Enquanto os anos 1960 se tornavam os anos 1970, Hobsbawm deixou de defender a economia nacionalizada planificada e passou a fazer parte da tendência eurocomunista dentro do Partido Comunista. Ali, proporcionou as justificações teóricas não somente para a dissolução do Partido Comunista, como também para uma virada à direita do Partido Trabalhista na Grã-Bretanha, algo que lhe valeu o apelido de “marxista favorito de Kinnock”
Enquanto os anos 1960 se tornavam os anos 1970, Hobsbawm deixou de defender a economia nacionalizada planificada e passou a fazer parte da tendência eurocomunista dentro do Partido Comunista. Ali, proporcionou as justificações teóricas não somente para a dissolução do Partido Comunista, como também para uma virada à direita do Partido Trabalhista na Grã-Bretanha, algo que lhe valeu o apelido de “marxista favorito de Kinnock”.
O rompimento de Hobsbawm com o estalinismo
Em 1956, Kruchev expôs os crimes do estalinismo no 20o Congresso do PCUS. Isto caiu como uma bomba sobre as cabeças dos que, como Hobsbawm, tinham servilmente defendido o estalinismo durante anos.
Embora tivesse rompido com o estalinismo, Hobsbawm persistiu justificando seu passado estalinista, cobrindo suas pegadas até o fim. Em um de seus últimos livros, ironicamente intitulado Como mudar o mundo, é isto o que escreve sobre os famosos Julgamentos de Expurgo de Stalin:
“É impossível entender a relutância de homens e mulheres de esquerda de criticar, ou mesmo muitas vezes de admitir para si mesmos, o que estava acontecendo na URSS naqueles anos, ou dos críticos de esquerda do isolamento da URSS, sem perceber que na luta contra o fascismo, o comunismo e o liberalismo estavam, em um sentido profundo, lutando pela mesma causa. Para não mencionar o fato mais evidente de que, nas condições dos anos 1930, o que Stalin fez foi um problema russo, embora assustador, considerando que Hitler estava ameaçando por todos os lados” (Como mudar o mundo, p. 268).
Os infames Julgamentos de Moscou não foram nada mais que uma guerra civil unilateral movida por Stalin contra o Partido Bolchevique. Para consolidar seu regime burocrático totalitário, Stalin viu-se compelido a exterminar todos os camaradas de Lênin. Como qualquer outro criminoso comum, ele não queria nenhuma testemunha que pudesse testemunhar contra ele.
Estes monstruosos julgamentos-espetáculo foram montados na base de confissões extraídas através de chantagens, torturas e surras. As acusações contra os arguidos eram tão manifestamente falsas que muitas pessoas na época tinham dúvidas de sua veracidade. Além disto, elas foram exaustivamente expostas como uma fraude gigantesca pela Comissão Dewey.
Estalinistas proeminentes britânicos como Campbell e Pritt escreveram um monte de livros tentando mostrar que os julgamentos de Moscou foram completamente legais e justos. Seguindo as instruções de Moscou, o Daily Worker estampou uma manchete em grandes letras: “Fuzilem os répteis!”. Eles descreveram os acusados nos termos mais vis: ”Eles são ‘úlceras fétidas e pustulentas, e nós fervorosamente ecoamos o veredicto dos trabalhadores: Fuzilem os répteis!” (Daily Worker, 24 de agosto de 1936).
De tudo isto nosso amigo não tem absolutamente nada a dizer. Sua única preocupação não é de denunciar estas monstruosidades, que só podem se comparar às atividades assassinas da Inquisição Espanhola, mas apenas de justificar a cumplicidade de pessoas como ele próprio, Pritt e Campbell, que estavam sempre prontos para apoiar cada um dos crimes de Stalin.
Hoje em dia, quando todos estão bem informados dos crimes de Stalin, Hobsbawm não pode mais defendê-lo. Mas está ansioso por encontrar desculpas para o seu comportamento passado. Estava correto dar apoio aos Julgamentos-expurgo “devido à necessidade de se lutar contra o fascismo”. Sobre o panfleto que escreveu em conjunto com Raymond Williams defendendo o Pacto Hitler-Stalin, mais uma vez, nada tem a dizer. Presumivelmente, também deve ter feito parte da “luta contra o fascismo!”.
As revelações de Kruchev imediatamente provocaram fermentação revolucionária na Europa do Leste, que levou a protestos de massas na Polônia e a um levantamento da classe trabalhadora na Hungria. Em outubro de 1956, a Revolução Húngara foi brutalmente suprimida pelos tanques soviéticos. Isto provocou uma série crise nos Partidos Comunistas, inclusive na Grã-Bretanha, quando muitas pessoas o abandonaram em protesto.
Hobsbawm mais tarde alegou que ele denunciou a invasão russa da Hungria e que escreveu ao jornal do PC para protestar. Isto, na melhor das hipóteses é apenas uma meia-verdade. Foi isto o que realmente escreveu na carta que publicou em nove de novembro de 1956 no Daily Worker:
“Todos os socialistas devem ser capazes de entender que uma Hungria Mindszenty [Mindszenty era o cardeal católico em Budapeste], que provavelmente teria se tornado uma base para a contrarrevolução e intervenção, poderia ser um perigo grave e agudo para a URSS, Iugoslávia, Checoslováquia e Romênia, que têm fronteira com ela.
“Se estivéssemos na posição do governo soviético, teríamos interferido; se estivéssemos na posição do governo iugoslavo, teríamos aprovado a intervenção”.
Hobsbawm em seguida vai cobrir o seu traseiro – ele descreve o esmagamento do povo húngaro como uma “necessidade trágica”:
“Ao aprovar, com o coração pesado, o que está acontecendo na Hungria agora, devemos então dizer também francamente que pensamos que a URSS deveria retirar suas tropas do país o mais rápido possível.
“Isto deve ser dito publicamente pelo Partido Comunista Britânico se o povo britânico tiver qualquer confiança em nossa sinceridade e julgamento; e, se o povo não tiver esta confiança, como poderemos nós esperar que ele siga nossa liderança?
“E se o povo não segue nossa liderança, como podemos esperar ajudar a causa dos Estados socialistas existentes dos quais sabemos que o socialismo no mundo, e na Grã-Bretanha depende?”.
Isto não se pode apresentar como uma “denúncia” de nada, mas como uma forma covarde de cobrir todos os atalhos ao mesmo tempo. Uma atitude tão desonesta era uma característica absoluta de Hobsbawm de princípio ao fim.
“Eurocomunismo”
Enquanto muitos membros do PC tivessem rasgado seus cartões do partido com nojo, ele continuou membro do Partido Comunista Britânico até pouco antes deste ser dissolvido em 1991. Em um artigo em World News, de 26 de janeiro de 1957, respondendo ao Secretário-Assistente do Partido Comunista, George Matheus, ele escreveu:
“Temos apresentado os fatos erroneamente, ou falhado em enfrenta-los, e desafortunadamente, embora tenhamos iludido poucas outras pessoas, nós nos iludimos a nós mesmos. Não me refiro primariamente aos fatos revelados no Vigésimo Congresso e outros da espécie. Muitos de nós tínhamos fortes suspeitas sobre eles, o equivalente de certeza moral, durante anos antes do discurso de Kruchev, e fico surpreso que o camarada Mathews não tivesse nenhuma. Havia razões prementes naquele momento de ficar calado, e tivemos razão em fazê-lo. Não, os fatos onde realmente falhamos de enfrentar são aqueles sobre a Grã-Bretanha, nossas tarefas e nossos erros”.
O rompimento de Hobsbawm com o estalinismo poderia ter sido um passo a frente se tivesse significado um retorno às genuínas tradições de Lênin e do Partido Bolchevique. Mas, em vez de ir na direção de Lênin, Hobsbawm e outros defensores do suposto Eurocomunismo decidiram jogar fora o leninismo no total. O PC europeu que cresceu de forma mais independente de Moscou, tornou-se o mais dependente de sua burguesia nacional.
Foi este um desenvolvimento que Trotsky havia predito em seu panfleto de 1928, Crítica do Projeto de Programa da Internacional Comunista, onde ele previne que a adoção da “teoria” do Socialismo em um só País poderia acabar na degeneração nacional-reformista dos partidos na Internacional Comunista. Com um atraso de alguns anos, foi isto exatamente o que aconteceu. Os PCs italiano, francês e espanhol afastaram-se do controle de Moscou, mas ao fazer isto abandonaram qualquer pretensão de continuar seguindo as ideias de Marx, Engels e Lênin.
Hobsbawm se tornou na principal estrela da facção eurocomunista no PCGB que começou a se cristalizar depois de 1968, quando do PCGB criticou a invasão soviética da Checoslováquia. Mas ele fez isto do ponto de vista do nacionalismo estreito. Ele queria que o Partido Britânico tivesse o controle de seus assuntos, livre da ingerência de Moscou. Da mesma forma, os líderes dos partidos italiano, francês e espanhol estavam exigindo a mesma coisa.
Na Grã-Bretanha, o jornal teórico do PCGB, Marxism Today, tornou-se o órgão da facção da tendência revisionista. Em setembro de 1978, ele publicou o discurso de Hobsbawm “A Classe Trabalhadora Britânica, um Século depois de Marx” no qual ele alega que a classe trabalhadora estava perdendo inevitavelmente seu papel central na sociedade, e que os partidos de esquerda não mais poderiam se basear nesta classe. Isto foi precisamente em um período de crescente militância sindical, quando a Grã-Bretanha se tornou o cenário de greves de massas que causaram um choque na classe dominante, e militantes do Partido Comunista tiveram um papel de liderança nelas.
Hobsbawm escolheu este momento para realizar uma palestra no Memorial de Marx, mais tarde publicada como A Marcha a Frente da Classe Trabalhadora foi detida? Ele começou questionando o papel central da classe trabalhadora na revolução socialista. Isto se tornou um apelo a todas as tendências pequeno-burguesas e revisionistas, tanto dentro quanto fora do movimento dos trabalhadores. O antigo jornal do PCGB, The Morning Star, publicou um obituário em cinco de outubro no qual lemos o seguinte:
“Escrevendo em um momento em que o movimento sindical se encontrava no pico de sua força – e a esquerda influenciando altamente dentro dele – Hobsbawm argumentou que a classe trabalhadora manual se encontrava em declínio numérico e que o caráter de sua política era inerentemente economicista, preso dentro dos limites do auto interesse nas barganhas salariais, e que consequentemente a esquerda tinha de olhar no futuro para alianças mais amplas e para os movimentos sociais.
“Esta palestra tornou-se um texto icônico para aquela ala dentro do Partido Comunista que procura se orientar afastando-se da política de classe e desafia os elementos fundamentais do marxismo”.
As ideias revisionistas não caíram das nuvens. Depois de décadas de política oportunista e com a enorme pressão do capitalismo na prolongada retomada do pós-guerra, o processo de degeneração nacionalista e reformista dos Partidos Comunistas estava completo. Eles se tornaram reformistas como qualquer outra organização reformista. Rompendo com Moscou, eles sentiram-se crescentemente sob a pressão de sua própria classe capitalista e da opinião pública burguesa. Este era o real significado do assim chamado eurocomunismo.
Hobsbawm tirou todas as conclusões erradas do golpe no Chile em 1973. Para ele, a lição não era que Allende tivesse fracassado em mobilizar e armar a classe trabalhadora para esmagar a contrarrevolução, mas, pelo contrário, que Allende tinha ido longe demais e rápido demais. Ele sustentou a linha reformista do PC italiano, a linha do “compromisso histórico”, isto é, a linha da colaboração de classe.
Nos anos 1960 e 1970, ele estabeleceu laços com a ala direita do Partido Comunista Italiano que defendia um rompimento com a União Soviética. Hobsbawm sempre foi admirador do Partido Comunista Italiano. De todos os partidos, o PCI era o mais degenerado e de direita. Ele se tornou amigo próximo de Giorgio Napolitano, que desde os anos setenta era o líder da ala direita do PCI. Ele era o mais reformista dos reformistas, um homem que era tão confiável à burguesia italiana que esta fez dele Presidente da República.
Em 1977, ele encenou uma longa entrevista com Giorgio Napolitano, então secretário internacional do Partido Italiano (PCI) e um dos líderes da ala eurocomunista. Mais tarde ele a publicou na forma de um livro, O Caminho Italiano ao Socialismo, onde Napolitano diz o seguinte:
“O único caminho realista aberto à transformação socialista na Itália e na Europa Ocidental – em condições de paz – encontra-se na luta dentro do processo democrático”.
A política de “alianças amplas” é um retorno às políticas dos mencheviques, que foram ferozmente contestadas por Lênin e ressurgiram através de Stalin na forma da frente popular, que levou a derrotas após derrotas. A ideia de reformas graduais é inseparável da posição da Socialdemocracia. A ideia de que é possível reformar o capitalismo gradualmente é negada por toda a história dos últimos 100 anos. O resultado deste “realismo” pode ser visto hoje: o uma vez todo-poderoso PCI foi completamente liquidado.
Com a queda do estalinismo depois de 1989, este processo de degeneração ainda mais se intensificou. Na Bélgica, Grã-Bretanha e Noruega, os Partidos Comunistas virtualmente entraram em colapso, em consequência. Na Itália, o outrora poderoso PCI se transformou em um partido burguês pela mão de seus líderes eurocomunistas. Na Grã-Bretanha, o antigo “teórico” do Partido Comunista, Eric Hobsbawm, capitulou completamente perante o capitalismo e se posicionou à direita da esquerda trabalhista.
Hobsbawm se move à Direita
O declínio literário de Hobsbawm decorreu em paralelo a sua degeneração política e está intimamente ligado a isto. Mas de onde veio esta degeneração? Para responder esta questão, deve-se primeiro entender o contexto histórico em que esses livros foram escritos.
Os anos 1960 viram uma vaga de radicalização, em especial entre os estudantes, e isto deve ter influenciado Hobsbawm. O processo se aprofundou nos anos 1970, que começaram com a primeira recessão mundial desde 1945. Seguiu-se uma onda de revoluções e fermentação revolucionária em Portugal, Espanha, Grécia, Itália e França. A própria Grã-Bretanha foi varrida por uma onda de greves. Não pode haver dúvida que estes acontecimentos devem ter tido uma influência positiva nos escritos de Hobsbawm, e não é acidental que seus melhores livros foram publicados em torno deste período.
Em abril e maio de 1974, acompanhando a derrubada da ditadura de Caetano, milhões de trabalhadores portugueses foram às ruas em um movimento revolucionário que varreu tudo diante de si. O Partido Comunista apoiava o general Spínola, que mais tarde tentou organizar um golpe de estado de direita. Isto só foi evitado pelo movimento dos trabalhadores e dos soldados rasos.
Em março de 1975, The Times escreveu um editorial com o título: “O Capitalismo está morto em Portugal”. E este deveria ter sido o caso. Naquele tempo, a maioria da economia tinha sido nacionalizada e o poder estava, na prática, nas mãos da classe trabalhadora. Mas a coisa toda foi desfeita pelas políticas dos líderes dos Partidos Socialista e Comunista. A mesma coisa aconteceu na Espanha.
A morte de Franco em novembro de 1975 foi o sinal para um período revolucionário tumultuoso, com greves de massas e manifestações. Havia elementos de poder dual. O movimento tinha caráter claramente anticapitalista. O Partido Comunista se encontrava em posição extremamente poderosa. Tinha em suas fileiras uma vanguarda formada em sua grande maioria por proletários. Mas, como nos anos 1930, a liderança tinha uma política de colaboração de classe.
Em 1973, quando a ditadura estava cambaleando, eles já tinham subscrito a infame “Junta Democrática”, uma coalizão com liberais, antigos fascistas e mesmo alguns partidos monarquistas. Os trabalhadores estavam prontos para tudo. Mas o PCE (Partido Comunista Espanhol) pôs o freio. Em seu congresso de 1978, o Partido formalmente abandonou o Leninismo, embora, verdade seja dita, isto foi apenas um reconhecimento formal do fato de que o partido já tinha abandonado qualquer posição genuinamente revolucionária há muito.
Este período ficou conhecido como “a Transição” (alegadamente da ditadura à democracia), mas de fato era a fraude do século. A odiada monarquia foi mantida e desempenhou um papel central. A Guarda Civil e outros órgãos de repressão foram mantidos. Ninguém foi responsabilizado pelos crimes e atrocidades do velho regime. Os assassinos e torturadores transitavam livremente nas ruas. O povo da Espanha foi exortado a esquecer do um milhão de mortos da Guerra Civil. Nada disto, supostamente, acontecera.
Naqueles anos, a Itália também se encontrava abalada até os alicerces por uma gigantesca vaga de greves. A situação estava se tornando cada vez mais revolucionária. O PCI tinha domínio esmagador do movimento dos trabalhadores. Mas os líderes eurocomunistas como Berlinguer e Napolitano estavam defendendo um “compromisso histórico” com a burguesia e os Democratas Cristãos. Como na Espanha, isto descarrilou e destruiu o movimento. O problema, como na Espanha dos anos 1930, era fundamentalmente um problema de liderança. Os líderes “comunistas” desempenharam um papel chave em fazer abortar movimentos revolucionários em todos os lugares.
