Por toda a parte, e a todo instante, só se ouve a mesma palavra: coronavírus. Em meio às preocupações legítimas das pessoas pela saúde de seus entes queridos e a de si próprias, destacam-se fracassos dos governos ao redor do mundo no manejo da epidemia que, embora tenha começado na cidade de Wuhan, no interior da China, já estava anunciada como uma possível ameaça mundial há alguns anos.
Uma vez presente, o vírus expôs da forma mais cruel as contradições do capitalismo decadente. Os governos dos países imperialistas, reféns da anarquia do capital, declaram-se incapazes de produzir, na quantidade e no tempo necessários, equipamentos básicos de proteção para médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem. Estamos falando de máscaras, luvas, álcool em gel e outros itens de simples fabricação. Os sistemas de saúde públicos nacionais, dilapidados à exaustão por sucessivos governos burgueses, se mostraram incapazes de lidar mesmo com a fase inicial da epidemia. Diante de tal cenário, a única alternativa que surtiu algum efeito foi o isolamento social, imposto tardiamente em muitos lugares devido à pressão dos patrões, que temiam e temem sobretudo por seus lucros.
Mas, os mesmos remédios aplicados pela classe dominante acirram as contradições do seu sistema. No Brasil, onde a porcentagem de trabalhadores em situação informal é superior à 40%, a quarentena significa mais do que a paralisação da maior parte das atividades econômicas, problema que aflige também os demais países. Milhões de famílias por todo o país foram privadas da miserável renda que possuíam. E a solução apresentada pela câmara federal e pelo senado? O chamado “coronavoucher”, que consiste no pagamento de R$ 600 para no máximo duas pessoas de uma mesma família, cujo sustento tenha sido cortado pelo isolamento social. Bolsonaro, um estúpido incorrigível, tentou barrar a proposta em um primeiro momento, mas a pressão vinda de todos os lados o forçou a mudar de opinião.
Um dos setores que mais pressionou pela aprovação do pagamento desse auxílio foi a esquerda, em seu conjunto. Do PT ao Psol, passando por uma infinidade de grupos, coletivos e “intelectuais” de esquerda, todos se revezaram em louvores ao projeto, que “salvaria vidas” ao garantir que os trabalhadores informais pudessem “ficar em suas casas”. Talvez os que apresentam semelhante proposta como uma vitória dos trabalhadores não tenham a exata noção do que significa R$ 1.200 no orçamento de qualquer família. Mesmo o aluguel de casas pequenas e barracos em bairros distantes das grandes cidades brasileiras alcançam esse valor, chegando, muitas vezes, a até superá-lo. Se o “coronavoucher” for tragado pelo alto preço dos aluguéis, o que sobrará para despesas como eletricidade, água, comida, remédios? Como se vê, essa quantia está muito aquém do necessário para “salvar vidas”.
A única forma de permitir que trabalhadores nessa situação possam sobreviver de forma digna, com suas famílias em casa, exige muito mais do que o pagamento de uma quantia tão inócua. É necessária a realização de obras nos bairros mais pobres e distantes dos nossos centros urbanos e que, além disso, garantam condições de vida mínimas para os habitantes. A limpeza das ruas, dos bancos, dos postes e demais superfícies que podem conter o vírus deve ser reforçada para proteger a classe trabalhadora. Um sistema de fornecimento de comida e mantimentos básicos de higiene e limpeza precisa ser imediatamente estabelecido por todo o Brasil.
Todos os quadros e lideranças da esquerda reformista sabem muito bem que essa é a única solução. Eles também sabem que nada disso é possível sem um enfrentamento direto com a ordem burguesa, cuja estrutura ajudam a manter intacta, mesmo em momentos críticos como esse. A ausência de serviços públicos, gratuitos e para todos, que não será atenuado com o insignificante valor pago pelo governo, agravará enormemente o impacto da doença nos setores mais vulneráveis da classe trabalhadora brasileira. Muitos desses trabalhadores encontram alternativa na demagogia de Bolsonaro e seus aliados, que se apresentam como defensores dos trabalhadores informais ao defenderem o fim imediato do isolamento social. Assim como ocorreu em outras crises do passado, o grande obstáculo enfrentado pelo proletariado é a renúncia de um programa de classe por parte das suas lideranças, que se tornaram fiéis defensoras da ordem burguesa.