Fotos: Corpo de Bombeiros PMESP

Incêndio na Cinemateca coloca a questão: Socialismo ou Barbárie

Na quinta-feira (29), um incêndio ocorreu no galpão da Cinemateca Brasileira da Vila Leopoldina – SP, destruindo grande parte do acervo histórico do cinema, incluindo alguns materiais com mais de 100 anos!

Não é a primeira vez que um incêndio atinge o prédio da Cinemateca que, em 2016, teve parte do material da Instituição localizada na Vila Clementino consumido pelas chamas, totalizando uma perda de aproximadamente 500 obras, mil rolos de filmes, incluindo originais do Audiovisual. Em 2020, o galpão da Instituição da Vila Leopoldina foi atingido por uma enchente onde eram guardados os curtas, longas e cinejornais. Neste último caso, a água chegou a um metro de altura e danificou 113.00 cópias de DVDs.

De acordo com o Corpo de Bombeiros, o incêndio da última quinta-feira começou em um ar condicionado de uma das salas que fica no primeiro andar. Após a manutenção feita por uma empresa terceirizada, uma faísca teria dado início ao fogo e a própria equipe de técnicos não teria conseguido controlá-lo.

No entanto, sabemos que o incêndio da Cinemateca não tem como causa a manutenção de um equipamento. Este não é um caso isolado, ou mesmo um acidente. O incêndio estava sendo previsto por todos que acompanham o total abandono da Cinemateca. O próprio Ministério Público Federal de São Paulo, apenas 9 dias antes do ocorrido, havia alertado sobre o “risco de incêndio, principalmente em relação aos filmes de nitrato”.

As políticas capitalistas e de parceria público-privada são a causa real da tragédia. É evidente que a responsabilidade pelo incêndio é do governo Bolsonaro, do Secretário Especial da Cultura, Mário Frias, e das Organizações Sociais (OS) que faziam a gestão da instituição. No entanto, os problemas de gestão que colocavam em risco o acervo já estavam presentes em outros governos que, por buscarem no modelo privatista uma “melhoria” de recursos e infraestrutura, acabavam conduzindo a Cinemateca à uma lógica comercial, ampliando, inclusive, a equipe de funcionários com contratos precários.

A ausência de financiamento para a cópia das matrizes de nitrato de celulose levou, por exemplo, a perda no incêndio de 2016 de originais dos rolos queimados assim como no incêndio mais recente1. A ausência de um repositório público digital completo também é parte deste problema, que as gestões das OS foram incapazes de resolver.

A enorme repercussão sobre o caso suscitou uma discussão em torno da gestão da Cinemateca e um dia depois do incêndio o Governo Federal publicou edital para contratar entidade que vai gerir a Instituição.

A Cinemateca está sem gestor desde dezembro de 2019, o que levou o Ministério da Polícia Federal ajuizar uma ação contra a Secretaria Especial de Cultura por abandono judicial. No entanto, o problema central não é a falta de gestão por parte de uma OS ou mesmo da falta de edital para colocar nas mãos dos interesses privados um bem público.

A real discussão sobre o abandono da Cinemateca deve passar pela questão de torná-la um equipamento público gerido diretamente pelo Estado, com todo recurso necessário para a manutenção do acervo e de seus funcionários. Qualquer discussão que trate do abandono da Cinemateca colocando a necessidade de uma OS “menos pior” ou “mais responsável” é um desvio da luta política, e que não leva à defesa de todo patrimônio cultural da Cinemateca, mas coloca como perspectiva um futuro ainda mais trágico para a Instituição.

Defender a necessidade de uma OS “menos pior” ou “mais responsável” é um desvio da luta política, e que não leva à defesa de todo patrimônio cultural da Cinemateca – Foto: Corpo de Bombeiros PMESP
Em agosto de 2020, a Associação Comunicativa Educativa Roquette Pinto (Acerp) entregou as chaves da Cinemateca Brasileira à União.  O contrato da Acerp havia expirado em dezembro de 2019, e não houve sua renovação. Não houve repasse de verba do governo à Associação, o que levou à demissão de 41 funcionários, a falta de pagamentos até das contas de água e de luz.

No ano passado, foi publicado um texto em nosso site denunciando o abandono da Instituição, colocando a necessidade da readmissão de todos os funcionários. E em abril de 2021, um outro texto foi publicado denunciando o papel do governo e das OS e do risco que o acervo da Cinemateca corria.

No Estudo de Publicização da Atividade de Gestão da Cinemateca Brasileira de 2020, há a informação de que os custos estimados da instituição entre 2008 e 2013 foram de 25,5 milhões de reais (excluindo gasto com cerca de 15 servidores da Cinemateca durante o período), já com restrições orçamentárias enfrentadas pelo Minc. Enquanto entre 2014 e 2017 os custos estimados foram de 12 milhões.

Segundo o documento, “com o fim de viabilizar a gestão das atividades da Cinemateca, planeja-se investir R$ 10 milhões, em 2021, conforme projeto de lei orçamentária enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional em agosto de 2020”.  Consta ainda a seguinte explicação:

“Idealmente, estima-se um valor da ordem de R$ 20 milhões anuais para o período de 2022 a 2025. Estima-se que a captação de recursos adicionais na parceria (inclusive com geração de receitas) complementará o orçamento para a realização dos objetivos da publicização”.

Ainda neste documento, há a informação de que “O orçamento anual de R$ 20 milhões considerado ideal para 2022 a 2025 levaria em conta a média anual de quase 26 milhões investidos na Cinemateca Brasileira no período de 2008 a 2013, considera a informação trazida pela ACERP da necessidade mínima de R$ 1,1 milhão mensais para a manutenção básica da Cinemateca (custo de manutenção ou administração, sem custos para as ações finalísticas) e a projeção orçamentária de quase R$ 21 milhões anuais para o período 2020-2024 apresentada pela ACERP à Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Contrato de Gestão, na Reunião de Avaliação do Ciclo Plurianual realizada 14/08/2019 e 16/08/2019 (…)”. O que demonstra que a Cinemateca vai seguir em risco, dado seu orçamento baixo para a manutenção do acervo.

Para que todo dinheiro necessário seja destinado à manutenção e funcionamento da Cinemateca é necessário o investimento direto do Estado, e este deve funcionar sob controle dos próprios trabalhadores. Esta é a única saída para salvar o patrimônio cultural do Audiovisual da barbárie provocada pela burguesia. Enquanto a cultura for gerida como um negócio nenhum equipamento cultural estará a salvo.

O dinheiro necessário para a preservação do acervo deve incluir não só o pagamento das contas básicas mensais de manutenção dos galpões, mas a readmissão dos profissionais especializados, de novas contratações e da inserção destes ao funcionalismo público, transformando-os em servidores, com direitos e estabilidade.

A luta em defesa da Cinemateca Brasileira é de interesse do conjunto dos trabalhadores, seu acervo deveria ser preservado e ser de acesso a todos.

A burguesia e seus interesses entraram em choque há muito tempo com os interesses daqueles que defendem a preservação da arte e da cultura produzida pela humanidade. É tarefa dos trabalhadores defender tudo o que já foi produzido do destino trágico que aponta os governos burgueses. Nesse sentido, defender o socialismo não é simplesmente uma escolha, mas uma necessidade histórica, em combate à destruição da arte e da cultura.

[1] No blog Preservação Audiovisual, em um de seus artigos, há a informação de que 40% dos rolos de nitrato perdidos no incêndio de 2016 não tinham cópias no acervo. Ver: https://preservacaoaudiovisual.blogspot.com/2020/06/sobre-crise-atual-da-cinemateca.html