Fotos: Jaélcio Santana

Greve na Renault: nota para um balanço

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 13, de 20 de agosto de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

No dia 21 de julho foi deflagrada a greve dos trabalhadores da Renault de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. A reivindicação principal era a reintegração dos 747 operários demitidos. Passeatas, piquetes permanentes nos portões de entrada da fábrica e atos na frente das concessionárias da Renault foram algumas das ações empreendidas pelos trabalhadores e seus familiares contra as demissões. Os operários, mesmo diante das represálias da empresa e do contexto de pandemia do novo coronavírus, mantiveram-se firmes e mobilizados durante todo o processo.

Após 15 dias de greve, no dia 5 de agosto, uma decisão judicial emitida pela 3º Vara do Trabalho de São José dos Pinhais determinou a reintegração dos 747 demitidos e o restabelecimento da mesa de negociação entre a Renault e o Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba e Região Metropolitana. Depois de algumas rodadas de negociação entre empresa e sindicato uma proposta foi apresentada. No dia 11 de agosto a greve foi encerrada. Apontamos abaixo alguns elementos para um balanço dessa importante greve.

A Renault e o papel da direção sindical

Em 2018 a Renault do Brasil comemorou 20 anos da instalação da montadora em São José dos Pinhais. A empresa nos últimos anos bateu recordes seguidos no número de venda de automóveis. Nos últimos 10 anos passou de menos de 4% de participação no mercado nacional em 2009 para quase 10% em 2019. Nos últimos três anos as vendas da empresa aumentaram 90%. Os meios de comunicação chegaram a anunciar esse período como década dourada da Renault[1].

Obviamente que estes resultados foram obtidos pela superexploração dos operários, que não viram seus salários subirem na mesma proporção, e nos volumosos recursos concedidos pelos governos federal e estadual através de incentivos fiscais. Segundo os apologistas da burguesia, tudo andava bem. Porém, em maio deste ano, a direção da multinacional decidiu cortar 15 mil postos de trabalho em todo o mundo. Política adotada por outras empresas do setor como é o caso da Nissan (parceira da Renault) que anunciou o fechamento de uma de suas fábricas na Espanha e enfrentou forte resistência dos trabalhadores, que após três meses de greve e muita luta impediram temporariamente os intentos da empresa. A dinâmica aqui apresentada segue o que havíamos explicado em uma carta dirigida aos trabalhadores da Renault de São José dos Pinhais. Nos momentos de calmaria a burguesia explorara ao máximo, obtém lucros extraordinários e não promove nenhum tipo de melhora na vida dos trabalhadores. Já em períodos de crise, reduz salários, retira direitos, demite e intensifica o trabalho dos operários que por ventura permanecem empregados. O objetivo é sempre o mesmo, manter e ampliar as taxas de lucro.

Neste contexto de arrocho salarial e demissões promovidas pela Renault e demais fábricas automobilísticas em escala global que papel cumpriu a direção do Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba e Região Metropolitana?

Em determinada ocasião, durante a greve, o presidente do sindicato, Sérgio Butka, explica: “Sempre estivemos abertos para debater alternativas que a empresa pode utilizar antes de demitir simplesmente. Queremos construir uma proposta que atenda todos os trabalhadores da fábrica assim como fortaleça a competitividade da empresa. Esse sempre foi o nosso objetivo e vamos trabalhar para isso”[2]. Aqui está concentrada a política da direção do sindicato que busca conciliar interesses antagônicos em um período de exacerbação da luta de classes, o que é obviamente impossível.

As multinacionais, como o próprio nome já denuncia, exploram a força de trabalho dos operários de diferentes nações através de cadeias globais de produção fortemente conectadas, o que confere à luta de classes e ao proletariado um caráter cada vez mais internacional. Os dirigentes sindicais, adaptados à estrutura sindical vigente e desprovidos de qualquer senso de internacionalismo, atuam como agentes da burguesia no movimento dos trabalhadores e buscam afiançar condições “mais favoráveis” para atrair as empresas a seus países ou regiões, o que significa oferecer uma força de trabalho mais barata e disposta a se submeter a altos níveis de exploração, assim fortalecendo “a competitividade da empresa” como explica o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba e Região Metropolitana. Neste quadro, o sindicato não cumpre nem a tarefa elementar de lutar por melhores salários e condições de trabalho. O resultado desta política sindical reflete no conteúdo do acordo assinado entre empresa e sindicato.

Qual é o conteúdo do acordo assinado entre a empresa e o sindicato?

Como veremos nas próximas linhas, o acordo assinado não garante o emprego dos 747 trabalhadores demitidos, aprofunda a exploração dos atuais e futuros operários da Renault e interfere na livre organização dos trabalhadores.  No acordo, a empresa abre um Plano de Demissão Voluntária (PDV) para todos os operários da fábrica e mantém os 747 demitidos afastados, tratando-os como força de trabalho excedente, excluídos da produção. Caso não se chegue a 747 desligamentos até o fim do PDV, a empresa colocará o quadro excedente em Lay-off (suspensão do contrato de trabalho), pelo prazo inicial de cinco meses recebendo 85% do salário líquido, sustentado, em grande parte, pelo dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalho (FAT).

