Em 9 de março, meio milhão de trabalhadores e jovens tomaram as ruas de toda a França, protestando contra o ataque sem precedentes do governo “socialista” às leis trabalhistas. Novos protestos ocorreram em 17 de março.
Em 9 de março, meio milhão de trabalhadores e jovens tomaram as ruas de toda a França, protestando contra o ataque sem precedentes do governo “socialista” às leis trabalhistas. Novos protestos ocorreram em 17 de março.
Como sempre, os reformistas terminaram sendo manobrados pelo sistema que procuram manobrar. O presidente François Hollande serviu de precursor para Tsipras do SYRIZA, como um líder reformista exposto pela crise capitalista como um “Imperador nu”. Dois anos depois de sua eleição, ele recuou da proposta de impostos de até 75% sobre as rendas. Até o momento, distribuiu mais de 40 bilhões de euros em incentivos fiscais corporativos.
Hollande agora enfrenta uma economia estagnada, com 10% de desemprego, que aumenta para 24% entre a juventude. Numa tentativa de melhorar a economia, e com as ideias em bancarrota, Hollande se baseou abertamente no programa dos capitalistas. Mesmo Sarkozy nunca tentou acabar com a semana de 35 horas, introduzida pelo Partido Socialista somente no ano de 2000 (embora frequentemente falasse em fazer isto).
O projeto de lei El Khomri
O projeto de lei que os socialistas estão tentando aprovar através do parlamento, redigido pelo ministro do trabalho, Myriam El Khomri, teria profundas consequências sobre os salários, jornada de trabalho e direitos dos trabalhadores em geral. O projeto de lei visa aliviar o capitalismo francês das condições estabelecidas pelas atuais leis trabalhistas. Ele permitiria às empresas francesas negociar mais horas de trabalho e horas-extras com os sindicatos. Os trabalhadores poderiam se ver obrigados a trabalhar até 45 horas, com corte de pagamento de horas-extras para o trabalho acima das 35 horas.
Às empresas francesas também seria dada maior liberdade para encurtar horas e reduzir o pagamento, o que só podem fazer atualmente em tempos de “sérias dificuldades econômicas”. O ministro francês da economia, Emmanuel Macron, classificou isto como “o fim de fato da semana de trabalho de 35 horas”.
A nova lei tornaria mais fácil demitir trabalhadores. De acordo com os capitalistas, as leis trabalhistas existentes “desencorajam o negócio” de criar empregos permanentes. Eles dizem que a razão pela qual um grande número de trabalhadores jovens está em contratos temporários é porque, sob as leis francesas, empregos permanentes são demasiado permanentes.
Para resolver o “problema”, a nova lei vai limitar os prêmios às demissões abusivas. Isto permitirá que o patrão calcule o custo da demissão dos empregados problemáticos, liberando postos de trabalho para a futura geração! Nas negociações, se nenhum acordo for alcançado, o sindicato será contornado pelos patrões e os trabalhadores serão consultados diretamente em um referendo vinculante.
Contudo, a classe dominante pode se arrepender ao abrir seu caminho neste último ponto. Os sindicatos são a principal posição de organização para a maioria dos trabalhadores na luta de classes. Atualmente, a sindicalização na França é de apenas 8%. No entanto, as fileiras estão frequentemente muito à esquerda de seus representantes. A classe dominante subestima os trabalhadores, para os quais têm apenas desprezo aristocrático. Mas lançando toda a força de trabalho em um referendo sobre termos e condições, poderiam obter mais do que esperavam.
Para aumentar a competição entre os trabalhadores, o projeto de lei El Khomri busca minar as negociações conduzidas pela indústria, substituindo-as por negociações no nível de empresa. Modelo similar está sendo aplicado no sistema escolar inglês – a criação de escolas independentes, livres do currículo nacional, criando condições desiguais destinadas a fragmentar as negociações do setor por parte dos professores. Em “circunstâncias excepcionais”, os funcionários poderiam trabalhar até 60 horas semanais. O levantamento das restrições às demissões e ao trabalho doméstico e noturno também faz parte do projeto de lei El Khomri.
O trabalhador médio francês produz 45,6 euros por hora, de acordo com Eurostat [estatísticas oficiais da União Europeia – NDT], e trabalha 1.661 horas por ano. Isto significa que gera aproximadamente 76 mil euros por ano para o patrão. No entanto, em 2014, seu custo médio era somente de 29,7 mil euros. Significando que ele gera um lucro de mais de 45 mil euros para os capitalistas.
A despeito disso, e dos trabalhadores franceses estarem entre os mais produtivos da Europa, trabalham 186 horas a menos que os alemães, e 239 horas a menos que os britânicos. Isto não é suficiente para o capitalismo francês, que exige que se esprema mais excedentes dos trabalhadores.
O que é mais importante, a derrota ou o enfraquecimento da semana de 35 horas é vista como simbolicamente importante pela classe dominante. Assinalaria uma vitória para a classe dos patrões e uma luz verde para uma ofensiva contra os trabalhadores na luta pela mão-de-obra barata na França.
EDF
O recente acordo na empresa estatal EDF, envolvendo significativos 30 mil trabalhadores, estabelece as bases para novos ataques. Os trabalhadores da EDF cederam parte de seu pagamento de férias de dez semanas em troca de uma subida salarial. O acordo é opcional, reversível e não está aberto aos trabalhadores de “colarinho azul”.
Mas, como assinala perspicazmente Financial Times (FT), “… seu real significado, contudo, reside no precedente que senta para os empregadores e os sindicatos acordarem reformas substantivas no nível da empresa”.
A média de 39,5 horas trabalhadas pelos trabalhadores de “colarinho branco” da EDF foi compensada por um período adicional de 23 dias de descanso ao ano, ademais da norma de 27. Contudo, EDF recentemente negociou entre 7 e 16 dias por ano a menos de férias anuais para os trabalhadores. Isto foi compensado por um aumento salarial de 7,5%. Vai significar que os trabalhadores de EDF trabalharão muito mais do que o limite médio de 35 horas semanais durante o curso de um ano. Isto estabelece um precedente para os capitalistas franceses seguir.
9 de março
Uma petição online exigindo que o governo abandone o projeto de lei ganhou enormes 1,3 milhões de assinaturas. Isto preparou o terreno para os protestos de 9 de março, convocados pelos estudantes e pelos sindicatos.
A unidade dos estudantes e das fileiras sindicais dos trabalhadores foi imediata a partir do dia 9. Os estudantes convocaram demonstrações semanais, que têm a participação de muitos trabalhadores, e os trabalhadores também têm falado nas Assembleias Gerais dos estudantes. Os líderes sindicais têm sido um pouco frios em seu apoio. Contudo, isto marca o início de uma coordenação nacional dos estudantes.
De acordo com FT: “Diversos distritos eleitorais estão se unindo em protesto, unidos pela insatisfação com a presidência claudicante de François Hollande”. A taxa de aprovação de Hollande atualmente é de 15%, a mais baixa de qualquer presidente em 50 anos.
Os trabalhadores, os desempregados e os jovens tomaram as ruas em 9 de março em mais de duzentas cidades por toda a França em oposição ao projeto de lei. Em Paris, entre 80 mil e 100 mil pessoas saíram no frio e na chuva. Isto coincidiu com uma greve ferroviária que fechou um terço dos trens em Paris naquele dia. Os manifestantes na Praça da República gritavam palavras de ordem como “Loi El Khomri, Vie pourrie”, que se traduz assim: “Lei El Khomri, Vida podre”.
A própria associação de estudantes do Partido Socialista, UNEF, desempenhou um papel de liderança. Cerca de cem escolas de ensino médio da França foram fechadas pelos estudantes barricando as entradas com latas de lixo. A presença da juventude não é surpreendente, considerando as condições enfrentadas pelos trabalhadores jovens: um em cada quatro está desempregado, o trabalho disponível é precário e a habitação é cara. Estão revoltados com a elite política e rejeitam seus argumentos quando dizem que os jovens deviam ser forçados a renunciar à segurança das leis trabalhistas da França.
