Acabou na sexta-feira, 17 de junho, a maior greve já realizada pelos servidores públicos municipais de Joinville – SC. A paralisação durou 40 dias e fez história na cidade, levando mais de 5 mil trabalhadores às ruas. Foi a segunda greve em dois anos, depois de 18 anos de apatia, período em que o sindicato esteve dominado pela direita da cidade.
Organizada pelo Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Joinville (Sinsej), a categoria possuía uma reivindicação inicial de reajuste salarial de 6,3%, referente à inflação, mais 5%. O aumento real solicitado seria o início da recuperação para uma categoria que, em alguns setores, teve 40% de perdas nos últimos dez anos. Além da questão financeira, os servidores apresentaram à Prefeitura, em 1º de março, uma pauta de reivindicações sociais com 35 itens, incluindo muitas medidas sem nenhum custo ao Executivo e, o mais absurdo, a solicitação de que acordos da greve do ao passado fossem cumpridos.
A Prefeitura, administrada por Carlito Merss (PT), teve exatos dois meses para abrir negociações e respeitar a data-base de seus servidores, que é 1º de maio. Porém, apenas no dia 27 de abril, em uma coletiva de imprensa para a qual o sindicato não havia sido nem mesmo convidado, o chefe de gabinete, Eduardo Dalbosco, entregou ao presidente do Sinsej, Ulrich Beathalter, uma resposta de que não concederia nenhum reajuste em 2011. Ao invés disso, a Prefeitura propunha dar uma reajuste de 8% em janeiro de 2012 e respondia às cláusulas sociais de maneira negligente, afirmando já ter atendido ou não possuir capacidade técnica para atender boa parte delas.
Diante de tal postura, no dia 3 de maio, os servidores deflagraram, em assembleia geral, a greve a partir do dia 9 de maio. De posse do comunicado de greve, o prefeito Carlito Merss optou por ir à Justiça contra o sindicato e a categoria, numa clara postura antissindical que contraria os princípios do Partido dos Trabalhadores. No dia 6 de maio, sexta-feira que antecedeu o início do movimento, um juiz da Vara da Fazenda concedeu liminar que proibia a greve nos setores da saúde, impedia o sindicato de adentrar nos locais de trabalho e impunha multa diária de 50 mil reais em caso de desobediência.
Todos esses ataques não foram suficientes para conter os servidores e a greve começou, reunindo mais de 5 mil pessoas em frente ao Paço Municipal. A partir daí, diversos pedidos de abertura de negociações foram negados. Os servidores recorreram da liminar e, uma semana mais tarde, o Tribunal de Justiça garantiu o direito à greve para os servidores da saúde. Apesar disso, o Prefeito continuou intransigente, negando-se a receber o sindicato e instalar a mesa de negociação.
A categoria dirigiu-se à Câmara de Vereadores, e conseguiu o trancamento da pauta, recurso garantido pela maioria dos vereadores para pressionar a Prefeitura pela abertura das negociações. No dia 3 de junho a Prefeitura recebeu uma comissão de trabalhadores, mas negou a participação dos diretores do sindicato. A única modificação oferecida na proposta foi dividir o reajuste de 8%: parcelas de 2% em outubro, 2% em novembro e 4% em janeiro – parcelamento ainda condicionado ao aumento da receita.
Diante da impossibilidade de abrir a mesa de negociação, os servidores convocaram então uma Assembleia Popular, com o objetivo de avaliar o governo e inserir a população no debate sobre a greve. Afinal era ela a mais prejudicada com a paralisação dos serviços públicos.
Com 28 dias de greve, com o temor da avaliação rondando o governo, setores da Igreja Católica entraram na briga e o governo finalmente aceitou, por meio de secretários, sentar na mesma mesa que os sindicalistas. Não houve avanço no índice de reajuste, mas foram propostos avanços sociais, como a regulamentação da produtividade dos médicos; o estudo das gratificações de unidade hospitalar; a regulamentação dos plantões de PAs e dos direitos dos professores contratados “a termo”; a tipificação e normatização do assédio moral por meio de seminário; a definição da reposição de aulas e calendário escolar e o fim da ditadura do atestado. Porém, acentuando sua prática de ataque ao movimento, o governo enfatizou a punição aos grevistas, com desconto dos dias parados e penalidades na carreira, como forma de “disciplinar” os trabalhadores – conforme fala do chefe de gabinete.
Os índices sociais foram aceitos, a proposta financeira e os descontos em folha, rejeitados. Diante da dificuldade em avançar no conflito, os religiosos envolvidos retiraram-se das discussões e a Prefeitura fechou novamente as negociações.
No 30º dia, o diretor do Fórum de Joinville, juiz Davidson Mello, resolveu embarcar no conflito e conseguiu restabelecer o diálogo. A Prefeitura apenas ofereceu parcelar os descontos dos dias parados. Por fim, adiantou uma parcela de 2% para setembro. Diante da insistência do juiz e da disposição dos servidores na luta, a Prefeitura acenou com a possibilidade da reposição dos dias paralisados. Porém, na prática, primeiro os trabalhadores seriam penalizados e somente depois receberiam o reajuste, que ainda estava longe do reivindicado. A partir daí, choveram ataques contra a entidade sindical. O Executivo usou de todo o seu aparato para lançar campanhas publicitárias e acionar a imprensa da cidade contra o movimento. A essa altura, o prefeito já tinha consciência de que sua imagem caía num abismo e tentava reverter a opinião pública, levando consigo o Sinsej.
Foi então que os três poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – uniram-se em Joinville contra os trabalhadores e, juntos, articularam a formulação de um projeto de lei com o mesmo índice financeiro e a possibilidade de reposição dos dias parados a partir do fim da greve, com descontos a partir de setembro.
Fecharam-se todos os canais de comunicação e o movimento já sentia o temor do refluxo. No 39º dia de greve, a Câmara de Vereadores também preparou um triste espetáculo, impedindo o presidente do sindicato de falar (antes ela vinha cedendo espaço) e encerrando a sessão de forma teatral, para responsabilizar a entidade.
No 40º dia, os servidores decidiram encerrar a paralisação, cientes de que todos os canais de negociação haviam sido fechados. A categoria permanece em estado de greve, reunindo o conselho eleito, até que sejam cumpridos todos os itens do projeto e as cláusulas sociais acordadas. A batalha também continua no campo judicial, mas os trabalhadores saem da luta conscientes de que a única coisa em que podem confiar é em sua própria capacidade de organização.
Nesses 40 dias todas as ilusões caíram. A categoria aprendeu a importância da união e da mobilização e a verdadeira face do governo de coalizão de Carlito Merss foi várias vezes exposta à sociedade. A partir dessa greve, Joinville entra em uma nova era. Os trabalhadores provaram do que são capazes.