Apresentamos abaixo o artigo do camarada Castro que dá um relato crítico e vivo do que foi o Movimento das Fábricas Ocupadas e do que foi a intervenção militar realizada na Cipla e Interfibra em maio de 2007 por tropas federais do governo Lula
A Policia Federal esconde o “mau exemplo”.
Orgulhoso a luta pela Estatização e o
Controle operário da Cipla.
No último dia 31 de maio fez cinco anos que ocorreu um episódio lamentável em Joinville/SC: a Intervenção federal militarizada na Cipla e Interfibra garantida por 150 policiais federais fortemente armados após 4 anos e 7 meses de ocupação da fábrica pelos trabalhadores. Desta forma se encerrou uma das mais belas páginas da história e exemplo de luta recente do movimento operário brasileiro.
Policia Federal armada destitui o
Conselho de Fábrica e empossa o
Interventor
A direção pelega do sindicato dos plásticos, o interventor judicial, Rainoldo Uessler, e a burguesia local promoveram na noite de 31 de maio um coquetel à Imprensa para comemorar a derrota da ocupação das fábricas pelos trabalhadores e o “sucesso” da intervenção judicial. Uma reportagem completamente desinformada e com distorção dos fatos foi publicada no Jornal Noticias do Dia pelo repórter Claudio Fernandes: Notícias do Dia Porém, conforme a lógica dialética, tudo pode se tornar o seu contrário. O fato estúpido recoloca em evidencia a experiência singular e histórica do Movimento das Fábricas Ocupadas.
O episódio deixa evidente o desespero e temor da burguesia com o espectro da ocupação de fábricas pelos trabalhadores sob a direção da Esquerda Marxista. A “perigosa” experiência poderá ser uma alternativa do movimento operário quando a crise econômica atingir o Brasil com seu cortejo de quebradeira de fábricas e desemprego. Portanto, o temor é justíssimo.
Para entender os motivos da intervenção judicial contra a experiência administrativa dos trabalhadores da Cipla e Interfibra, é necessário conhecer os fatos da história. Desde 1992 as empresas não recolhiam impostos e encargos trabalhistas. Essa situação levou os trabalhadores da Cipla a uma paralisação espontânea em janeiro de 2002 que culminou com mais de cem demissões por justa causa. Com o objetivo de humilhar os operários, a direção da empresa passou a pagar a título de salário de R$ 30,00 a R$ 50,00 por semana.
Os trabalhadores assumem o controle da Cipla e Interfibra
Para reverter o quadro humilhante, em 31 de outubro de 2002, os mil operários da Cipla e Interfibra disseram não aos patrões e ocuparam as fábricas após uma greve de oito dias. O controle operacional e administrativo era feito por uma Comissão de Fábrica democraticamente eleita com representação de todos os setores fabris e que realizava assembléias gerais periodicamente para definir as diretrizes do controle operário. As empresas estavam na iminência de fechar as portas. A Interfibra não tinha faturamento algum há três meses e a Cipla faturava em torno de um milhão de reais por mês, mas com um ponto de equilíbrio de 6 milhões de reais. A dívida patronal ultrapassava os R$ 500 milhões. A atitude ousada dos trabalhadores impediu que as fábricas se tornassem um cemitério de postos de trabalho, como já havia ocorrido a outras indústrias de Joinville.
Assembleia na Cipla dirigida por
Serge Goulart
A Comissão de Fábrica em 2003 reduziu a jornada de trabalho para 40 horas e em dezembro de 2006 para 30 horas semanais. Isso foi insuportável para a burguesia local e nacional. Segundo eles, vai que a moda pega? Afinal, o Movimento das Fábricas Ocupadas ajudou a espalhar a moda ocupando 37 fabricas pelo Brasil e se relacionou com o movimento de recuperação de fabricas pelos trabalhadores em toda a América Latina. Hoje somente a Flaskô em Sumaré/Campinas, no estado de SP, se mantém funcionado com a bandeira da ocupação erguida.
Encontro Pan-Americano das Fábricas
Recuperadas pelos Trabalhadores em
Dezembro de 2006, aonde foi aprovada
a redução da Jornada para 30 horas semanais.
A relação internacional com os trabalhadores teve inicio em 2005, quando o Movimento de Fábricas Ocupadas ajudou a organizar o 1º Encontro Latino-americano de Fábricas Recuperadas pelos Trabalhadores da América Latina. No evento ocorrido em Caracas na Venezuela, o presidente Hugo Chávez manifestou apoio à luta dos operários das duas empresas e firmou convênio para fornecimento de matéria-prima. Em contrapartida, as fábricas desenvolveram um projeto de construção de casas populares de PVC seguras e confortáveis a 1/3 do preço convencional e que são construídas em apenas 10 dias.
