Os Blairistas estavam em plena retirada em Liverpool nesta semana. Em contraste, a confiança do movimento Corbyn se exibia nas moções aprovadas e nos discursos militantes dos parlamentares de esquerda.
Depois de um Verão de ataques e abusos pelo lado dos Blairistas, a conferência Trabalhista deste ano foi uma oportunidade para o movimento Corbyn de lembrar à direita Trabalhista quem está realmente no comando agora.
E foi exatamente isso que fizeram, tanto com as políticas aprovadas na conferência quanto com alguns notáveis comentários de Jeremy Corbyn e John McDonnell, que enfatizaram o rompimento do partido com o Blairismo.
McDonnell, por exemplo, endossou a redação original da Cláusula IV – uma cláusula que foi removida em 1995 para inaugurar a era do Novo Trabalhismo, mas que está sendo levantada novamente no movimento trabalhista, à medida em que os trabalhadores rejeitam o desastre da privatização e os fracassos da economia de mercado.
Enquanto isso, Corbyn utilizou o seu discurso para atacar os banqueiros e financistas que “foram elogiados durante uma geração”, mas que haviam levado a economia “a se esborrachar na terra, com consequências devastadoras” há uma década, com a crise financeira de 2008.
“Mas em vez de fazer as mudanças essenciais em um sistema econômico desfeito”, assinalou o líder trabalhista, “o establishment político e corporativo pressionou como pôde para salvar e sustentar o sistema que levou ao colapso”.
Este foi um golpe claro nos Blairistas e na sua adesão servil à City de Londres e aos interesses do capitalismo; um agudo lembrete de que o Trabalhismo não é mais um partido das grandes empresas, mas um partido “para a maioria, e não para os poucos”.
Desmoralizado e derrotado
Corbyn também utilizou o seu discurso para oferecer um ramo de oliveira aos seus oponentes, prometendo “traçar uma linha sob… a discussão sobre antissemitismo”, e assegurando que o Partido Trabalhista está agora “unido e pronto para governar”.
Porém, na realidade, essas observações conciliatórias aos seus críticos foram as palavras de um homem que sabe que está agora firmemente no comando.
De fato, os Blairistas se fizeram notar por sua ausência na conferência deste ano. De forma refrescante, o tom não estava mais sendo estabelecido pela mídia do establishment ou por parlamentares carreiristas, mas pela esquerda. E, no plenário da conferência, os delegados votaram em uma série de questões para colocar os últimos pregos no ataúde do projeto do Novo Trabalhismo.
Depois de ter passado os últimos anos atirando todo tipo de lama em Jeremy Corbyn, a direita Trabalhista está percebendo lentamente que o jogo acabou. A conferência deste ano, sem dúvida, deixou até mesmo o mais fogoso dos bandidos Blairistas com um sentimento de desmoralização e derrota.
Como Laura Kunnsberg da BBC (uma crítica de Corbyn) afirmou corretamente, “Depois de três anos de angústia, com alguns parlamentares tentando removê-lo, Mr. Corbyn – ou sua equipe – tem o controle quase total sobre seu partido e seus mecanismos”.
“Aqueles trabalhistas que lutaram contra Corbyn e seus entusiasmados apoiadores”, comentou o editor de política da BBC, “estão simplesmente cansados demais agora para continuar”.
Base radicalizada
Mas o mais notável sobre a conferência deste ano não foram as divisões entre os Blairistas (que foram reduzidos a uma diminuta e desesperada tripulação) e a Esquerda, mas a diferenciação que está se iniciando dentro do próprio movimento Corbyn, enquanto os ativistas de base e os parlamentares de esquerda do Partido Trabalhista começam a ganhar confiança.
Como já informamos previamente, isso ficou mais evidente nos votos sobre questões fundamentais de democracia partidária – em particular sobre a demanda pela nova seleção obrigatória (ou “seleção aberta”) de parlamentares.
Depois de tolerar anos de comportamento traiçoeiro dos parlamentares de direita do Trabalhismo, os militantes de base estão, sem surpresa – e majoritariamente –, a favor de que seja realizada uma nova seleção obrigatória para expulsar os sabotadores Blairistas do Partido Trabalhista Parlamentar (PLP, sigla em inglês).
Mas o debate sobre essa demanda vem sendo sistematicamente bloqueado pelos líderes sindicais conservadores, que temem balançar o barco e perder seu firme controle sobre o Partido.
A divisão entre os delegados sindicais filiados e os que representam o Partido Trabalhista localmente, a esse respeito, foi uma característica fundamental da conferência deste ano.
Inclusive depois que os votos sindicalistas impediram, no domingo, que se discutisse a seleção obrigatória na conferência, por exemplo, 60-65% dos delegados CLP ainda rejeitavam as propostas do Comitê Executivo Nacional Trabalhista (NEC, sigla em inglês) limitando a opinião dos membros do partido na eleição de futuros líderes trabalhistas e na escolha de candidatos ao Parlamento.
Por outro lado, a conferência também viu delegados filiados atrapalhando outras importantes reformas, como a remoção do prazo de um ano nas emendas à constituição do partido.
