Esclarecendo o que é o “grau de investimento” que o Brasil
Daniel Feldmann
O governo, economistas e a mídia têm saudado recentemente o fato de que o Brasil foi declarado pela agência internacional Standard and Poor`s “investment grade”, em português significa que atingiu o “grau de investimento”.
Lula comemorou: “O Brasil vive um momento mágico. Nós acabamos de receber a notícia de que o Brasil passou a ser um ‘investment grade’ . Eu não sei nem falar a palavra, mas se a gente for traduzir isso para uma linguagem que os brasileiros entendam, é que o Brasil foi declarado um país sério, que tem políticas sérias, que cuida de suas finanças com seriedade e, que por isso, passamos a ser merecedores de uma confiança internacional que há muito tempo o Brasil necessitava. (…) E o que nós recebemos foi apenas o aval de que passamos a ser donos de nosso nariz em determinadas políticas que acharmos convenientes para o Brasil”.
Teríamos mesmo nos tornado um país sério? Seríamos agora donos do nosso próprio nariz?
Longe disso companheiro Lula!
Antes de tudo é preciso esclarecer o que é “grau de investimento” e quais as suas conseqüências.
De maneira simplificada podemos dizer que os países que recebem “grau de investimento” são aqueles que se apresentam confiáveis ao capital financeiro internacional. As chamadas “agências de risco” como a citada Standard and Poor’s, a Moody e a Fitch avaliam se os países são bons pagadores de suas dívidas e lhes conferem um “selo” de confiança por parte do capital financeiro.
Não tenhamos dúvida! As tais agências, longe de adotarem um critério “neutro” para a atribuição de grau de investimento, na verdade não passam de representantes de banqueiros e especuladores. Seu papel é verificar se os governos têm feito a “lição de casa” para que mereçam ser “aprovados” pelo capital…
Os países são avaliados com notas. Por exemplo, o Brasil era conceituado até dia 30 de abril como BB+. A partir de 1 de maio, fomos “promovidos” à nota BBB-, a nota mínima para ingressarmos no clube daqueles dotados de grau de investimento.
Vários fundos de pensão e fundos de investimento internacionais legalmente só podem investir em países que possuem grau de investimento. Assim, haverá uma enxurrada de dólares entrando no Brasil. Entretanto, diferentemente do que prega o governo e os defensores do capital, a imensa maioria desses dólares não virá para investimentos produtivos, mas sim para obter rendimentos com os títulos da dívida pública brasileira.
Recentemente, o Peru recebeu o grau de investimento da agência de risco Fitch. Ninguém em sã consciência pode dizer que isso reflete que nossos irmãos peruanos estão no “caminho do desenvolvimento”. O Peru, assim como o Brasil, tem sido um bom pagador de suas dívidas. Além disso, o presidente Garcia, é um dos poucos amigos de Bush numa América Latina que cada vez mais caminha para a esquerda.
Desta forma, é muito claro que por trás do grau de investimento também existem considerações políticas por parte destas agências de risco que são tudo, menos neutras. O caso da avaliação dos EUA é muito sintomático neste sentido. Para a Standard and Poor’s, os títulos do tesouro americano são o investimento mais seguro do mundo. Por isso, a nota dos EUA é a mais alta possível: AAA. Mesmo se consideramos remota a possibilidade do governo americano dar um calote na sua dívida, todos sabem que o dólar está cada vez mais desvalorizado em relação a outras moedas. Desta forma, aqueles que compram os títulos dos EUA na prática perdem dinheiro pois teriam maiores retornos aplicando em outras moedas. Mesmo assim, jamais se considera a possibilidade se piorar a nota dos americanos…
Sangria do país trouxe grau de investimento
O que o governo e a imprensa não falam para o povo é que o Brasil passou por uma verdadeira sangria de recursos nos últimos anos, que permitiu que fossemos aceitos no seleto clube dos “bons pagadores”.
Privatizações, cortes nos serviços públicos, aumentos de impostos permitiram que o país realizasse por sucessivos anos o superávit primário (receitas menos despesas do governo para pagar juros da dívida).
Só no ano de 2007, gastamos 237 bilhões de reais com juros e amortização da dívida pública. No mesmo ano, os gastos públicos com saúde foram de 60 bilhões, com educação 40 bilhões e com reforma agrária a ninharia de 3,5 bilhões! Um verdadeiro escândalo nacional!
Seria isso um país sério companheiro Lula? Seríamos mesmo donos de nosso nariz?
Claro que não! Somos “sérios” apenas no que diz respeito à preservação dos lucros dos especuladores!
O melhor negócio do mundo para os especuladores
Mas os capitalistas querem mais! A agência Moody`s, que diferentemente da Standard and Poor’s ainda não nos “presenteou” com o grau de investimento, afirma que é necessário ainda mais superávit primário para que o Brasil receba o tal “selo”. Diga-se de passagem que setores do governo estão considerando com “carinho” essa possibilidade. E isso significa mais cortes na saúde, educação, moradia, serviços públicos, etc.
Para os especuladores, o Brasil se transformou numa verdadeira mina de ouro. Com as taxas de juros mais altas do mundo junto com a Turquia, e com um processo constante de valorização do real frente ao dólar (processo que tende a se acentuar com a enxurrada de dólares que barateia a moeda estrangeira frente ao nosso real), os capitalistas que investem em títulos públicos têm motivos de sobra para comemorar. Ou seja, eles ganham com os juros altos (que a maioria dos analistas irá aumentar nos próximos meses em nome do combate à inflação), e ganham com a valorização da moeda brasileira, pois assim recebem mais dólares para levar aos seus países quando convertem os reais obtidos com as aplicações aqui.
Ao mesmo tempo, quem paga a farra somos nós trabalhadores pagadores de impostos…
Quem pode achar esse um país sério?