Os vermelhos anos 1970, que foram cheios de tanta esperança, finalmente se renderam aos cinzentos anos 1980, um período de desinteresse, desânimo e desespero. Esta onda de desilusão que se seguiu preparou o caminho para um período de semi-reação que começou no início dos anos 1980. Em consequência, o capitalismo sobreviveu e a burguesia gradualmente recuperou os nervos e passou à ofensiva. Os trabalhadores avançados estavam por todos os lados cercados por um clima de ceticismo e pessimismo.
Os escritos de Hobsbawm refletem a desilusão geral com o socialismo que afetou os intelectuais de esquerda daquele tempo. Já em 1978, ele escreveu: “Não temos perspectivas claras de como a crise pode levar à transformação socialista e, para sermos honestos, nenhuma expectativa real de que isto acontecerá”. Aqui, temos a essência destilada do intelectual pequeno-burguês que, incapaz de nadar contra a maré, deserta da luta revolucionária e se retira para trás de um muro de pessimismo.
Hobsbawm e a liquidação do Partido Comunista
Hobsbawm se moveu mais e mais para a direita. Em seus últimos livros quaisquer longínquas conexões com o marxismo que antes existiam desapareceram completamente. A Era do Império (1987) contém grande quantidade de material interessante, mas é inteiramente imbuído do sentimento de que não há alternativa ao capitalismo – uma ideia que obcecou a mente de Hobsbawm até o fim e que condicionou sua evolução política. A conclusão lógica era liquidacionismo. Em comum com muitos esquerdistas e “comunistas”, a visão de Hobsbawm foi influenciada pelo longo período de auge capitalista que se seguiu à II Guerra Mundial. Na base da globalização, o argumento repetidamente avançado pelos burgueses, e particularmente pelos apologistas pequeno-burgueses do capitalismo, era que, de fato, o estado-nação não tem mais sentido.
O mesmo argumento foi avançado por Kautsky no período da Primeira Guerra Mundial (a assim chamada teoria do “super-imperialismo”), quando argumentou que o desenvolvimento do capitalismo monopolista e imperialista gradualmente eliminaria as contradições do capitalismo. Não haveria mais guerras porque o desenvolvimento do próprio capitalismo tornaria aos estados nacionais redundantes. A mesma teoria foi adotada por Eric Hobsbawm, em comum com todos os outros revisionistas.
Este ex-estalinista argumentou que o estado nacional foi apenas um período de transição da história humana, já ultrapassado. Os economistas burgueses avançaram o mesmo argumento ao longo da história. Eles tentam abolir as contradições inerentes ao sistema capitalista meramente negando sua existência. Mas é precisamente neste momento, quando o mercado mundial tornou-se a força dominante do planeta, que os antagonismos nacionais têm adquirido em todos os lugares o caráter de ferocidade e que a questão nacional, longe de ter sido abolida em qualquer lugar, assumiu um caráter particularmente intenso e maligno.
Hobsbawm tentou apresentar o movimento em direção ao livre comércio e à globalização como um processo inevitável e automático, negligenciando todas as contradições e tendências contrapostas. De fato, mesmo a mais superficial análise da história mostra que períodos de maior livre comércio (como antes da Primeira Guerra Mundial) alternam-se com períodos de guerras ferozes e protecionismo (como nos anos 1930), e que a burguesia recorrerá ao protecionismo desde que seus interesses estejam ameaçados.
Isto permanece tão verdadeiro hoje quanto quando Marx ou Lênin estavam vivos. Mas, Hobsbawm não estava mais interessado em defender o marxismo. Nas últimas décadas de sua vida ele se separou cada vez mais do marxismo, como se estivesse ofuscado pelo êxito do capitalismo e da economia de mercado. Sua verdadeira atitude se revelou em sua declaração de que o comunismo era de “limitado interesse histórico” quando comparado ao gigantesco êxito da “economia mista” capitalista de meados dos anos 1950 a 1973, que ele descreveu como “a revolução na sociedade mais profunda desde a Idade da Pedra”.
Em outubro de 1979, Hobsbawm ingressou no Conselho Editorial de Marxism Today, o jornal teórico do Partido Comunista da Grã-Bretanha (PCGB). Junto a Martin Jacques, ele utilizou o jornal como plataforma dos eurocomunistas no partido. Esta ala revisionista de direita não desejava nada menos que a dissolução do PCGB. No início de 1983, Martin Jacques: “já pensava que o PC era impossível de reformar… mas permaneci porque ele necessitava dos fundos partidários para continuar publicando Marxism Today”.
