Há 13 anos, o massacre de Gaza

O conflito entre Israel e Palestina possui implicações históricas já apresentadas em diversos artigos da Esquerda Marxista e da Corrente Marxista Internacional, onde expressamos a posição revolucionária para mais este caso da barbárie capitalista. Dentre estas análises, indico um artigo de fevereiro de 2020 que esclarece a questão do Estado nesta guerra, intitulado “Uma visão marxista do conflito Palestina-Israel e a Guerra Imperialista”.

Já no presente texto, a intenção é relembrar os processos da hedionda invasão e massacre de Gaza, a assim chamada pelas forças reacionárias de Israel Operação Chumbo Fundido, iniciada em 27 de dezembro de 2008 e finalizada em 18 de janeiro de 2009. Tal operação completa 13 anos na última semana, período onde as vidas dos trabalhadores da região de Gaza continuam calamitosas e trágicas. Um horror sem fim, como é o capitalismo. 

Ao discutirmos esta invasão, é fundamental relembrarmos que um ano antes da operação, os capitalistas haviam firmado um acordo na Conferência de Annapolis, realizada pelo governo norte-americano dirigido por George W. Bush, em novembro de 2007. Este encontro, sediado em uma academia naval do estado de Maryland, nos EUA, congregou 40 líderes mundiais com a suposta perspectiva de paz e, até mesmo, a criação de um Estado palestino que poderia coexistir com o Estado de Israel. Chefes das classes dominantes árabes à mesa com os burgueses ocidentais em um jogo de cenas de um acordo natimorto. 

A invasão

“1,5 milhão de palestinos na Faixa de Gaza vivem há uma semana em absoluto terror, 3 mil foram feridos ou mortos” – Ryan Mansour, observador das Nações Unidas na Palestina, em 2009.

“Mais uma vez, o mundo observa perplexo como o Conselho não funciona” – Miguel D’Escoto, presidente da Assembleia Geral da ONU, em 2009

Esta ação das conhecidas Forças de Defesa de Israel foi criminosa ao ponto dos representantes burgueses humanitários precisarem criticar veementemente o massacre imposto a partir de 3 de janeiro de 2009. Na realidade, antes da invasão terrestre, o chicote sionista já violentava o povo palestino com ataques aéreos na região de Gaza. Os ataques se justificavam supostamente contra o Hamas, partido reacionário palestino que dirige o Conselho Legislativo deste país. Entretanto, foi a população, majoritariamente sem qualquer relação direta com o Hamas, que sofreu todos os atentados israelenses, ficando sem água, comida, mantimentos médicos e segurança antes mesmo dos atos de 3 de janeiro.

A invasão ao território palestino também contou com bombardeios de aviões de guerra, helicópteros, artilharias e forças navais na costa de Gaza, como demonstração da força sionista. Apesar da relativa organização militar do Hamas, a potência de Israel é incomparável, sendo um exército moderno, altamente equipado e treinado. Assim, em uma rápida operação, o exército israelense cortou o acesso à cidade de Gaza, cercou-a e tomou-a, fazendo refém a população palestina, sobretudo a classe trabalhadora do país, fazendo-a agonizar pela miséria e risco da morte. 

Como vimos nos exemplos das declarações acimas, lideranças ocidentais cinicamente protestaram contra a invasão, como se estes líderes, principalmente Bush, não fossem do pelotão de frente do terrorismo mundial. Mas diante destas queixas de governos que mataram mais pessoas do que o saldo final desta invasão em Gaza, os israelenses não ruborizaram com os puxões de orelha feitos por meio dos meios de comunicação mais importantes da imprensa. Eles continuaram sua guerra, inclusive para justificar a existência de tamanha força militar que o Estado de Israel possuía e tem aumentado na atualidade, financiado em grande medida pelos Estados Unidos, como vemos em contas abertas citadas no artigo indicado no início deste texto.

Para contrapor as críticas, o governo de Israel afirmava sua versão de que os foguetes do Hamas eram uma ameaça inigualável à segurança do seu país, especialmente para o sul, mesmo que a letalidade destes ataques dos reacionários islâmicos fosse irrisório. A “guerra ao terror” israelense escondia o assassinato de crianças à sangue frio na invasão à Gaza buscando dar a culpa de toda a crise e o histórico conflito ao grupo político do Hamas. 

Pelo lado do Hamas, seus porta-vozes rugiam praticamente sem dentes para morder. Diziam que a resposta à invasão tornaria a Faixa de Gaza em um “cemitério de soldados israelenses”, algo bem longe da realidade, já que a resistência deste grupo era limitada diante do avanço implacável de Israel. Ainda assim, nas regiões densamente povoadas, onde o poderio israelense teve de se defrontar com maiores dificuldades, a guerra não fora tão fácil, nem para os soldados, muito menos para os civis, onde o número de vítimas e da destruição das condições básicas de vida explodiu. 

Claramente, todo este processo, até nossos dias, mexe profundamente com a opinião pública internacional. Com a população comum, os trabalhadores que assistem as cenas e as tragédias, a emoção é manipulável. Neste sentido, é fundamental os marxistas explicarem que tais sentimentos diante a guerra, a invasão e os massacres não devem ditar orientações sobre guerras justas ou injustas, corretas ou criminosas. Estes valores não dizem respeito aos interesses da classe trabalhadora de todo mundo. 