A principal bandeira levantada pelos trabalhadores da Cipla e Interfibra foi a ESTATIZAÇÃO sob controle operário. O presidente Lula que atendeu uma delegação representativa em junho de 2003 no Palácio do Alvorada, disse que a estatização estava fora do cardápio, mas faria o que fosse necessário par manter TODOS os postos de trabalho. Serge Goulart, coordenador das fábricas, lembrou ao presidente que o cardápio depende da temperatura, “se está frio é um, se esquenta é outro”. Lula encaminhou uma comissão coordenada pelo BNDES para fazer o estudo de viabilidade econômica. Em 2006, o estudo apresentado concluiu que era necessário transformar o passivo existente em crédito do banco. Em outras palavras, o BNDES teve a mesma conclusão que a Comissão de Fábrica: a solução era a Estatização. Porém, a resposta do governo Lula veio com a intervenção judicial.
Delegação dos operários e apoiadores das fábricas ocupadas
em audiência com o ministro Luiz Dulci no Palácio do Planalto
A FIESP e ABIPLAST exigem a intervenção judicial
As conquistas da gestão operária como a redução da jornada de trabalho sem redução de salário, ganho de produtividade e faturamento, salários pagos em dia e, ainda por cima, convênio com Hugo Chávez, foi afronta demais para a burguesia. Com apoio dos serviçais dirigentes do sindicato local dos plásticos, os boca e pena de aluguel da imprensa como a Revista Veja (matéria publicada em 29/08/2007 com o título Ocupar e Arruinarveja ), e inclusive de setores do PT local, se armou uma violenta pressão sobre o governo Lula para eliminar o mal antes que virasse erva daninha.
Foram Paulo Skaf, presidente da FIESP e Merheg Cachum, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Plásticos, os articuladores que exigiram do governo Lula a intervenção na Cipla e Interfibra. Em 18 de janeiro de 2007, Paulo Skaf responde no G1 sobre a relação do governo Chavez com as fábricas ocupadas (G1 ). Em 22 de fevereiro de 2007, o presidente da Fiesp faz a seguinte declaração no Jornal O estado de São Paulo: “É inaceitável esta ingerência do governo de Chavez nos assuntos internos brasileiros e no seu relacionamento de apoio as fabricas ocupadas Cipla/ Interfibra/ Flaskô”.
Merheg Cachum, Presidente da ABIPLAST, foi mais longe: “O governo venezuelano apóia ocupações de indústrias plásticas que foram assumidas por operários. Já são três (Cipla/ Interfibra/ Flaskô) as empresas que recebem apoio na forma de compra subsidiada de matéria-prima vinda da Venezuela… Em razão dessas atitudes, é imprescindível que os empresários e a sociedade civil de forma geral, organizem um manifesto de repúdio contundente a esse tipo de prática antes que isso se torne cotidiano e prejudique a democracia (burguesa é claro). Precisamos resgatar a indignação diante da interferência em nossos interesses (…). É preciso tomar providencias já. Revista da ABIPLAST – 01 de maio de 2007.
A providência veio 30 dias depois com a intervenção judicial requerida pelo INSS sob a absurda e falsa justificativa de não recolhimento em 1997 de tributos por parte dos patrões. Porém, o governo Lula utilizou neste caso dois pesos e duas medidas, ao ignorar o grave problema do não recolhimento do INSS dos maiores devedores da época: Encol (568 milhões), Banco Bancesa (332 milhões), Companhia Vale do Rio Doce (278 milhões), Mendes Junior Engenharia (268 milhões), Volkswagen (108 milhões), para ficar em alguns exemplos de uma lista de quinhentas empresas.
Nenhuma intervenção federal ocorreu durante os 10 anos em que os patrões da Cipla e Interfibra não recolheram sequer um centavo de tributos e encargos trabalhistas. A direção do sindicato dos plásticos não “moveu uma palha” para organizar o combate contra a humilhação que os operários sofreram pelos patrões entre janeiro e outubro de 2007, ao receber a miséria de R$ 30,00 a R$ 50,00 por semana como salário de seu trabalho. Para clarifica ainda mais a verdadeira intenção política da intervenção, vejamos o que escreveu o Juiz Oziel Francisco de Souza no Mandado Judicial: “o custo social da manutenção desses mil postos de trabalho é EXESSIVAMENTE ALTO”. E mais: “será que a manutenção do Grupo Cipla, gera, de fato, o bem à sociedade? Será que sua existência não estaria mais para UM MAL DO QUE PARA UM BEM SOCIAL?”.
