saúde pública, que matou mais de 3 milhões de pessoas em todo o mundo e tirou de milhões de pessoas seus meios de subsistência, sua segurança e sua liberdade pessoal.
Nada disso precisava acontecer, conforme confirmado por um relatório contundente da OMS sobre o papel das falhas do governo no agravamento da pandemia. E isso não precisa acontecer novamente.
Sob uma economia socialista planejada, administrada pela classe trabalhadora com os interesses da maioria como sua máxima orientadora, as decisões absurdas e perigosas do governo britânico estariam fora de questão.
A variante indiana é em si uma consequência da recusa do primeiro-ministro reacionário da Índia, Narendra Modi, de levar o vírus a sério, e do nacionalismo vacinal dos países ricos que privam a Índia de doses, um grande número das quais são realmente fabricadas na Índia!
Tudo isso ressalta a necessidade de mobilização para o fim deste sistema capitalista podre, que está arrastando a pandemia em nome do lucro e do interesse nacional míope.
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM