Dois candidatos concorreram às “eleições” iranianas, mas o regime já havia decidido quem seria o vencedor bem antes de qualquer voto ter sido depositado nas urnas.
Apesar da “oposição leal e conciliatória” de Mousavi, grande parte do eleitorado iraniano usou seu voto para expressar sua oposição ao regime. Uma vez anunciado o “resultado” a violência explodiu nas ruas, veio à tona a fúria acumulada e o descontentamento entre as massas. Tudo isto marca uma nova fase no desenvolvimento da revolução iraniana.
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O historiador francês Alexis de Tocqueville, uma vez escreveu, que o momento mais perigoso para um mau governo se dá quando este tenta fazer reformas. Mas é ainda mais perigoso quando este regime se recusa a fazer reformas.
A história conhece muitos exemplos de autocracias apodrecidas, que depois de um longo período no poder sucumbem a um processo irreversível de deterioração interna. Em tais momentos, todas as contradições internas que permaneciam escondidas vêm à tona subitamente. Sempre há duas tendências principais: a linha dura e a reformista. A primeira argumenta que: “Não podemos fazer concessões a reformas, pois uma vez postas em movimento seremos derrubados”. E a última diz: “precisamos fazer reformas desde cima, caso contrário, seremos derrubados.” Ambas estão corretas.
O que era verdade, na França, em 1789 também é verdade no Irã em 2009. Depois de três décadas no poder, o regime dos Mulás é extremamente impopular. Os analistas acreditavam, portanto, que Mousavi, amplamente reconhecido como um reformista, se sairia melhor. O debate presidencial entre Mousavi e Ahmadinejad sacudiu a nação, e nos últimos dias a campanha de Mousavi pegou fogo, impulsionando passeatas por toda Teerã. O que estas passeatas mostraram foi um ardente desejo por mudanças.
Em geral, esperava-se que, se a participação fosse elevada, Mousavi golpearia seu polêmico adversário. Ou pelo menos conseguiria disputar contra ele o segundo turno. Pesquisas, na Sexta-Feira, indicavam uma votação sem precedentes, davam margens suficientes para que Mousavi chegasse à presidência. A participação eleitoral ultrapassou os 80%, ao menos em duas pesquisas do Sábado.
A turbulência econômica no Irã ao longo dos últimos 4 anos minou a base de apoio de Ahmadinejad até mesmo nas regiões rurais. O governo não só anunciou a vitória de Ahmadinejad, anunciou uma esmagadora vitória, com 62,63% dos votos contra os 33,75% de Hossein Mousavi. De acordo com os resultados, que foram anunciados com indecente rapidez, Mousavi perdeu até mesmo em regiões de Teerã onde estão suas principais bases de apoio. Este cenário virtuoso de fraude eleitoral foi tão espalhafatoso que chocou até mesmo as pessoas que consideram estas práticas normais.
Fraude eleitoral
A velocidade com que o anúncio foi feito por si só já seria suficiente para indicar uma fraude massiva. O Irã ainda é um país predominantemente rural com uma infra-estrutura que não permite tal rapidez para a contagem dos votos. Em uma eleição genuína, muitos dias seriam necessários para a divulgação dos resultados de cada província e povoado nas áreas remotas. Ao invés disso, Ahmadinejad anunciou imediatamente que havia ganhado com uma grande vantagem. “O povo do Irã inspirou esperança para todas as nações e criou uma fonte de orgulho para a nação e desapontou todos os maus intencionados”, disse Ahmadinejad em um programa de TV no Sábado à noite. “Esta eleição aconteceu em um momento crítico da história!”.
Para um regime despótico que detém cada fração de poder firme em suas mãos, a tarefa de fraudar uma eleição não é lá muito difícil. Depois de encerradas as urnas – de acordo com notícias vindas de fora do Irã – Corpos da Guarda Revolucionária Iraniana foram às ruas fortemente armados. Em uma área no Norte de Teerã, um reduto da oposição e do ex-Primeiro-Ministro Mousavi, jornalistas estrangeiros testemunharam a passagem de um comboio com pelo menos quinze veículos militares cheios de guardas armados deslocando-se ao longo da estrada. O Ministério do Interior também foi bloqueado e fortemente guardado, o regime temia que os apoiadores de Mousavi reunissem forças no Ministério para protestar contra a contagem dos votos.
Ibrahim Yazdi, um líder dissidente iraniano e ministro do interior nos primeiros anos da República Islâmica, disse ao jornalista americano Robert Dreyfuss:
“Muitos de nós acreditam que as eleições foram fraudadas. Não apenas Mousavi. Não temos a menor dúvida. E no nosso entender, não é legitima. Houve muitas, mas muitas irregularidades. Não permitiram que os candidatos supervisionassem as eleições nem a contagem dos votos nas zonas eleitorais. O ministro do interior anunciou que supervisionaria a contagem final em seu gabinete, no ministério, com apenas dois observadores presentes.
Nas últimas eleições, anunciaram o resultado em cada um dos distritos, dessa forma as pessoas poderiam seguir a apuração e fazer seu julgamento acerca da validade dos números. Em 2005, houve problemas: em um distrito havia cerca de 100.000 eleitores, e anunciaram um total de votos de 150.000. Desta vez não liberaram os dados de cada distrito em particular.
No total havia cerca de 45.000 zonas eleitorais. Havia 14.000 urnas móveis, que podiam ser transportadas de povoado em povoado. Muitos de nós protestamos contra isso. Originalmente, as urnas móveis eram para ser usadas apenas em lugares tais como hospitais. Desta vez, foram usadas em delegacias de polícia, batalhões do exército e vários outros setores militares.
Mousavi e Karroubi [os principais candidatos de oposição] em antecipação estabeleceram comitês para proteger o voto do povo. Muitos jovens se dispuseram a trabalhar nestes comitês. Mas as autoridades não permitiram. Não existe maneira, independente do Governo ou do Conselho de Guardiões, de verificar os resultados.”
Com o resultado eleitoral em seu bolso a insolência de Ahmadinejad não conhece fronteiras. O presidente disse que as eleições foram um “modelo de democracia” e acusou os “opositores do ocidente” por criticar as eleições. “Nas eleições de sexta-feira, o povo saiu vitorioso”, declarou ele. “As eleições no Irã são realmente importantes. Eleições significam o consenso de todas as pessoas, resolvem-se na cristalização de suas demandas e desejos, é um salto na direção de aspirações mais elevadas e de progresso. As eleições no Irã estão totalmente fundamentadas nos movimentos populares, pertencem ao povo com os olhos no futuro, projetam a construção do futuro!”.
Supôs avanços através do consenso, dizendo que reformas econômicas e de infra-estrutura podem ser realizadas no Irã através de um processo coletivo. “Todos nós podemos unir forças”, disse, enquanto seus capangas armados espancavam as pessoas nas ruas. Dezenas de milhares de apoiadores de Ahmadinejad reuniram-se na Praça Valiasr da capital agitando bandeirolas para o discurso da vitória durante a noite – tentava demonstrar força e sufocar os protestos de oposição.
“As eleições de 12 de Junho foram uma expressão artística da nação, que fez avançar a história das eleições do país”, disse o Aiatolá Khamenei. “Os 80% de participação e os 24 milhões de votos apurados na eleição presidencial é uma real celebração de que com o poder de Deus Todo Poderoso pode-se garantir o desenvolvimento, progresso, segurança nacional e o regozijo e a excitação da nação.”