O Partido Comunista Britânico terminou em completo fiasco, dividido em quatro pequenos grupos. O Partido Comunista Espanhol, que poderia ter tomado o poder em 1976-77, é uma sombra do que era. A bancarrota ideológica do PC foi resumida por Chris Myant, secretário internacional do PCGB, que declarou que a Revolução de Outubro foi “um erro de proporções históricas”.
Jacques estava convencido de que o Partido Comunista tinha acabado. Na verdade, do ponto de vista político, ele tinha acabado muito tempo antes. Mas precisou de gente como Hobsbawm e Jacques para agirem como coveiros oficiais. Em 1991, quando a União Soviética colapsou, a liderança eurocomunista dominante do PCGB, conduzida por Nina Temple, expulsou todos os que discordavam, e decidiu dissolver todo o partido.
O Estalinismo veio do Leninismo?
O socialismo, segundo alega Hobsbawm, no final das contas caiu porque, eventualmente, “(…) Quase ninguém acreditava no sistema ou sentia qualquer lealdade por ele, nem mesmo os que o governavam”.
Esta é uma “explicação que não explica nada”. Este homem que durante décadas defendeu o estalinismo sem se ruborizar, agora conclui que deve ter havido alguma coisa errada com a Revolução de Outubro desde o início. Dessa forma, ele ingressa no vagão da orquestra burguesa que atribui todos os crimes do estalinismo a algum pecado original de Lênin e do Partido Bolchevique.
Enquanto defende Stalin de forma sub-reptícia, Hobsbawm dá credenciais para a mais atroz calúnia inventada pelos inimigos burgueses da Revolução de Outubro, a saber, que as raízes do estalinismo se encontram no Bolchevismo, e que Leninismo e Estalinismo são essencialmente o mesmo. O problema desta teoria é que é impossível a partir dela explicar porque Stalin, para consolidar o domínio da burocracia, teve que exterminar todos os velhos Bolcheviques.
A verdade é que Estalinismo e Leninismo se excluem mutuamente. Não há nada em comum entre o regime de democracia dos trabalhadores estabelecida por Lênin e Trotsky e a monstruosidade totalitária que Stalin erigiu sobre os cadáveres dos autênticos Bolcheviques.
Depois da Revolução de Outubro, o jovem Estado soviético foi invadido por 21 exércitos estrangeiros de intervenção que mergulharam o país em um banho de sangue. Mesmo na mais democrática república burguesa, em tempos de guerra os trabalhadores aceitarão certas limitações em seus direitos. Este também foi o caso na Rússia durante a Guerra Civil.
O problema enfrentado pelos Bolcheviques em 1917 era que eles tomaram o poder em condições de extremo atraso. Foi isto, e não qualquer “pecado original” do Leninismo Bolchevismo, que condenou a Revolução Russa à degeneração burocrática.
Em A Ideologia Alemã (1846), Marx já tinha explicado que em qualquer sociedade onde a pobreza é generalizada, toda a velha bosta (“die ganze alte Scheisse”) ressurge. Ele se referia à desigualdade, opressão, burocracia, corrupção e todos os males da sociedade de classe. No início dos anos 1920, Lênin honestamente admitiu que “o nosso estado é um estado dos trabalhadores com deformações burocráticas”. Mas estas eram deformações relativamente pequenas e nada semelhantes ao monstruoso regime mais tarde estabelecido por Stalin. A despeito disso, a classe trabalhadora gozava de mais direitos democráticos que em qualquer outro país.
A grande realização histórica da Revolução Russa foi a de provar muito além de qualquer dúvida que é possível fazer funcionar uma vasta economia como a da URSS sem latifundiários, banqueiros e capitalistas privados e obter excelentes resultado. Isto foi assim porque está claro que nas primeiras décadas de economia nacionalizada e planificada, a União Soviética obteve resultados dos mais notáveis. Nunca foi vista na história uma transformação como a que ocorreu na URSS, de 1917 a 1965.
Depois da morte de Lênin, contudo, sob as condições de atraso assustador, a Revolução Russa sofreu um processo de degeneração burocrática sob Stalin, que eventualmente socavou a economia planificada. Isto finalmente terminou no colapso da União Soviética.
No início de 1936, Trotsky explicou que a burocracia russa não ficaria satisfeita com os enormes privilégios que detinham (mas que, entretanto, não podiam transferir aos seus filhos), e inevitavelmente se moveriam em direção à restauração do capitalismo.