Democratizar o movimento trabalhista
Enfrentando críticas pelo papel de seu sindicato em bloquear essas mudanças muito necessárias, o secretário-geral de Unite, Len McCluskey, se manifestou publicamente em defesa das manobras que levaram a seleção obrigatória a ser retirada da mesa na conferência deste ano.
No entanto, a substância da defesa de McCluskey equivale a “nos opomos à seleção obrigatória porque Jeremy não a quer”.
Em primeiro lugar, em resposta, devemos notar que temos somente a palavra do líder de Unite de que as mudanças aprovadas são, de fato, as que Jeremy quer.
Mas, em segundo lugar, e que é mais importante, o objetivo de todas essas reformas democráticas deve ser deixar que as bases decidam a direção de nosso movimento. Afinal, é a classe trabalhadora organizada que deve ser a força motriz do Partido Trabalhista.
Ninguém na esquerda (com exceção de alguns sectários nas franjas do movimento) está tentando abrir maliciosamente uma brecha entre os sindicatos e os membros do Trabalhismo. De fato, os Marxistas no Partido Trabalhista foram os mais fortes defensores do elo sindical durante os dias sombrios dos anos Blairistas.
Mas a realidade é que houve uma divisão clara entre os votos dos delegados sindicais e os dos representantes do CLP na conferência deste ano. E esta situação necessita ser resolvida para que nosso movimento permaneça genuinamente unido e avançando.
A única forma de se fazer isso é levando a energia transformadora do movimento de Corbyn aos sindicatos; democratizar e revigorar todo o movimento trabalhista; e assegurar que a liderança do movimento em todos os níveis esteja lutando pela vontade e pelos interesses da base.
Estado de ânimo militante
Ficou claro na conferência Trabalhista de 2018 que os membros do partido foram encorajados e radicalizados pelos acontecimentos dos últimos três anos. Os ataques e ameaças do establishment e dos representantes das grandes empresas dentro do PLP provocaram uma reação oposta e igual entre os trabalhadores e a juventude.
Isso se refletiu nesta semana em Liverpool: não somente pelo clima de otimismo e confiança entre os delegados e os participantes do festival World Transformed Fringe, como também – o que é importante – pelos comentários militantes feitos por vários parlamentares trabalhistas de esquerda que se recusaram a manter o script.
O primeiro a fazê-lo foi Dawn Butler, a parlamentar por Brent Central, que rapidamente provocou a ira dos caciques trabalhistas por elogiar o espírito de luta dos vereadores trabalhistas de Liverpool nos anos 1980, cujo lema ecoou o de George Lansbury e da rebelião Poplar: “é melhor violar a lei do que violar os pobres”. [A Rebelião Fiscal das Populações, ou a Revolta Fiscal das Populações, foi um protesto fiscal que teve lugar em Poplar, Londres, Inglaterra, em 1921. Foi liderado por George Lansbury, o prefeito trabalhista de Poplar do ano anterior, com o apoio do Conselho de Poplar Borough, a maioria dos quais eram trabalhadores industriais – NDT].
O seguinte foi Chris Williamson, um parlamentar firme defensor da necessidade de uma seleção aberta. Como mencionado previamente, Chris falou apaixonadamente em favor dessa demanda em uma reunião oficiosa no fim da semana, mas foi, mais tarde, admoestado por Len McCluskey por criticar que os sindicatos frustraram as tentativas de introduzir a seleção obrigatória.
Por último, mas não menos importante, estava Laura Smith, parlamentar por Crewe e Nantwich, que foi aplaudida de pé pela multidão na reunião de World Transformed, depois que ela convocou uma greve geral para derrubar os Conservadores.
Essa demanda encontra claramente um eco entre os trabalhadores, que não podem tolerar mais um dia desse venenoso governo Tory. Mas, para o establishment trabalhista, essa convocação foi mais certamente um caso de ultrapassar os marcos.
Tom Watson, vice-líder trabalhista, rapidamente derramou água fria na ideia, sugerindo que Smith “ficou um pouco empolgado” enquanto falava. Escandalosamente, o direitista maquiavélico chegou a declarar que a única greve geral anterior na história da Grã-Bretanha (em 1926) havia sido um “absoluto fracasso para a classe trabalhadora”.
Tais tentativas de restringir a militância do movimento Corbyn, no entanto, não desaparecerão. O que estamos vendo é uma nova geração de parlamentares que está respondendo às enormes pressões vindas de baixo, dando uma voz à crescente radicalização dos ativistas de base.
A única decepção é que esta militância não se reflete em todo o PLP. É por isso que necessitamos de uma seleção obrigatória – para que tenhamos genuínos combatentes de classe, representando nosso movimento e defendendo de forma consistente políticas socialistas ousadas. Se o fizéssemos, os Conservadores não sobreviveriam uma semana.
Artigo publicado em 27 de setembro de 2018, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “Britain: Labour Party conference 2018 — Grassroots emboldened“.
Tradução de Fabiano Leite.