Protestos espontâneos
Sem dúvida, a nação está excitada – mas não regozijada. O candidato reformista Mehdi Karrubi chamou o anúncio do resultado eleitoral de uma “piada” e “assombrosa.” Ainda durante os louvores de Ahmadinejad sobre os resultados e a grande margem, e ainda durante os lamentos de Mousavi e seus apoiadores pelas ruas de Teerã começaram os conflitos nas ruas. Na tarde de Sábado as ruas da capital estavam aparentemente calmas. Mas ao cair da tarde do mesmo dia manifestações espontâneas eclodiram nas ruas de Teerã. Isto reflete a enorme acumulação de fúria, desespero, e amargura no seio da sociedade iraniana que está gestando implicações revolucionárias.
Khamenei sugeriu que os iranianos deveriam respirar fundo e pensar sobre as conseqüências do voto. “O sábado seguinte às eleições sempre deve ser um dia de introspecção e paciência,” disse ele. “Todos os apoiadores tanto os do candidato eleito como cada um dos apoiadores dos outros candidatos devem evitar qualquer medida provocativa e qualquer comportamento condenável. O presidente eleito é o presidente de todo o povo do Irã e todos, incluindo os rivais de ontem, devem protegê-lo e ajudá-lo.” Estas palavras do supremo líder revelam o medo do regime de distúrbios populares. Não estão errados por se sentirem assim.
Manifestantes gritam: “o presidente está cometendo um crime e o líder supremo o apóia”, palavras altamente inflamáveis em um regime onde o líder supremo, Ali Khamenei, é irrepreensível. Lojas, gabinetes governamentais e negócios fecharam tão logo começaram as tensões. Multidões reuniram-se também em frente à sede do comitê eleitoral de Mousavi, mas não havia sinal do dirigente político rival de Ahmadinejad. Os manifestantes ergueram seus punhos e gritavam palavras de ordem contra Ahmadinejad.
Os manifestantes atearam fogo às lixeiras e árvores, criando colunas de fumaça negra entre os blocos de apartamento e os edifícios do centro de Teerã. Um ônibus vazio foi consumido pelas chamas em uma estrada. A polícia recuou em blocos, inclusive pelotões móveis de motocicletas com cassetetes. Os manifestantes lançaram pedras e garrafas nos oficiais, gritando “Mousavi, dê-nos nossos votos de volta” e “as eleições estão repletas de mentiras”.
Mais de 100 reformistas, incluindo Mohammad Reza Khatami, o irmão do ex-presidente Mohammed Khatami, foram presos, de acordo com o líder reformista Mohammad Ali Abtahi. Ele disse à Reuters que eles eram membros da direção do partido reformista iraniano Mosharekat. Um porta-voz do judiciário negou que eles houvessem sido presos, mas disse que eles foram intimados e “alertados para não aumentar as tensões” antes de serem liberados. O Estado aprisiona e tortura os sindicalistas e espanca os estudantes, mas os políticos burgueses são liberados com apenas uma palmada na mão.
As pessoas se debruçavam sobre as janelas e sacadas para ver a multidão de manifestantes em marcha, muitos deles eram partidários de Mousavi e conduziam manifestações extremamente barulhentas, mas pacíficas. Mais tarde, durante a noite, uma agitada e furiosa multidão tomou a Praça Moseni em Teerã, quebrando lojas, ateando fogo e derrubando símbolos. Dois grupos de pessoas enfrentaram-se na Praça, lançando pedras e garrafas e gritando furiosamente. Observadores acreditam que eram partidários de Ahmadinejad e de Mousavi em choque.
Os protestos, claramente espontâneos, não se limitaram a Teerã. Eclodiram também em outras cidades, incluindo Tabriz, Orumieh, Hamedan e Rasht. Claramente, ninguém organizou esses protestos, e muito menos os líderes reformistas. A nova tecnologia é ferramenta tática para mobilizar politicamente os jovens iranianos, apesar de as mensagens de texto terem sido bloqueadas nos últimos dias, assim como o Facebook. Contudo, os tradicionais métodos do boca a boca também funcionam e os manifestantes iranianos chegavam em massa aos pontos de concentração ao redor de Teerã no Sábado.
