Guatemala: milhares protestam contra os cortes do governo burguês

A aprovação pelo Congresso do orçamento de cortes, às 5h30 do dia 17 de novembro, desencadeou uma onda de protestos no país centro-americano. Uma seção da classe dominante se opõe ao orçamento, pois aumenta o endividamento do país. O vice-presidente rompeu com o presidente Giammattei e pediu que ele não ratificasse o orçamento.

Trabalhadores, camponeses e organizações estudantis se opuseram ao orçamento por razões próprias, já que ele corta gastos sociais. Essa crise política levou à irrupção das massas no cenário. No sábado, 21 de novembro, milhares de pessoas se reuniram na praça principal da capital, enquanto um grupo de manifestantes invadiu o prédio do Congresso e o incendiou.

Publicamos aqui um primeiro artigo de Juan de la Cruz da seção salvadorenha da CMI. Esperamos publicar mais relatórios dos camaradas guatemaltecos da CMI nos próximos dias.

Após cinco anos de relativa calma na luta de classes guatemalteca, quando a queda do governo corrupto de Otto Pérez e Roxana Baldetti abriu uma onda de mobilizações de massa da juventude e da classe trabalhadora, estamos mais uma vez no início de uma crise institucional e, possivelmente, o desenvolvimento de um movimento de massa.

Ao longo desses cinco anos, a estabilidade do regime manteve-se em pé, embora cambaleasse ao longo do caminho. Houve dezenas de casos de corrupção, incluindo o do ex-presidente Jimmy Morales, que financiou sua campanha presidencial com dinheiro ilícito. Por isso, entrou em conflito com a Comissão Internacional contra a Impunidade e a Corrupção na Guatemala (CICIG). O conflito terminou com a expulsão da organização do país por Morales. As lutas entre as instituições estiveram muito presentes nos últimos cinco anos, prenunciando uma enorme instabilidade do regime.

A crise não desapareceu com a chegada do presidente Giammattei. A forma como o governo lidou com a pandemia foi verdadeiramente desastrosa. A Guatemala é um dos países da América Central onde ocorreu a maioria das mortes causadas por Covid-19. Durante a pandemia, Giammattei não fechou a indústria manufatureira ou qualquer outra indústria. Por esse motivo, a economia da Guatemala não foi tão profundamente afetada quanto a do resto da América Central. No entanto, isso custou a morte de milhares de guatemaltecos, que deram suas vidas para manter a indústria em funcionamento. Como se não bastasse, os guatemaltecos tiveram que enfrentar a chegada de dois furacões, que deixaram danos materiais e mais de 150 mortos na região norte do país. Mais uma vez, o governo tem sido péssimo ao lidar com essas crises. Isso está gerando uma raiva enorme dos oprimidos, contra o Estado e o governo de Giammattei.

A crise atual eclodiu com a aprovação de um orçamento que inclui cortes em todas as áreas sociais, mas mantém os privilégios da elite governante. Esse orçamento, que o Congresso da Guatemala aprovou sob proposta de Giammattei, inclui cortes na saúde, na educação e nas instituições que buscam reduzir a pobreza e a exclusão social, segundo as Metas do Milênio da ONU. Ao contrário, o orçamento de defesa (militar e policial) recebeu um aumento considerável, assim como os gastos do governo.

Esse orçamento era realmente ofensivo para as classes exploradas. A Guatemala tem a maior economia da América Central, com um PIB de US$ 70 bilhões por ano. Mesmo assim, possui um número enorme de pessoas pobres, com altos índices de desnutrição e emigração. Ao mesmo tempo, uma pequena minoria acumula milhões de dólares em lucros. A Guatemala também tem o bilionário mais rico de toda a América Central. Estes são os verdadeiros amos do país e os que puxam os cordões políticos.

Por outro lado, temos uma ampla camada de parasitas-políticos de todos os partidos no Congresso, formada por 160 políticos que ganham em torno de US$ 20 mil por ano, e o presidente Giammattei que, para não ficar para trás, ganha um salário de US$ 18 mil por mês. Tudo isso em uma sociedade onde centenas de famílias sobrevivem com menos de dois dólares ao dia.

Os protestos pela renúncia de Giamattei estão se espalhando /Foto: Carlos Sebastián

Esses cortes no orçamento desencadearam a raiva da juventude. A burguesia dividida tenta controlar a crise e aproveitar os eventos para seu próprio benefício. No sábado, 21 de novembro, o vice-presidente solicitou a renúncia do presidente, juntamente com todo o gabinete, momento em que também apresentaria sua renúncia ao cargo de vice-presidente.

Os protestos pela renúncia de Giammattei estão se espalhando e tendem a estar carregados de raiva, o que é óbvio. Os jovens, as mulheres e os mais pobres são aqueles que sofreram o impacto da crise de saúde, provocada pela Covid-19 e pelos furacões. Cidades como Petén entraram na luta.

O movimento, como na maioria dos países, carece de um programa e de uma liderança que se esforce para derrubar o sistema, que é a causa de todas as crises. A Guatemala já passou pela experiência de mudar o presidente sem mudar o sistema, mas a corrupção e os males do capital continuam se aprofundando. Isso prova que não são apenas os governos, mas todo o sistema capitalista que deve ser derrubado.

O movimento deve armar-se com um programa socialista revolucionário: um programa que proponha a expropriação de todos os grandes capitalistas e coloque a riqueza (produzida por todos os explorados do país) à disposição de todos, para acabar com a fome, a falta de moradia, as doenças e a exclusão social.

Por enquanto, não há alternativa real para as classes oprimidas substituírem o governo corrupto e odiado. As massas devem se organizar e apresentar as tarefas seguintes. Não se trata apenas de deter os cortes com a luta, o que é extremamente positivo; trata-se, também, de acabar com a dominação da classe dominante parasita e de seu Estado, e de substituí-los por um Estado dos trabalhadores, mulheres, indígenas, jovens e todos os oprimidos.

O que está acontecendo na Guatemala não está desconectado do que acontece no Chile, Peru e Equador. Existe uma relação estreita: crise econômica, corrupção, aumento da pobreza, desemprego e exploração. Todos esses problemas são produtos de um sistema falido, um sistema desumano que deve ser derrubado.

As classes dominantes estão cada vez mais incapazes de manter regimes estáveis em seus próprios países. A democracia burguesa é inútil em tempos de crise econômica. Diante dessa situação, surgirão todos os tipos de movimentos, com todos os tipos de ideias – algumas confusas e contraditórias. Poderia ser de outra forma, se, afinal, os partidos da classe trabalhadora traíram sua classe e se tornaram parte do sistema?

Um movimento de massa pode explodir na Guatemala se a crise do regime não for resolvida a tempo. Toda a matéria-prima para uma explosão social está presente na sociedade guatemalteca. Podemos ter outro 2015 na Guatemala, ou algo ainda mais significativo.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM