A situação no Irã é extremamente tensa. O regime estava confiante que o movimento das massas de 2009 já tinha morrido. Mas quase como um raio em céu azul, a manifestação da Segunda-feira (14/02) estremeceu todo o regime, que foi pego de surpresa.
De acordo com um documento recebido pelo The Telegraph,, vários camandantes de baixo-escalão da Guarda Revolucionária (uma milícia profissional com 120 mil homens) assinou um documento afirmando que eles não querem atirar nos manifestantes. Disponibilizamos aqui o texto completo do artigo do The Telegraph:
“Seguindo a recente violência que ocorreu durante os protestos anti-governo no Egito, os oficiais discutem que é contra os princípios da lei Islâmica Xiita usar violência contra seu próprio povo.
Sugerindo uma grande divisão dentro da hierarquia governante da República Islâmica referente ao tratamento dos protestos anti-governo, uma carta tem circulado amplamente entre as fileiras da Guarda Revolucionária, o órgão responsável pela defesa do sistema religioso.
A carta, da qual uma cópia foi enviada ao Daily Telegraph, é endereçada ao Major General Mohammad Ali Jafari, o comandante oficial da Guarda. Ela apela ao Major General Jafari para emitir orientações para a Guarda Revolucionária e para a milícia paramilitar Basij para usar contenção ao lidar com os protestos anti-governo.
Durante os violentos protestos anti-governo que seguiram as disputadas eleições presidenciais em Junho de 2009, na qual o Presidente Mahmoud Ahmadinejad foi reeleito para cumprir o segundo mandato de quatro anos, o governo contou fortemente com a Basij para reprimir os protestos por medo de que não poderia contar com certas unidades da Guarda.
Mas na carta, que é assinada por comandantes oficiais superiores da unidade da Guarda em Teerã, Qom, Isfahan e Tabriz, eles incitam o Major General Jafari a ‘usar sua autoridade sobre a Basij e ordená-los a deixarem seus cassetetes em casa da próxima vez.’
E continua a afirmar categoricamente: ‘Nós prometemos ao nosso povo que não vamos atirar nem bater em nossos irmãos que estão procurando expressar legitimamente seus protestos contra as políticas e condutas de seus líderes.’
O governo Iraniano chamou seus apoiadores para tomar as ruas hoje e manifestar seu ‘ódio’ ao Movimento Verde de oposição, que retornou de maneira dramática, seguindo o exemplo das recentes agitações na Tunísia e no Egito. Um manifestante foi morto e muitos foram feridos quando os ativistas do protesto pró-democracia contra o governo do Sr. Ahmadinejad gritavam ‘morte ao ditador’.
Diplomatas ocidentais, que também viram a carta e confirmam sua autenticiade, dizem que já foi passado ao Sr. Ahmadinejad e ao Aiatolá Ali Khamenei, o Supremo Governante do país, embora nenhuma resposta oficial tenha chegado.” (The Telegraph)
Se as informações contidas no documento forem verdadeiras, isso representa um marco muito importante no desenvolvimento da revolução Iraniana. E há vários fatores que indicam que o que está sendo relatado aqui é de fato verdade.
Em primeiro lugar, as revoluções do mundo árabe abalaram todos os regimes na região, que sentiram o chão tremer sob seus pés. A inspiração que as revoluções egípcia e tunisiana deram às massas da região, espalhou medo nos círculos governantes de todos esses países. No Irã também, o movimento está ressurgindo. Todos os cantos da sociedade iraniana estão sendo afetados enquanto as tensões estão alcançando níveis inéditos. O regime não está apenas mais opressivo que nunca, mas também as condições sociais para milhões tem piorado dia após dia. Isso está preparando uma explosão imensa dentro da sociedade.
Além disso tudo, a legitimidade do regime está em queda livre uma vez que passa por cima de todas as leis e regras que ele mesmo insistiu em colocar em prática no passado. Em uma situação como essa, mesmo as forças da Guarda estão sendo afetadas, especialmente por conta da Guarda ser um exército profissional, muitos deles são devotos da defesa da Revolução Islâmica e todas as suas leis (que, por exemplo, inclui pelo menos na teoria, a liberdade de assembléia e de protesto). Mas como essas leis estão sendo desrespeitadas pelo próprio regime, muitos da Guarda, que antes eram a principal base social do regime, estão ficando desiludidos com ele.
A Guarda é parte das classes médias e é composta por várias camadas. Suas camadas inferiores com baixa renda e baixos padrões de vida estão perto das massas, enquanto suas camadas superiores se envolvem em grandes negócios e tem acumulado uma grande fortuna. Em 2000 mais de 70% da Guarda votou em Khatami, um voto que foi visto pela maioria das pessoas como um voto de protesto contra o regime. Isso prova mais uma vez que a Guarda não é um bloco sólido de reação, mas que eles são vulneráveis às pressões sociais.
Após 6 meses de luta contra as massas, nós vimos no dia da Ashura como foi possível até mesmo confraternização entre alguns membros da Guarda e o povo. Essa última carta dos oficiais, se for autêntica, revela o nível de tensão por qual a Guarda deve ter passado no último ano. Ouvimos também outros oficiais dizendo que a Guarda não suportará muito mais pressão antes de começar a se desintegrar. Portanto é evidente que os oficiais consideram que a Guarda não pode ser forçada a suportar um período como esse de novo.
Está claro que o regime vai desmentir essas notícias imediatamente e tentar semear confusão para não encorajar as pessoas a tomarem as ruas, mas o estrago já foi feito. Esta notícia se espalhará como fogo e continuará a esquentar os protestos no domingo que se aproxima.
Sexta-Feira, 18 de Fevereiro de 2011.