Trotsky apontou que uma economia nacionalizada e planificada necessita de democracia da mesma forma que um corpo humano requer oxigênio. Sem o controle democrático da classe trabalhadora uma economia nacionalizada e planificada inevitavelmente será esmagada pela burocracia, pela corrupção e má gestão. Foi isto exatamente o que aconteceu.
A pavorosa caricatura que Hobsbawm persistiu em chamar de “socialismo” até o fim de sua vida provocou danos colossais à ideia de socialismo e comunismo aos olhos dos trabalhadores do mundo. Durante décadas, Hobsbawm, que nunca foi um marxista genuíno, justificou o totalitarismo estalinista e denigriu aqueles que lutavam pelo retorno das políticas de Lênin (os “Trotskistas”).
Ignominiosamente, mesmo em seus últimos escritos, ele ainda se refere aos regimes estalinistas na Rússia e na Europa do Leste como “socialismo real” ou “comunista”. E, uma vez que o “socialismo” e o “comunismo” fracassaram, ele se adianta para fornecer uma justificativa “teórica” em defesa do capitalismo.
Esta transformação pode parecer contraditória. Na realidade, é muito simples. Pela mesma lógica, a maioria dos antigos líderes do Partido “Comunista” da União Soviética calmamente se transformou em capitalistas e bilionários. Da mesma forma que o Professor Vermelho, eles conseguiram esta transição com a mesma desenvoltura como um homem passa do compartimento de segunda classe ao compartimento de primeira classe de um trem. Esta facilidade notável é explicada, em primeiro lugar, pelo fato de que eles nunca foram comunistas.
Teórico do Novo Trabalhismo
Embora o Partido Comunista Britânico não fosse tão forte quanto seu equivalente italiano, a burguesia ficou, no entanto, muito feliz com sua dissolução. E um papel chave nisto foi desempenhado pelo Professor Hobsbawm. Não somente Hobsbawm participou ativamente na destruição do PCGB a partir de dentro, ele também ativamente colaborou com a ala de direita do Partido Trabalhista na derrota da esquerda. Isto foi ainda mais valioso para o Establishment.
Hobsbawm e Jacques desejavam dissolver o PCGB na “esquerda”, particularmente na esquerda mansa em torno de Neil Kinnock do Partido Trabalhista. Não foi, pois, por acaso que quando morreu Hobsbawm, o líder da ala direita dos Trabalhistas, Ed Miliband, não tenha perdido tempo em ingressar no coro das lisonjas.
De acordo com Miliband, Hobsbawm era:
“(…) Um extraordinário historiador, um homem apaixonado por sua política e um grande amigo de minha família (…). Mas não era simplesmente um acadêmico, ele se preocupava profundamente com a direção política do país. De fato, foi ele um dos primeiros a reconhecer os desafios do Trabalhismo no final da década de 1970 e nos anos 1980 perante a mudança da natureza de nossa sociedade.
“Ele também foi um homem amável, com quem eu tive algumas das mais estimulantes e desafiadoras conversas acerca da política e do mundo”.
De que forma Hobsbawm “reconhece os desafios do Trabalhismo no final da década de 1970 e nos anos 1980”? E que papel desempenhou na criação do Novo Trabalhismo? Como muitos da esquerda nos anos 1980, Hobsbawm estava mergulhado no pessimismo. Ele não tinha nenhuma confiança na classe trabalhadora ou na perspectiva do socialismo. Este humor cético se refletiu em seu artigo de 1982, A situação da esquerda na Europa Ocidental, que apresenta um quadro sombrio:
“(…) ao contrário dos anos 1930, a esquerda hoje não pode apontar para uma alternativa de sociedade imune às crises (como a URSS parecia ser), nem para quaisquer políticas concretas que prometam superá-las no curto prazo (como o keynesianismo ou políticas similares pareciam prometer depois)”.
Com vimos, Hobsbawm tinha já descartado completamente a classe trabalhadora:
“A classe trabalhadora manual, o coração dos partidos socialistas tradicionais dos trabalhadores, hoje está se contraindo e não se expandindo. (…) Ela foi transformada, e de certa forma dividida, durante décadas, quando seus padrões de vida alcançaram níveis inimagináveis acima mesmo dos melhor pagos em 1939. Já não se pode mais assumir que todos os trabalhadores estão a caminho de reconhecer que sua situação de classe deve se alinhar por trás de um partido socialista dos trabalhadores, mas existem ainda muitos milhões de trabalhadores que acreditam nisto”.