No Domingo a efervescência continuava. “Era um ‘jogo’ entre os manifestantes e a polícia,” disse Samson Desta, um repórter da CNN, que foi agredido por um policial. “Pelo tempo transcorrido, pode parecer que a polícia tem as coisas sob controle. Mas falamos com muitos e muitos estudantes e eles em geral dizem ‘Isto não acabou. Eles podem nos deter agora, mas voltaremos e faremos com que nossa voz seja ouvida’.”
Este foi o segundo dia de protestos em Teerã. No Sábado, milhares de manifestantes gritavam “Morte à ditadura” e “Queremos liberdade”. Foram queimadas motocicletas da polícia, pedras atiradas contra as janelas de lojas, latas de lixo lançadas ao fogo.
Na noite do Domingo uma calmaria tensa baixou sob as ruas de Teerã, mas Jon Leyne da BBC, na cidade, noticiou que aconteceram confrontos na sede da IRNA – a agência oficial de notícias do Irã – e também pelo menos um no subúrbio. Houve também notícias de repressão à mídia independente. A sede da rede de TV saudita, al-Arabiya foi fechada por “razões desconhecidas”, disse o canal. Os serviços de telefonia celular foram restabelecidos, mas havia notícias de que as mensagens de texto continuavam restritas e o bloqueio ao acesso de sites públicos da internet, inclusive o da BBC, continua. Estas atitudes não demonstram confiança, ao contrário, demonstram um extremo nervosismo por parte do regime.
Hipocrisia dos imperialistas
O mundo todo reagiu. Nos países como EUA e Canadá escutaram-se vozes sobre as irregularidades da votação. Mas os países ocidentais que são tão críticos à falta de direitos humanos no Irã foram circunspectos sobre a descarada fraude eleitoral no país.
De acordo com uma notícia da CNN, o comando militar americano no Oriente Médio enviou uma mensagem às forças americanas recomendando a manutenção da disciplina e a prudência em caso de encontrarem forças militares iranianas durante a agitação gerada pelas eleições presidenciais iranianas. As preocupações militares americanas são resumidas assim “alta sensibilidade iraniana e até mesmo medo de potenciais ameaças internas e externas” disse um oficial.
As críticas em Washington mal puderam ser ouvidas. Hilary Clinton manteve sua boca fechada, passando a tarefa ao “homem invisível”, o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, que expressou suas “dúvidas” sobre “as formas de repressão contra as multidões, a forma como foram tratadas as pessoas”. Embora usasse uma linguagem comedida, disse que os EUA deveriam aceitar “por enquanto” a escolha de Teerã, que Ahmadinejad conseguira a reeleição. “Há muitas questões terríveis sobre como as eleições ocorreram,” disse Biden. “Não temos fatos suficientes para fazer um julgamento firme.”
O ministro francês de relações exteriores, Bernard Kouchner, disse que seu governo está preocupado com esta situação e criticou “a um tanto quanto brutal reação” por parte das autoridades em resposta às manifestações. A União Européia disse em um pronunciamento que estava “preocupada sobre as irregularidades alegadas” durante a votação de Sexta-Feira.
Esta política reticente dos imperialistas não é acidental. Eles estão aterrorizados com a possibilidade de uma revolução no Irã que terá as conseqüências de um terremoto por todo o Oriente Médio e Ásia. Além disso, Washington espera voltar a estabelecer boas relações com o governo de Teerã, cuja assistência é fundamental para assegurar a retirada do Iraque e estruturar uma rota para garantir o abastecimento das tropas no Afeganistão. Também precisam do apoio do Irã para sua mais nova “iniciativa de paz” sobre a questão palestina. No mínimo, gostariam de garantias de que o Irã não irá sabotá-lo, embora Netanyahu já esteja fazendo um bom trabalho, ao insistir que qualquer Estado palestino deve ser desarmado e renunciar ao direito de retorno, a diáspora palestina.