A Associated Press citou Maryanne Gicquel, um porta-voz da associação de estudantes da escola secundária FIDL. “Ela descreveu a experiência dos jovens no mercado de trabalho como ‘uma sucessão de estágios e empregos mal pagos… Agora, estamos sendo informados de que será mais fácil para as empresas despedir trabalhadores’”.
A BBC relata, “Adolescentes e estudantes estavam entre os milhares que marcharam em Paris cantando slogans como ‘El Khomri, você vai perder, a juventude está nas ruas’, em referência ao ministro do trabalho Myriam El Khomri”. O correspondente da BBC concluiu, “Esta reforma cristalizou todas as forças da esquerda que, embora se sentindo cada vez mais descontentes com a deriva do governo, até agora não tinham uma questão clara em torno da qual se reunir”.
Com este ataque, Hollande unificou todas as forças progressistas na sociedade contra ele. Uma pesquisa recente pelo pesquisador Oxoda descobriu que 70% dos franceses maiores de 18 anos de idade se opõem ao projeto de lei.
Hollande abriu divisões dentro do Partido Socialista (PS), um ano antes das eleições presidenciais de 2017. Dado o seu nível de popularidade, é improvável que seja reeleito, estando tão alienado da base da classe trabalhadora que o levou ao poder. Os trabalhadores mais avançados se afastaram do PS com desgosto, removendo assim qualquer pressão vinda de baixo. Nestas condições, Hollande está livre para agir abertamente como lacaio da burguesia, testando os limites da tolerância dos trabalhadores para com o PS.
A prefeito socialista de Lille, Martine Aubry, em um artigo recente em Le Monde, intitulado “Basta”, ataca o governo, perguntando: “Quem poderia imaginar que facilitando as demissões… encorajaremos o emprego? ”. Ela aduziu que as reformas foram inspiradas pelo “campo oposto” e que significará “… a preparação de um enfraquecimento duradouro da França, e, naturalmente, da esquerda”. O espectro do “PASOK” assombra as socialdemocracias da Europa.
Governo socialista em retirada
O primeiro-ministro, Manuel Valls, teve que adiar o anúncio da lei devido à ameaça de protestos de rua dos sindicatos e estudantes e à dissidência interna dentro de seu próprio partido. Valls propôs mais uma rodada de consultas com os sindicatos e as organizações patronais antes de 24 de março. O governo do PS planeja assegurar aprovação parlamentar do projeto de lei até o Verão.
Em 14 de março, Valls anunciou uma retirada parcial. Anunciou que o projeto de lei não imporá mais limites à quantia que os trabalhadores podem ganhar no caso de demissões injustas. A possibilidade de introduzir práticas flexíveis de trabalho em pequenas e médias empresas foi ligeiramente reduzida, quando se compara com o primeiro rascunho do projeto de lei, embora os principais ataques permaneçam.
Mas as multinacionais ainda serão capazes de cortar empregos mais facilmente em suas operações francesas deficitárias. Um juiz se encarregará de verificar a “lógica financeira” desses cortes. MEDEF, o sindicato patronal, expressou “decepção” com a retirada.
O novo acordo é apoiado pelos sindicatos da CFE-CGC e da CFDT, mas a ex-comunista CGT permanece se opondo. Junto com FO e o maior sindicato estudantil, UNEF, chamaram para que todo o projeto de reforma seja retirado.
“Se o governo insiste em ir em frente com esta reforma, as pessoas necessitam ir para as ruas”, disse o líder da CGT, Philippe Martinez. Uma pesquisa mostra que dois terços das pessoas acreditam que haverá protestos se a lei for aprovada.
17 de março
Uma semana mais tarde os estudantes tomaram as ruas mais uma vez, e mais uma vez se uniram a um forte contingente de trabalhadores. Contudo, sem um claro apelo da liderança nacional da CGT para participar nesta demonstração, não alcançou o tamanho de 9 de março. Mas foi marcada pelo aumento da participação de estudantes e alunos de escolas. Isto é significativo, visto que sublinha o que os marxistas têm destacado há muito tempo, a extrema radicalização da juventude que apenas necessitava de um canal para se expressar.