É importante destacar a política nefasta da empresa de manter os 747 operários afastados, tratando-os como “improdutivos”, de “baixo desempenho” e “incapacitados”, constrangendo-os a “voluntariamente” pedir demissão. Para aqueles que permanecem trabalhando, a empresa impõe através do acordo (com quatro anos de duração) um novo patamar de exploração, prevendo o congelamento de salários por dois anos, trocados por um abono que não terá incidência sobre os direitos; novas terceirizações das atividades produtivas; implementação de nova tabela salarial com 20% de redução em toda sua estrutura a ser aplicada em contratações futuras; além de prever a possibilidade de aplicar Lay-off e redução da jornada com redução de salário amparada na lei 14.020/2020 (MP 936) durante todo o período de vigência do acordo. Sem falar nos dias de greve que serão descontados dos trabalhadores pela empresa[3].

Outro ponto que merece destaque é a ingerência da empresa, com a conivência e colaboração do sindicato, na livre organização dos trabalhadores. Ao final do acordo, é previsto a substituição da assembleia, em que coletivamente são tomadas as decisões pelos presentes, por uma votação online intitulada “VotaSMC” aberta a todos os trabalhadores. Este instrumento está sendo utilizando por diferentes direções sindicais e empresas, especialmente no período de pandemia, para aprovar acordos coletivos de trabalho ancorados na Lei 14.020/2020 que foi proposta inicialmente como MP 936 pelo governo Bolsonaro. Porém, este caso particular possui um agravante. Antes do início da greve os trabalhadores da Renault haviam rejeitado em assembleia uma proposta de PDV semelhante à atual. A empresa e a direção do sindicato receavam que isso pudesse ocorrer novamente. Por este motivo, remeteram para uma votação online a decisão definitiva sobre o acordo, dissolvendo o movimento dos trabalhadores, individualizando a decisão e impedindo que uma contraproposta pudesse ser formulada e apresentada pela base dos trabalhadores.

O balanço e os caminhos da luta

Logo no início da pandemia do novo coronavírus, o governo Bolsonaro lançou o “Programa de Manutenção do Emprego e dos Salários” inicialmente como MP 936 e, posteriormente, transformada em Lei 14.020/2020. Tal programa permite que as empresas reduzam jornada de trabalho e salários, subsidiados, em parte, pelo governo. Os sindicatos de metalúrgicos de todas as colorações, assim que saiu a MP, correram assinar acordos com as empresas. Alguns meses depois é possível constatar que o programa apenas garantiu o lucro dos patrões e não protegeu empregos e salários. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) entre janeiro e junho deste ano, o setor industrial teve uma redução de 247 mil postos de trabalho[4]. Os trabalhadores da Renault possuem o mérito de terem enfrentado na prática o engodo deste programa que não protege empregos e nem salários. Infelizmente, o levante dos trabalhadores da Renault não se estendeu para outras fábricas do Paraná e do Brasil. Os dirigentes dos sindicatos metalúrgicos de outras cidades e regiões do país se limitaram a gravar vídeos, bater fotos e enviar mensagens de apoio. Trataram a greve dos metalúrgicos da Renault como um caso particular, isolado, e não como uma tendência geral da atual situação em que os patrões buscam ampliar as demissões e submeter o conjunto do operariado a um novo patamar de exploração. Seguramente uma greve geral dos trabalhadores metalúrgicos estendida por todas as regiões do país colocaria em cheque este programa e as demissões em massa.

Os trabalhadores da Renault e demais montadoras certamente irão produzir um balanço crítico e detalhado deste processo. Alguns apontamentos, inclusive, já podem ser observados na página do Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba e Região Metropolitana. Muitos trabalhadores manifestam a necessidade de realizar este mesmo movimento em outras fábricas que estão demitindo e fechando, estabelecendo um movimento unificado de todos os metalúrgicos. Outros relatam que foi um erro a direção do sindicato aceitar a demissão, em maio, de 300 trabalhadores temporários que não foram efetivados pela Renault. Estas e outras conclusões serão tiradas pelos trabalhadores.

A crise econômica potencializada pela pandemia do novo coronavírus obrigará o proletariado a entrar em luta de forma direta, como vimos no caso da Renault.  As lutas parciais em cada categoria, apesar de importantes, terão que desembocar em um movimento unificado e independente da classe trabalhadora contra a burguesia e o governo Bolsonaro, que está a serviço das multinacionais na tarefa de demolir direitos e submeter os trabalhadores a um novo patamar de exploração. Este é o caminho para defender a vida, os empregos, os salários e impor uma derrota à política de miséria e morte dos patrões e do governo Bolsonaro.

[1] https://www.autoindustria.com.br/2020/01/15/a-decada-dourada-da-renault-no-brasil/

[2] http://www.simec.com.br/?area=ver_noticia&id=8254&titulo=metalurgicos-e-renault-voltam-a-mesa-de-negociacao-para-discutir-readmissao-dos-trabalhadores

[3] http://simec.com.br/media/documentos/PROTOCOLO_RENAULT_FINAL_RdB.pdf

[4] https://www.gazetadopovo.com.br/economia/mercado-de-trabalho-caged-junho-saldo/