São estes fatores que determinam a política conciliatória de Obama em relação ao Irã, que previmos em “A Invasão de Gaza: O que significa?”. Em uma semana na presidência, Obama ofereceu um ramo de Oliveira a Teerã, pedindo que o regime “estendesse a mão”. Dois meses depois, Obama emitiu um comunicado ao Irã, reconhecendo os aiatolás como os legítimos representantes do povo iraniano. No mês passado, Obama reconheceu à República Islâmica o direito de enriquecer urânio e, no Cairo, admitiu o envolvimento da CIA na queda de Mossadegh, há mais de meio século.
O povo do Irã possui uma vasta memória e conhece suficientemente bem o imperialismo para odiá-lo de todo o coração. Quando o Primeiro-Ministro Mossadegh foi derrubado no golpe de 1953, organizado pela CIA e pela inteligência britânica, as ditas democracias ocidentais foram cúmplices da substituição da democracia iraniana pela ditadura do Xá. Suas sangrentas e corruptas regras foram baseadas em um reinado de terror em massa onde a famigerada Savak, a polícia secreta, se empenhou em uma campanha sistemática de homicídio e tortura. As ditas democracias ocidentais apoiaram este despótico fantoche do imperialismo e não tinha nada a dizer sobre a escandalosa violação dos direitos humanos no Irã, naquele momento. É por isso que os iranianos não têm a mínima razão para confiar na boa vontade do imperialismo ou ouvir seus sermões hipócritas sobre “democracia”!
Divisões no regime
Após as eleições, em Teerã, foram ouvidos rumores de um golpe de estado. Mas na realidade, isso não era necessário. Ahmadinejad já havia concentrado demasiado poder em suas mãos, já havia criado uma ditadura de fato. Além das forças regulares do Estado, ele controla também a Guarda Revolucionária, que usou brutalmente para esmagar as manifestações na semana anterior às eleições. Ahmadinejad controla o Ministério do Interior, o Ministério da Informação e o Ministério da Inteligência.
Após as eleições as forças de segurança ocuparam os escritórios de muitos jornais, para ter certeza de que os seus relatórios sobre a eleição seriam favoráveis. Esta é uma excelente forma de garantir uma boa cobertura eleitoral! Os guardas estão controlando tudo, inclusive muitas instituições econômicas. O Ministério do Interior está aumentando seu controle em todas as províncias.
Também há rumores de que Ahmadinejad está pensando em mudar a Constituição para permitir que o presidente possa se candidatar mais de uma vez, para tornar sua permanência na presidência indefinida. Ele está reencenando o golpe de Luis Bonaparte, que combinava eleições fraudulentas e intrigas parlamentares com um reinado de terror nas ruas, executado pela Sociedade de Notórios 10 de Dezembro, formada por assassinos, criminosos e lumpens. Sua base social também é semelhante: a retaguarda camponesa, que pode ser usada contra as cidades, que estão mais avançadas.
No último período, Ahmadinejad foi mantido no poder, em parte, graças à repressão e à demagogia anti-americana, mas principalmente, graças à riqueza petrolífera usada em medidas populistas. Este fato garantiu-lhe certa base de apoio na população, sobretudo entre os camponeses. Mas agora a crise econômica e a queda do preço do petróleo reduzem sua margem de manobra nesta frente. Por outro lado, a demagogia “anti-imperialista” está se esgotando. As pessoas não podem comer ogivas nucleares!
A história de regimes ditatoriais e autocráticos mostra que é impossível manter tal regime com base somente na repressão. Uma vez que as massas começam a se mover, nenhum aparato estatal pode detê-las, não importa o quão poderoso ou feroz seja. Essa é a lição da França, em 1789, da Rússia tzarista de 1917 e do Xá do Irã, em 1979. Louis Bonaparte assumiu o poder com um golpe e ficou no poder por duas décadas, mas por fim seu Estado foi terminado pela Comuna de Paris. Ahmadinejad não permanecerá no poder por muito tempo devido a essas razões que temos explicitado, e quanto mais tempo ele se agarrar ao poder, mais explosiva será a situação e se tornarão nítidas as contradições internas do regime.