Essas ideias eram música nos ouvidos da burguesia e da ala direita dos Trabalhistas (que são basicamente a mesma coisa). Eles imediatamente reconheceram no Professor Hobsbawm um aliado muito valioso. Suas ideias proporcionaram uma útil justificativa teórica para a ala direita do Partido Trabalhista, que estava envolvida em uma amarga luta contra a esquerda do Partido. Não foi por acaso que a imprensa, particularmente The Guardian, lhes deu amparo naquele momento.
A classe dominante tinha sofrido um choque desagradável quando os marxistas conseguiram conquistar considerável influência dentro do Partido Trabalhista nos anos 1970. Eles organizaram uma divisão à direita, o Partido Social Democrático, a fim de socavar o Trabalhismo e, ao mesmo tempo, maquinar uma vasta caça às bruxas contra a Tendência Militante e a esquerda trabalhista, particularmente contra Tony Benn. Seu principal agente na campanha para derrotar a esquerda trabalhista e empurrar o Partido Trabalhista para a direita foi o arqui-carrreirista Neil Kinnock.
Hobsbawm entusiasticamente apoiou a luta de Neil Kinnock contra a esquerda trabalhista, encabeçada por Tony Benn, e a Tendência Militante. Por seu lado, Kinnock falou com aprovação (ou com ironia) de Hobsbawm como “meu marxista favorito”. Isto ocorreu no momento em que ele organizava a caça às bruxas contra os marxistas no Partido Trabalhista.
Segurando obedientemente o seu porrete fornecido pelo Establishment e pela mídia, ele começou a luta contra a esquerda com o zelo de um cruzado, o que causou uma danosa divisão no Trabalhismo, desmoralizando seus ativistas e fazendo-o perder apoio. Em consequência, a despeito da impopularidade do governo Thatcher, isto teve êxito em fazer perder duas eleições gerais.
Este parvenu boquirroto detinha o invejável recorde de ser o líder mais longevo da Oposição na história política da Grã-Bretanha até a data, e que nunca chegou a ser primeiro-ministro. Entrevistado no Canal Quatro [BBC] um dia depois da morte de Hobsbawm, Kinnock, em seu habitual estilo de “garoto” petulante, gabou-se de ter usado os argumentos desse “marxista” para combater “à esquerda Bennista e à Tendência Militante”, aduzindo que quando ele conversou sobre isto com Hobsbawm, “Eric achou que era uma boa ideia”.
Após a derrota eleitoral de 1983, Hobsbawm defendeu uma aliança com os traidores da ala direita que se separou do Trabalhismo – o Partido Social Democrático e seus aliados liberais, apresentando-os como “forças anti-Thatcher”. Esta política Lib-Lab (Liberal-Trabalhista) foi a base na qual o Blairismo se fundamentou. O próprio Blair acreditava que o Partido Trabalhista nunca deveria ter sido fundado, e advogava por se ligar estreitamente com os liberais – uma posição ainda mantida pela direita trabalhista.
A resvalada à direita de Hobsbawm terminou dessa forma com ele diretamente no campo do Blairismo e da ala de direita do Partido Trabalhista Britânico, para os quais ele se tornou consultor e ideólogo. Ele era o “marxista favorito” de Kinnock pela simples razão de que não era mais marxista. Seu único papel era o de proporcionar à ala direita do Trabalhismo, argumentos “profundos” que justificassem sua luta contra os marxistas no Partido Trabalhista.
Para justificar seu apoio ativo ao Novo Trabalhismo, Hobsbawm disse que era “melhor ter um governo trabalhista a não tê-lo”. Mais tarde, quando o nome de Tony Blair fedia mais que um gambá e que não era mais possível para ninguém da esquerda sequer remotamente defendê-lo, Hobsbawm fez algumas críticas frouxas a ele. Esta foi uma tentativa de cobrir o traseiro e de fazer as pessoas esquecerem que suas teorias revisionistas de direita ajudaram a preparar o terreno para a Terceira Via, Novo Trabalhismo, Tony Blair e tudo o mais.
Alguns tentaram defender sua capitulação ao Blairismo apontando que ele foi crítico da condução da “guerra ao terrorismo” e que acusou os EUA de tentar “recolonizar” o mundo. Isto não quer dizer muita coisa, quando a vasta maioria das pessoas na Grã-Bretanha se opôs à invasão do Iraque e o barato antiamericanismo é, de todas, a mais desvalorizada moeda dos antigos estalinistas de “esquerda”.
A direita trabalhista tem toda razão em ser grata a este homem. Mas a esquerda não tem nenhuma.