Ao assumir a direção das empresas, o interventor Rainoldo Uessler promoveu uma verdadeira “caça as bruxas” com todo o tipo de calunia contra os membros da Comissão de Fábrica. Seu grande feito foi demitir quase todos os trabalhadores que vivenciaram esta rica experiência. Hoje não há 300 trabalhadores na fábrica que tinha em torno de mil. Tudo isso com uma polpuda remuneração mensal acima de R$ 40 mil reais, tendo o presidente do sindicato, Reinaldo Schoereder, como um fiel escudeiro. Por que será?
Justiça Federal escancara o caráter político da intervenção
Carlos Castro, no ato nacional ocorrido
no dia 15 de junho de 2007, em frente
a Cipla, contra a intervenção
A mesma Justiça Federal, em 07 de dezembro de 2010, determinou o fim da intervenção, já que não foi cumprido o falso objetivo de recolher os devidos tributos. Diz o despacho da decisão judicial:
“(…) Veja-se que, passados mais de três anos desde o início da intervenção judicial, nem sequer há previsão de quando se iniciará o cumprimento da penhora sobre o faturamento, que era a finalidade da intervenção. Não há outra alternativa senão reconhecer que, infelizmente, a medida excepcional adotada não atingiu seus objetivos.
(…) Declaro encerrada a intervenção judicial das empresas do Grupo Cipla, pois a medida excepcional não se mostrou capaz de garantir a penhora sobre o faturamento e, por conseguinte, a finalidade almejada quando de sua decretação. Encerrada a intervenção, conseqüentemente, encerra-se a necessidade de manter um interventor/administrador judicial no Grupo Cipla.
A ser assim, determino a interrupção imediata dos trabalhos desempenhados pelo senhor Rainoldo Uessler, na condição de interventor/administrador judicial das empresas sob intervenção, e o destituo do encargo de interventor/administrador judicial. Encerra-se, também, a remuneração do interventor/administrador judicial.
O controle e administração das empresas do Grupo Cipla deve retornar, de imediato, aos trabalhadores, pois eram esses os administradores do grupo econômico quando decretada a intervenção”.
A máscara foi definitivamente arrancada, e o melhor, pela própria Justiça Federal. A intervenção na Cipla e Interfibra teve como única motivação o objetivo político de destruir no Brasil a experiência impar de resistência operária contra os desmandos e abusos dos capitalistas e pela manutenção de seus postos de trabalho. Mas para impedir o retorno ao controle dos trabalhadores, o interventor que durante anos foi d
iretor no Tribunal de Justiça de SC, conseguiu através da Justiça Estadual, a façanha de se manter a frente da administração das fábricas. Mas não há mal que sempre dure.
Nossa homenagem aos combativos guerreiros operários da Cipla e Interfibra que ousaram e deixaram na memória da cidade de Joinville, da classe trabalhadora brasileira e internacional, uma história que jamais será esquecida. É mais um embrião plantado na luta pelo socialismo para nos libertar da pré-história da humanidade. No youtube há um documentário que conta essa extraordinária história: Flaskô – Intervenção
O MFO chegou a ser composto por 37 fábricas
Segue uma relação de algumas das 37 fábricas onde o Movimento das Fábricas Ocupadas esteve presente na luta pela manutenção do parque fabril e dos postos de trabalho:
Joinville/SC: Cipla, Interfibra e Profiplast;
Criciúma/SC: Vectra;
São Sebastião do Caí/RS: Azaléia;
Curitiba: Botões Diamantina;
Maringá: Frigorífico Santa Fé;
Campinas/SP: Flaskô e Ceralit;
Hortolândia/SP: Cozinhas Oli;
Itapevi/SP: Flakepet e Deslor;
Caieiras: Metalúrgica Ellen;
Arraial do Cabo/RJ: Companhia Siderúrgica Álcalis;
Recife/PE: Fibracôco e JB Costa;
Garanhuns/PE: Parmalat.
*Castro foi membro da direção reeleita democraticamente para a Comissão de Fábrica, em outubro de 2006, com 82% dos votos dos trabalhadores e destituído pela intervenção federal em maio de 2007.