Apesar da demonstração de força, as fissuras internas que estão dividindo o regime estão se aprofundando. Há vozes no establishment que estão desafiando Ahmadinejad. E não está claro que ele e os Sepah (a Guarda Revolucionária) serão fortes o suficiente para superá-los. O Líder Supremo, o Aiatolá Ali Khamenei, está jogando o papel de Bonaparte, manobrando entre as facções. Haverá confrontos e divisões entre as diferentes facções que refletem uma profunda crise do próprio regime.
Na entrevista já mencionada, Ibrahim Yazdi refere-se ao racha no regime:
“Depois da última eleição [2005], depois de Ahmadinejad ter sido eleito pela primeira vez, havia muitas questões levantadas sobre o esforço de Ahmadinejad para isolar o Líder. Falamos abertamente sobre isso. Desta vez, nos preparativos da votação, eles o isolaram ainda mais. Por exemplo, no ano passado [o ex-presidente] Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, teve influência, talvez mais influência que o líder. Agora, com os slogans sendo usados em comícios de Ahmadinejad, tais como “Morte a Hashemi!”. Foi criada uma profunda brecha. Khamenei também perdeu o apoio de muitos altos membros do clero.”
Covardia dos reformistas
Os liberais reformistas no Irã e no estrangeiro estão se afogando nas profundezas do desespero. Mousavi se comprometeu a lutar contra o veredicto, usando palavras como “tirania” e acrescentando, “não vou renunciar a esta perigosa ilusão”. Antes mesmo de encerrada a votação, Mousavi emitiu uma carta exortando acentuadamente a contagem, exigindo a paralisação por causa de “flagrantes violações” o que ele indicou como um processo injusto.
O líder oposicionista disse que os resultados dos “monitores falsos” refletem “o enfraquecimento dos pilares que constituem o sagrado sistema” do Irã e “a lei do autoritarismo e da tirania.” Fiscais independentes foram proibidos nos locais de votação. “Os resultados anunciados para as eleições presidenciais foram espantosos. As pessoas que estiveram em longas filas e sabiam muito bem em quem tinham votado foram totalmente surpreendidas pelos mágicos que trabalham na televisão e no rádio.” Disse Mousavi em sua declaração.
O jornal de Mousavi, Kalemeh Sabz (A Palavra Verde), não apareceu nas bancas de jornal hoje. Um editor falando anonimamente disse que as autoridades tinham sido ofendidas pelas declarações de Mousavi. O site informou que mais de 10 milhões de votos estavam sem os números de identificação, que tornou os votos “desconhecidos”.
Como seus partidários tomaram as ruas da capital para enfrentar os cassetetes e o gás lacrimogêneo, Hossein Mousavi lançou formalmente um recurso contra o resultado das eleições. Ele fez um apelo para ao Conselho de Guardiões para inverter o resultado, e exortou os seus partidários para continuar os protestos “de maneira pacífica e legal”. “Avisamos aos funcionários que vamos organizar uma manifestação nacional para permitir que as pessoas demonstrem sua rejeição ao processo eleitoral e seus resultados,” disse Mousavi.
O Conselho de Guardiões é constitucionalmente formado por um corpo de 6 clérigos e 6 juristas, que funciona como autoridade eleitoral do Irã e de outros poderes. Ali Khamenei é o Líder Supremo, e ele já afirmou que as eleições tinham sido conduzidas de forma justa e ordenou a três candidatos derrotados e os seus partidários para evitar comportamentos “provocadores”.
