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Itália: fim do lockdown e a ofensiva dos patrões 

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 06, de 14 de maio de 2020. Confira a edição completa

Nessa última semana foram registrados os índices mais baixos de contágio e mortes pelo novo coronavírus na Itália. O país que se tornou o epicentro da crise no mês de março, forçando o governo de Giuseppe Conte a adotar medidas radicais de isolamento social, chega a essa semana com uma considerável redução no número de mortos e na curva de contágio. Em detrimento desse achatamento nas curvas de mortos e infectados, o novo vírus está longe de ser controlado, mesmo assim o governo, pressionado por setores da burguesia italiana, desesperados pela plena retomada da produção, decide decretar a “Fase 2”, plano que prevê um calendário antecipado de relaxamento no lockdown e reabertura das atividades de setores não essenciais da indústria e comércio, bem como a circulação dos cidadãos.

Por sua vez, Conte conhece os perigos de relaxar o isolamento sem uma erradicação de fato da doença, mesmo assim, alinhado com os burgueses radicais anti-confinamento da nova direção eleita da Confederação Geral da Indústria Italiana (Confindustria), decide arriscar e “observar como a doença irá evoluir nessas primeiras semanas”, como afirmou o seu Ministro de Assuntos Regionais, Francesco Boccia.

Esse “tiro no escuro” disparado por Conte pode resultar em um acirramento na luta de classes jamais visto, caso a epidemia volte a recrudescer com o fim do lockdown. Essa situação que se prepara já teve uma prévia no início do último mês de março, quando greves operárias por condições mais seguras de trabalho eclodiram nas plantas da FIAT em Nápoles e Bologna, e inspiraram um movimento que tomou toda a Itália. O mesmo governo que emitiu o decreto de isolamento social, também por decreto permitiu que fábricas de setores não essenciais continuassem funcionando, sem que fossem observadas a mínimas condições de segurança e o fornecimento de equipamentos de proteção.

A burguesia entre a contra-ofensiva e o medo

Passados os momentos mais críticos da pandemia na Itália, a patronal, representada pela Confindustria e os donos dos bancos, voltam a campo, de maneira direta e agressiva, como não se via desde os anos 1970. 

Isso se explica na falta de confiança que eles têm no atual governo e falta de partidos e quadros que possam representá-los politicamente da maneira que lhes convém. O partido que melhor poderia prestar esse serviço é o Itália Viva1, que goza de ínfimos 3% nas pesquisas de opinião, além de ser liderado pelo senador Matteo Renzi, ex-primeiro ministro e um dos políticos mais odiados da Itália. A Liga Norte2, do ex-primeiro ministro Matteo Salvini não é uma opção para a burguesia italiana. O extremismo de direita deste partido, além do rechaço popular, desperta a desconfiança da União Europeia, cujo o apoio financeiro é vital para a contra-ofensiva da patronal.

Essa contra-ofensiva dos patrões prevê a reabertura de todos os negócios o mais rápido possível, com o máximo de acordos sindicais sobre demissões e reduções de salários. Também se pauta exercer forte pressão política sobre o governo para que o custo da crise seja repassado das empresas e dos bancos para o Estado e, consequentemente, para os trabalhadores e contribuintes. A melhor opção seria funcionários mais confiáveis no alto escalão do governo italiano. A falta dessa opção expressa a fraqueza política e o principal medo dos donos dos grandes meios de produção da Itália e a principal força dos trabalhadores.

Na Itália, como em todo mundo, a pandemia da Covid-19 abriu um novo período político. Ficaram claras as intenções da burguesia aos olhos dos trabalhadores. Diante dessa crise um salto de consciência foi inevitável e é irreversível. Sob o rolo compressor do vírus, a classe trabalhadora italiana se pôs em movimento de forma espontânea, arrastando consigo as direções sindicais reformistas, que foram obrigadas a se posicionar e abandonar por hora, o posto de facilitadores da patronal. Em todo lugar há uma discussão sobre o que é realmente “essencial”, e milhões de pessoas entendem, ou pelo menos percebem, que os trabalhadores são essenciais e os patrões, não. 

Neste momento, na Itália, os patrões rangem os dentes, porque percebem a sua fraqueza política. Sua máscara caiu: o discurso de “fim da História”, “fim da luta de classes” e o reinado pacífico e próspero do “livre mercado”, repetido incansavelmente por eles e por seus representantes por todos esses anos, se pôs a perder. O conflito de classes assume, assim, um caráter cada vez mais claro e definido. Isso fica evidente aos trabalhadores, e é com essa consciência revitalizada que as massas, na Itália e em todo mundo, enfrentarão o próximo período: o do confronto para defender a saúde, o trabalho e todos os aspectos de suas condições de vida que o capitalismo, em seu estertor de morte, está aniquilando aceleradamente.

Notas:

1 Partido liberal fundado em 2019 por Matteo Renzi e outros dissidentes do Partido Democrata (PD). Faz parte da base que compõe o governo de Giuseppe Conte, com o Movimento 5 Estrelas, (M5E), Partido Democrata e o Livres e Iguais, (LeU). Possui representação no Senado da República e 28 deputados no Parlamento.

2 A Liga, (Lega Nord per l’Indipendenza della Padania) é um partido de extrema-direita e regionalista do Norte da Itália, fundado em 1991, com a unificação de vários pequenos grupos autonomistas, regionalistas e elementos fascistas. Reivindica o separatismo e o nacionalismo padano, além de ostentar um discurso anti-imigração e protecionista. Elegeu 124 deputados na Câmara, 57 senadores e 28 eurodeputados. Um primeiro arranjo com o Movimento 5 Estrelas, levou seu presidente, Matteo Salvini ao cargo de vice-primeiro-ministro e Ministro do Interior. Em agosto de 2019, Salvini  rompeu com o M5E implodindo o governo. Salvini é um dos políticos em quem Jair Bolsonaro diz se inspirar.