O movimento está em etapa inicial, mas está se expandindo às universidades e escolas de ensino médio. Os estudantes bloquearam as entradas de 115 escolas de ensino médio por toda a França. Prevalece um sentimento muito radical, que está sendo atingido por provocações, pela polícia antimotim e pelos lock-outs das administrações universitárias – devido ao medo de ver quão longe os estudantes podem ir. Foi precisamente assim que começou Maio de 1968, e os poderosos devem ter tomado nota! Se lançou gás lacrimogênio em Paris, foram realizadas prisões e estudantes foram feridos.
É claro que o governo está desesperado para deter este processo em desenvolvimento, e está fazendo de tudo para separar os trabalhadores dos estudantes radicalizados, temendo o contágio. Assim, ofereceu uma cenoura aos sindicatos na quinta-feira, declarando que iria levantar o congelamento dos salários do setor público que está em vigor desde 2010. Ao mesmo tempo, trataram os estudantes com a vara, tentando sufocar o movimento estudantil através da repressão. Tais esforços serão em vão. A repressão somente radicalizará e mobilizará ainda mais os estudantes. Outra demonstração foi convocada pelos estudantes e pelas organizações da juventude para o dia 24. Esta fará parte da construção da greve geral do dia 31 de março, que promete ser uma gigantesca demonstração de força da classe trabalhadora francesa. Existem todos os elementos para uma conflagração geral.
O presidente François Hollande disse na véspera dos protestos que queria ajudá-los “a ter mais estabilidade no emprego… nós devemos também dar às empresas a oportunidade de recrutar mais, dar a segurança de emprego às pessoas jovens durante toda a vida, e proporcionar estabilidade às empresas. Já tentamos tudo? Vejamos fora da França. O que aconteceu em outros lugares? Todos eles evoluíram, têm todas as coisas”, disse ele.
Nos “outros lugares” da Europa vemos somente precarização extrema, salários congelados, o desmantelamento do estado do bem-estar e austeridade estilo grego. Mas a retórica contraditória do presidente não tem nenhuma consequência para a classe dominante francesa, enquanto lhes serve para obscurecer a questão. Eles entendem que “emprego estável” é incompatível com “flexibilidade para as empresas” no melhor dos tempos capitalistas, e muito menos em meio a uma crise capitalista sem precedentes. Assim que terminarem com o Partido Socialista no próximo ano, a burguesia o descartará como um trapo sujo.
Contudo, a destruição da autoridade do PS, do ponto de vista do burguês, é como cortar o galho onde estão pendurados. Os capitalistas se apoiam na autoridade dos líderes reformistas e usam isto para conseguir que seu próprio programa seja aceito dentro do movimento dos trabalhadores. Contudo, ao fazer isto, também expõem os reformistas. O que estamos testemunhando, portanto, na França é a crise capitalista destruindo a autoridade do reformismo. Este é um fenômeno internacional.
A radicalização da situação está sendo preparada na França. Isto responde a todos os céticos que somente podiam ver “desvios à direita” na França com o crescimento da Frente Nacional de Le Pen. O que está realmente ocorrendo é uma polarização, tanto à direita quanto à esquerda. E o que veremos eventualmente é que as forças de deslocamento à esquerda são muito mais fortes do que as que se movem à direita.
As demonstrações dos dias 9 e 17 de março marcam uma importante adesão dos trabalhadores e da juventude, as forças vivas da sociedade francesa. Os jovens estão lutando sobre questões claras de classe, em apoio aos trabalhadores e em luta por seu futuro. A próxima greve geral produzirá um gigantesco impacto, que vai reverberar através da Europa, adicionando-se ao processo na Espanha, onde anos de protestos eventualmente produziram PODEMOS, ao processo na Grã-Bretanha, onde temos o fenômeno Corbyn, e, por sua vez, vai fortalecer esses processos. Também dará um poderoso impulso aos trabalhadores e à juventude italiana. A maré está virando na França e a onda será sentida internacionalmente.