A manifestação planejada pela oposição para protestar contra a fraude eleitoral foi proibida. Portanto, o caminho para a reparação por meios legais e constitucionais está bloqueado. A única forma de conquistar direitos democráticos no Irã está tomando o caminho revolucionário. “O Irã”, disse Mousavi, “pertence ao povo e não ao charlatanismo!”. Chegou a falar de uma convocação de greve geral. Mas as palavras são baratas, os dirigentes reformistas burgueses iranianos têm mais medo de um movimento de massas do que o próprio Khamenei.
O Papel da classe trabalhadora
Tal como os cadetes na Rússia, os liberais reformistas no Irã estão aterrorizados com a revolução. Ibrahim Yazdi disse a um repórter americano: “Certamente, estamos preocupados com reações espontâneas. A juventude está empenhada e mobilizada. Em todo o país, já houve alguns confrontos violentos. Nós não concordamos com a violência, porque a violência só justificará a repressão da oposição.” E mais: “Não somos subversivos. Queremos criar uma força política viável que possa exercer sua influência.” Estas palavras indicam a verdadeira psicologia dos burgueses reformistas no Irã. Eles poderiam ter copiado estas palavras de qualquer jornal dos Liberais russos, em Fevereiro de 1917.
A verdadeira analogia histórica, porém, não é a Rússia de 1917, mas sim a de 1905, ou mesmo antes. Assim como a Revolução Russa anterior a 1905, a revolução iraniana está em sua infância. Tem um longo caminho a percorrer, e esta não é uma coisa ruim do ponto de vista dos marxistas iranianos que precisam de tempo para construir suas forças. Tal como os trabalhadores russos antes de 1905, a classe trabalhadora iraniana é principalmente formada por jovens inexperientes. A velha geração de trabalhadores ativistas, que foram formados principalmente na escola do stalinismo, desapareceu, foi dizimada pela repressão e desorientada pelas falsas políticas de seus líderes.
Vai exigir tempo e experiências, tanto de vitórias como de derrotas, antes que a classe trabalhadora iraniana chegue à conclusão da necessidade da tomada do poder. Lembremos que, em Janeiro de 1905, o jovem proletariado russo entrou na cena histórica em uma manifestação pacífica liderada por um padre, com ícones religiosos em suas mãos, que levavam uma petição ao Czar. Mas um massacre sangrento foi suficiente para levá-los ao caminho da revolução no espaço de 24 horas. Podemos esperar semelhantes mudanças bruscas e repentinas no Irã.
A campanha de Mousavi despertou as esperanças de muitas pessoas, especialmente entre os jovens de classe média e as mulheres (prometeu mais direitos para as mulheres). Agora, essas esperanças foram frustradas. A polícia e a “Guarda Revolucionária” têm dado aos jovens uma excelente lição do valor da democracia iraniana com cassetetes, punhos e botas. A situação continua explosiva. Mas, na ausência de um programa claro, perspectiva e liderança, vão às ruas em protestos e motins que não levam a nada. Por isso provavelmente a atual onda de agitação morrerá por um tempo. Mas ela vai voltar com ainda mais violência, numa fase posterior.
Os reformistas estão esperneando e chorando por causa da derrota eleitoral, mas na realidade estas eleições não resolverão nada para o povo iraniano, para a classe trabalhadora ou até mesmo para o próprio regime. Este regime é frágil como o Velho do Mar, que subiu nos ombros de Sinbad e recusou-se a descer. Estas eleições são apenas mais uma lição na dura escola da vida, o que acabará por convencer os trabalhadores e jovens que, para tirar o Velho do Mar de suas costas serão necessárias medidas muito radicais.
A verdadeira fraqueza do movimento pela democracia é que o poderoso proletariado iraniano ainda não se moveu de forma decisiva, como o fez em 1979. Após longos anos de repressão durante o qual o movimento foi efetivamente decapitado, a classe trabalhadora precisa de tempo para encontrar seu chão. Como um atleta que esteve inativo por um longo tempo, os trabalhadores necessitam esticar seus músculos e se exercitar antes de passar decisivamente à ação. Já houve muitas greves por questões econômicas. A pressão está aumentando de baixo pra cima. Esta pressão tem reflexos, até mesmo na Casa do Trabalho, a organização criada pelo regime para controlar os trabalhadores. No atual período, o jornal oficial da Câmara do Trabalho, publicou um artigo de Lênin. Como os tempos estão mudando!
O Irã é formado em sua maioria por jovens. A população tem uma idade média de 27 anos. Estas pessoas podem não se lembrar do tempo em que os Mulás não estavam no poder. Há muito tempo os Mulás foram considerados como incorruptíveis, em contraste com a degenerada monarquia pró-ocidental. Mas isso foi há muito tempo. Depois de décadas no poder, os Mulás foram expostos como um regime corrupto e estão perdendo a autoridade que costumavam ter. Ahmadinejad enviou ônibus para seus partidários das aldeias para participar das manifestações em seu apoio. Sua base real é a Guarda Revolucionária, mas esta já não inspira o tipo de terror que inspirava no passado. A coisa mais significativa sobre os motins neste fim de semana não foi o fato de serem reprimidos, mas que muitas pessoas estavam dispostas a ir para as ruas para desafiar o Estado e suas forças repressoras. Isto significa que os dias do regime estão contados.
No final, tudo isso resultará em crise. Este será um governo de crise, provavelmente seu mandato não durará muito. As divisões políticas e sociais no interior do Irã serão ampliadas. A militância dos trabalhadores irá crescer e se manifestar primeiramente em greves econômicas, por melhores salários e condições, como já vimos nos últimos anos e, mais tarde, como greves e manifestações políticas. A necessidade mais urgente agora é organizar os trabalhadores e proporcionar ao movimento um programa correto, uma política e uma bandeira. Isto só pode ser alcançado pela bandeira vermelha do socialismo.
É muito natural que os jovens joguem um papel fundamental nesta etapa da revolução. É muito similar à situação na Rússia de 1901-03 ou na Espanha de 1930-31, pouco antes da queda da monarquia. Neste momento Trotsky escreveu:
“Uma vez que a burguesia se nega, consciente e obstinadamente, a resolver os problemas impostos pela crise que sofre o regime; uma vez que o proletariado ainda não está disposto a encarregar-se de resolver estes problemas, não é raro que a cena seja ocupada pelos estudantes… A atividade revolucionária ou semi-revolucionária dos estudantes mostra que a sociedade burguesa atravessa uma crise muito profunda…
Os trabalhadores espanhóis manifestaram um instinto revolucionário muito correto, ao apoiar as manifestações dos estudantes. Está claro que precisam trabalhar sob sua própria bandeira e sob a direção de sua própria organização proletária. O dever do comunismo espanhol é assegurar esta ação e para tanto é indispensável que tenha uma política justa…
Se os comunistas tomarem este caminho, há que se admitir que combaterão resoluta, audaz e energicamente pelas consignas democráticas. Se não se entende a coisa assim, cometer-se-ia um gravíssimo erro sectário…
Se a crise revolucionária se transformar em revolução ultrapassará fatalmente os limites previstos pela burguesia e, em caso de vitória, será preciso que o poder seja transmitido ao proletariado”. (Trotsky, Problemas da Revolução Espanhola, Maio de 1930).
As forças dos marxistas iranianos são pequenas, mas crescem a cada dia. Combinando habilmente as reivindicações democráticas com as reivindicações transitórias, vinculando as lutas cotidianas com a idéia da revolução socialista, conectar-se-ão com uma camada cada vez mais ampla de trabalhadores e estudantes que buscam uma mudança fundamental da sociedade. O futuro do Irã está no caminho revolucionário e a revolução iraniana está destinada a sacudir o mundo.
Londres, 15 de Junho de 2009.