O único valor que interessa para os trabalhadores, jovens e crianças que são violentados e morrem em conflitos como este é o da sobrevivência, onde a guerra justa e justificável é a empreitada dos oprimidos contra os opressores, de nós trabalhadores contra a classe dominante, em qualquer circunstância que seja, na beligerância ou na suposta paz. E é disso que se tratou e se segue a guerra em Gaza, onde um povo explorado e em miséria busca sobreviver lutando por seus direitos mais básicos contra o Estado imperialista moderno, armado e altamente financiado de Israel. Os demais sentimentos e questões são subordinados a esta estrutura. 

Ressaltamos que os marxistas condenam historicamente atos terroristas, como do Hamas. Longe do discurso pacifista pequeno-burguês, entendemos que tais táticas, como dos foguetes lançados da Palestina para o Israel, como uma suposta resposta ao imperialismo são absolutamente contraproducentes. Mas, novamente, relembramos que até mesmo a imprensa burguesa noticiava à época que a quantidade de ataques do Hamas diminuía mês a mês, sendo ainda mais injustificada a guerra empreendida pelo sionismo, principalmente por tamanha desproporção de força. Em uma semana de invasão, estima-se que 500 palestinos foram mortos, sendo mais de 125 civis, enquanto 5 israelenses foram abatidos, sendo 2 destes soldados. 

Para Israel, ao contrário desta sua justificativa oficial (a segurança do sul do país), a guerra já havia começado há tempos, essencialmente em sua forma econômica com bloqueios que estrangularam a vida dos trabalhadores, ao passo que Israel também expandia sua ocupação da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, região árabe. As animosidades são históricas, mas se acirraram em 2006 com a vitória eleitoral do Hamas para o legislativo palestino, onde a população elegeu este grupo político pela fracassada promessa de paz e prosperidade das sanguinárias Intifadas e da corrupção do Fatah e sua colaboração com Israel. 

Os “democratas” burgueses pregam as eleições, a democracia e o respeito ao resultado do voto até que esse mesmo processo legal eleja um grupo político que não serve a seus interesses. Foi este movimento que fez todo o ocidente e Israel abrir fogo contra o Hamas, atiçando e financiando o Fatah para a guerra civil na Palestina contra o novo governo eleito, iniciada no mesmo ano. A vitória do Hamas também nas armas, após tentativa de golpe do Fatah, enfureceram Israel, os EUA e a União Europeia, que se viam mais distantes do poder na região de Gaza, decidindo então punir o povo trabalhador palestino em uma sequencia de atos violentos de ambos os lados, com breves hiatos, até a invasão de 2009.

Concretamente, os objetivos de Israel com a invasão foram o esmagamento militar do Hamas, a intimidação à população de Gaza e o aviso à região e ao mundo, especialmente ao mundo árabe, que o poder daquela faixa do mundo está em suas mãos. Evidente que não foram ingênuos os líderes israelenses ao pensar que fariam isso apenas em uma ofensiva, a Operação Chumbo Fundido. Trata-se, portanto, de uma permanente ação, estendendo-se mesmo com a retirada oficial das tropas da Faixa de Gaza, em 19 de janeiro de 2009, como vemos até a atualidade com os consecutivos ataques de Israel à Palestina. Essas ações também são resultado das necessidades políticas internas da classe dominante israelense, buscando sua continuidade no poder do país, seja ela pela fração que for, dos trabalhistas, como de Ehud Barak, dirigente do partido naquela ocasião, aos chauvinistas, representados mundialmente por Benjamin Netanyahu. 

Em um saldo generoso aos opressores de Israel, os relatórios da ONU apresentam 1.315 palestinos mortos contra 13 israelenses. Vale lembrar que a guerra em Gaza também serviu para amenizar a derrota militar de Israel no Líbano, em 2006, devolvendo credibilidade às suas forças armadas. Isto é, milhares de vidas ceifadas, sendo grande parte de civis sem qualquer relação com o Hamas, para um processual alcance dos objetivos da classe dominante sionista. 

Sem ilusões e soluções reformistas, os marxistas compreendem que é impossível a paz entre estes povos sob o regime da propriedade privada dos meios de produção, agravada pelas ideologias do sionismo e dos radicais islâmicos. O conflito será permanente enquanto não houver um processo revolucionário de massas que defenda a unidade de um Estado laico para os dois povos.

A complexidade desta região exigirá muito mais cuidado e compreensão de medidas transitórias entre árabes e judeus, em um processo revolucionário como defendemos. Isto significa travar a luta contra os capitalistas de Israel e o imperialismo, bem como contra as classes dominantes árabes, pois são estes os inimigos dos trabalhadores destas regiões, causadores das destruições e misérias em suas vidas. 

Desta forma, a lembrança da invasão de Gaza em 2009 e toda nossas ações, declarações e solidariedades aos que sofrem entre Israel e Palestina devem ser sempre imbuídas da chama revolucionária que arde em nosso tempo. Trata-se da luta contra o regime burguês, que deve ser superado com a construção de um Estado único e laico com direitos iguais para os povos, o socialismo!

Indicamos também o artigo “The invasion of Gaza: what did it mean? – Part One”, da Marxist Studants, que detalha o processo e, principalmente, os interesses capitalistas nesta invasão e guerra. Disponível em: http://www.marxist.com/middle-east-annapolis-palestine061207.htm