A Itália vai às eleições em 4 de março em um contexto de crise econômica e um impasse generalizado na situação política. Parece que as eleições produzirão um parlamento apertado com nenhum vencedor absoluto. A direita emergirá fortalecida, mas aparentemente o Movimento das Cinco Estrelas será o maior partido único. E o que restar da esquerda estará em colapso. O quadro que se destaca é o horror generalizado das massas pelos velhos partidos estabelecidos. Nessas condições, os camaradas italianos da Corrente Marxista Internacional (CMI) decidiram ter a sua agremiação independente. Saiba mais sobre a campanha da eleição dos camaradas italianos em Rivoluzione. Também no Facebook, @scrivoluzioneivoluzione.
Crise social e econômica
Para entender os mais recentes avanços na situação política italiana é necessário olhar para o pano de fundo econômico e político que criou o atual impasse. A Itália é a terceira maior economia da zona do euro e o oitavo maior PIB do mundo, porém ela sofreu um grave impacto com a crise de 2008-9, sofrendo uma queda do seu PIB entre 2008 e 2013 e, mesmo com a subsequente assim chamada ‘recuperação’ de mais ou menos 1%, ela está de fato estagnada.
Os valores por hora trabalhada na Itália cresceram em um período de cinco anos de 2012 a 2016 a uma média anual de 0,8%, consistentemente abaixo da inflação, chegando ao fundo do poço em 2016 a meros 0,2%. Muitos trabalhadores da indústria ganham cerca de € 1.100 até € 1.200 por mês (€ 13 a 14 mil por ano) e os jovens trabalhadores podem ganhar ainda menos. No Sul, muitos jovens estão em empregos que pagam cerca de € 500 por mês. Enquanto isso, os salários 20% mais altos são cerca de seis vezes maiores que os 20% menores!
Os salários dos trabalhadores italianos foram reduzidos por um longo período como resultado de uma legislação contra o trabalho. O Ministério Italiano para o Desenvolvimento Econômico grita que “os custos do trabalho italiano estão abaixo da média da zona do euro” em uma tentativa de atrair investimento. Entretanto, a Itália fica atrás dos seus maiores competidores em termos de produtividade, que na realidade caiu em 2016, e é esperada que continue a cair por muitos anos mais. Isso se dá por causa dos crônicos baixos níveis de investimentos pelos capitalistas italianos que preferem investir no exterior ou fazer dinheiro com a especulação.
Muitos empregos foram destruídos no mesmo período. O desemprego atinge 11%, mas entre os jovens é muito maior sendo o terceiro maior na União Europeia atingindo 32,2%. Somente a Grécia e a Espanha têm níveis maiores. Se formos olhar a ‘juventude ativa’, excluindo os estudantes e outros, o número fica maior que 40% dos quais a metade está desempregada há muito tempo. Entre esses classificados como empregados, muitos trabalham meio período ou têm contratos temporários. Isso tudo graças às novas leis trabalhistas recentemente introduzidas que tornaram o mercado de trabalho muito ‘flexível’. Também há a disparidade entre o Norte e o Sul. Por exemplo, na região Sul da Calábria em 2016, o desemprego entre os jovens ficou em 58,7%: o maior desemprego regional entre os jovens da Europa! Esses números revelam a dramática situação que a juventude italiana enfrenta.
Em 2015, os níveis de pobreza atingiram o pico em dez anos. Cerca de 8% da população está vivendo no que é classificado como ‘pobreza absoluta’ (pessoas que não conseguem comprar nem o básico para sobreviver), enquanto que 14% vive em pobreza relativa, significando que vivem com menos da metade da renda média nacional. Um terço das crianças estão em risco de cair na pobreza. Pela primeira vez, as pessoas de 18 a 34 anos aparecem nos relatórios como o grupo etário mais afetado pela pobreza.
Existe uma arremetida eterna contra o bem estar social que faz cortes na saúde, educação, pensões e gastos públicos em geral. Tudo isso em nome da redução da dívida pública e do equilíbrio das contas. Porém, a dívida pública disparou de 120% do PIB em 2008 para mais de 133% atualmente permanecendo em um total de € 2,2 trilhões.
A austeridade, como em outros países, não está funcionando. Enquanto os gastos nos serviços foram cortados, bilhões foram dados aos bancos em crise e mais bilhões se foram para pagar os juros na dívida acumulada. Entre 2007 e 2016, os pagamentos de juros da dívida remontaram a um total de € 760 bilhões, iguais a um terço da dívida geral atual! Para cada € 20 produzidos do PIB, € 1 vai para o serviço da dívida, equivalente ao que é gasto para administrar o sistema educacional! Os gastos em serviços essenciais, educação, saúde, pensões e outros são cortados, porém a dívida continua a crescer.
Tudo isso torna a vida dos trabalhadores normais muito dura. Nessas condições não é surpresa que a juventude italiana, e os não muito jovens estejam imigrando em largos números. Em 2015, mais de 100 mil italianos deixaram o país para procurar trabalho no exterior e os números não param de crescer.
A desilusão com o sistema
Desde o colapso com o velho sistema partidário em 1992-94, a Itália tem sido governada por coalizões de centro esquerda e centro-direita.
À direita ocorreu a criação de novos partidos e transformações dos antigos. O antigo Movimento Social Italiano (MSI), que foi um sobrevivente do antigo partido fascista de uma forma reciclada, mudou o seu nome e se moveu em direção a um partido conservador de direita clássico, Alleanza Nazionale, dividindo-se mais tarde e fragmentando como resultado de sua participação no governo. Ao mesmo tempo, Berlusconi lançou o seu partido Forza Italia para preencher o vácuo deixado pelo colapso da democracia cristã. E no Norte vimos a emergência da Liga Nortista, um partido abertamente racista e xenófobo, inicialmente fazendo a campanha de uma ideia de que o Norte precisa se separar do resto do país. Sua propaganda era abertamente um insulto aos italianos do Sul. Percebendo o que precisava para se tornar um importante jogador na política italiana, ele deixou sua demagogia contra o Sul e mudou o seu nome para a Lega (simplesmente Liga) e se dirigiu a uma instância raivosa contra a imigração.
À esquerda, o antigo Partido Comunista se dividiu em 1991 com a maioria adotando o nome Partito Democratico Della Sinistra (Partido Democrático da Esquerda – PDS), e a minoria fez nascer o Partito della Rifondazione Comunista (Partido da Refundação Comunista – PRC). Existem também alguns pequenos partidos como os Verdes, que são fragmentos da antiga Democracia Cristã e outros que fariam coalizão com o PDS como ‘centro-esquerda’.
A centro-direita, liderada por Berlusconi, governou a Itália em 1994-95, seguida por governos de centro-esquerda até 2001. O PRC apoiou o governo de centro-esquerda de Prodi de 1996-98, deixando-o quando em 1998 decidiu não apoiar o próximo governo de centro-esquerda. Entre 2001 e 2006, a centro-direita de Berlusconi retornou ao governo, seguido por dois anos de um governo de centro-esquerda, 2006-8, quando a liderança do PRC, que não aprendeu nada com a experiência anterior com Prodi, juntou-se ao governo ganhando ministérios. O PRC sofreu um pesado ataque perdendo os ministérios em 2008 quando Berlusconi retornou e governou a Itália até 2011. Tal foi o impacto da crise, que a classe dominante italiana manobrou com uma posição de ‘governo tecnocrático’ liderado pelo ex-banqueiro Mario Monti. Essa foi de fato uma coalizão entre o Partido Democrático e Berlusconi quando ambos ofereceram apoio parlamentar a Monti. E desde 2013 a Itália é governada pelo Partido Democrático.
Por todo esse período de 25 anos, sucessivos governos sistematicamente desmantelaram o antigo estado de bem estar com ataques às pensões, cortes nos gastos na saúde pública e educação e uma série de leis que tornaram mais fácil a demissão de trabalhadores, introduzindo mais e mais precarização do trabalho com a destruição de muito pelo qual a classe trabalhadora italiana lutou no período do pós-guerra.
Toda essa alternância de governos de centro-direita e centro-esquerda combinada com a piora constante das condições de vida para a massa dos trabalhadores, gradualmente acabou com a confiança das massas nos partidos estabelecidos. À esquerda, o PRC entrou em colapso como consequência da sua participação nos governos de centro-esquerda que proclamavam austeridade. O PDS completou sua transformação em um partido abertamente burguês. De fato, ele é a genuína expressão da classe dominante italiana com Renzi sendo visto como um servo leal da classe capitalista.
Adicionam-se a tudo isso os inúmeros escândalos de corrupção que continuaram a irromper envolvendo os ministérios de praticamente todos os antigos partidos políticos. Não podemos esquecer que no período 1991-93, o antigo sistema político entrou em colapso com os Democratas Cristãos e o Partido Socialista tão imersos nos escândalos do período que desapareceram da cena política. Desde então, praticamente todos os principais partidos têm se envolvido em algum tipo de escândalo. Portanto, a desilusão com os políticos em geral tem sido construída por um longo período.
Enquanto isso, na frente sindical, os líderes acabaram por se vender frequentemente. Muitas das conquistas obtidas pelos trabalhadores em amargas batalhas nos anos 1960 e 70 foram riscadas do mapa. As leis trabalhistas foram mudadas tornando mais fácil a demissão de trabalhadores. Muito do que era considerado ilegal no passado foi legalizado, como os contratos de zero horas, contratos de meio período e outros. Isso fez com que os trabalhadores sentissem que não havia ninguém para defendê-los, nem na frente política, nem na frente sindical. Geralmente quando muitas lutas ocorrem, elas são iniciativas das fileiras dos trabalhadores que passam por cima da burocracia sindical ou são de pequenos sindicatos que se separaram dos sindicatos oficiais.
Nestas condições, o número de pessoas decidindo não votar nas eleições começou a crescer. Nos anos 1970, a participação dos eleitores estava acima de 90%, mas esse número começou a cair gradualmente durante os anos até chegar a 70% em 2013. Desde então, em uma série de eleições locais e regionais, a participação tem sido ainda menor chegando a 50% e, em alguns casos, abaixo deste número.
O surgimento do Movimento das Cinco Estrelas
É nessas condições que o comediante Beppe Grillo lançou pela internet o seu Movimento das Cinco Estrelas (Movimento Cinque Stelle, M5S), recebendo apoio maciço. Nas eleições de 2013, o M5S participou pela primeira vez das eleições gerais e foi o partido mais votado, embora por ter se lançado como partido independente recusando-se a formar coalizões eleitorais com outros partidos, ele ganhou 109 deputados de um total de 630 para formar o parlamento. Mesmo assim foi um choque político. No último ano, o M5S venceu as eleições nas duas maiores cidades, Turim e Roma.
Como podemos caracterizar esse novo partido? Ele emergiu como uma força em um período que viu Melenchon lançar o seu Partido da Esquerda na França, e mais tarde se transformar n’A França Insubmissa (La France Insoumise), PODEMOS ser lançado como a maior força de oposição na Espanha e Syriza ser catapultado de um pequeno partido de esquerda na Grécia a um partido de governo. Um observador superficial poderia facilmente cometer o erro de achar que o M5S é igual aos fenômenos citados, mas seria um enorme erro. Melenchon, Podemos e Syriza cresceram a esteira de grandes movimentos sociais, greves maciças e protestos e são expressões daqueles movimentos.
Não foi o caso na Itália. O que tivemos foi uma grande desilusão com os partidos tradicionais, raiva disseminada por causa dos ataques aos trabalhadores, mas não uma saída real para esta raiva por meio dos sindicatos ou da frente política. Ao mesmo tempo, a esquerda oficial entrou em colapso ou se metamorfoseou no burguês Partido Democrático. A única força crível na esquerda era a Refundação Comunista, mas depois de primeiro apoiar, e depois, participar de governos de centro-esquerda, como vimos acima, o partido fragmentou-se e foi reduzido a uma força insignificante sem ministros ou senadores.
Nesse vácuo, a demagogia anticorrupção de Grillo e seu movimento M5S encontraram ecos entre uma larga camada da população. O real sentimento no país era ‘chutemos todos para fora’, e o M5S deu vazão a esse sentimento. Mas o M5S não é um partido de esquerda, nem um partido dos trabalhadores. Muitos esquerdistas votaram nele, muitos eleitores do Partido Comunista o apoiaram, mas ele não é uma organização da classe trabalhadora. De fato, ele atraiu pessoas tanto de esquerda quanto de direita e pode ser descrito como um partido populista burguês que não desafia o capitalismo de forma alguma. Faz muito barulho sobre combater a corrupção e limpar a política, porém, uma vez no governo, ele revela suas fraquezas. O partido está atualmente governando Roma e Turim e nada fundamental mudou. As razões para isso é que eles não se prepararam para atacar os capitalistas, eles não questionam a natureza essencial do capitalismo e desejam governar de acordo com as leis da ‘economia de mercado’. Isso significa que no governo, vão governar o sistema de acordo com as leis que o regem. Portanto, as dívidas serão pagas, os juros nas dívidas precisam ser pagos e por aí vai.
No período recente, a natureza do M5S se tornou mais clara. Como a proximidade de se tornar uma força de governo se tornou real, o partido guinou mais e mais à direita. Seu atual líder, Luigi Di Maio, que é considerado o líder da mais moderada facção do M5S, tem andado muito ocupado reassegurando aos capitalistas italianos com discursos públicos o quanto ele e o partido que lidera são a favor dos negócios. Em setembro, quando foi a uma conferência da Confindustria, o sindicato patronal italiano, ele anunciou que o seu modelo era o governo de Rajoy na Espanha! Também deixou bem claro que estavam deixando as posições contra os Estados Unidos, mais tarde amaciando os nervos dos patrões e depois fez uma viagem aos Estados Unidos para mostrar seu apoio à classe dominante norte-americana seguida por uma visita ao Vaticano e viagens a Macron na França. O M5S também adotou uma política anti-imigrantista e surpreendeu com uma postura contra a União Europeia.
Atividades fascistas
Vale a pena dedicar algumas linhas às atividades das organizações abertamente fascistas na Itália neste contexto, Forza Nuova e Casa Pound. Elas vêm tentando se aproveitar do atual humor de horror geral em relação aos partidos tradicionais tentando se apresentar como os fascistas ‘originais’, ao retomar a fundação do Partido Fascista de Mussolini em 1919 quando ele tentou mostrar uma imagem de ser ao mesmo tempo anticapitalista e anticomunista.
Essas organizações estão contribuindo para varrer o humor da histeria racista entre algumas camadas da população, organizando ataques físicos a imigrantes, explorando a presença crescente de imigrantes no período recente. Isso também tem o auxílio e é instigado pelos líderes dos partidos de direita no parlamento, que constantemente clamam por repatriação dos imigrantes e estreitar os controles de fronteira. A Forza Nuova é abertamente homofóbica e oposta aos direitos ao aborto.
Nesse contexto em 3 de fevereiro, na cidade de Macerata, Luca Traini de 28 anos dirigiu pelas ruas da cidade com uma arma e abriu fogo em qualquer um que se parecesse com um imigrante africano, ferindo seis, e depois, com a bandeira italiana enrolada nos seus ombros fez a saudação fascista antes de ser preso pela polícia. Embora a Casa Pound tenha se distanciado da ação, é tentador apaziguar o ato e parecer como uma força de uma direita mais razoável. Em 2011, um simpatizante da Casa Pound, de fato, matou dois imigrantes africanos em Florença. A Forza Nuova imediatamente veio em apoio a Traini e ofereceu os serviços de seus advogados para sua defesa.
A Lega e Berlusconi, ao invés de condenar publicamente o tiroteio, vieram a público com declarações colocando a culpa na imigração, deixando antever que tais ações são “compreensíveis”.
Tudo isso provocou a indignação de muitos trabalhadores e dos jovens por todo o país com demonstrações de dezenas de milhares em várias cidades de Norte a Sul do país. Esses eventos trazem uma luz sobre a tensa situação que existe na Itália, mas também mostram que existe uma camada muito radicalizada na esquerda que deseja fazer algo para combater a direita.
O impasse na esquerda
A existência do M5S representa um grande obstáculo ao desenvolvimento de uma força de massa na esquerda. Ele capturou o voto de muitos ativistas de esquerda e, apesar de tudo que foi dito acima, ele ainda não passou pelo teste de ser governo. Os outros partidos estão tão desacreditados que até 30% do eleitorado tenciona votar neles nas eleições de 4 de março, com de 30 a 40% dos jovens com intenção de voto a eles.
Esse obstáculo só será removido por eventos de maior magnitude. Eles só serão testados no governo até certo ponto e isso poderia expor todas as suas limitações àqueles que ainda têm grandes ilusões. Mas, por outro lado, eles podem ser forçados a se tornar um partido mais ‘responsável’ pela classe dominante. Suas ações podem começar a enfraquecer sua base social se a crise se aprofundar. Em certa medida, pode-se dizer que esse processo já começou. Na campanha eleitoral de 2013, o M5S lotava praças como dezenas de milhares de entusiasmados apoiadores. Não é mais o caso, pois sua campanha atual é de caráter muito mais passivo. Foram postadas muitas ilusões neles, e uma vez expostas, eles se enfraquecerão e poderão se fragmentar e entrar em colapso, abrindo espaço para algo se desenvolver na esquerda. Porém, ao que se refere à atualidade, é uma tarefa quase impossível.
A situação da esquerda é desastrosa. O Partido Democrático presenciou um processo no qual Renzi, o representante direto da burguesia, tomou o controle do partido. Os burocratas que se originaram do antigo Partido Comunista gradualmente foram se mudando para o outro lado, e isso levou a uma série de divisões dos grupos dos ministérios para defender suas posições parlamentares. Estes estão agora juntos nas fileiras eleitorais do Livres e Iguais (Liberi e Uguali). Essa agremiação é composta de políticos que apoiaram a legislação contra o trabalho dos governos de centro-esquerda no passado e não são vistos como uma alternativa clara. Um dos seus líderes é Massimo D’Alema, que foi premiê no governo de centro-esquerda de 1998-2000 e é uma figura odiada pela esquerda. Isso explica porque as pesquisas de opinião os colocam como tendo 6% das intenções de voto para as próximas eleições. No momento, o Liberi e Uguali ainda não se tornou um partido com uma militância ativa, pois é uma simples coalizão de ex-membros do PD para preservar suas carreiras. Eles afirmaram que após as eleições pretendem montar um partido e esta pode ser a base para a emergência de uma formação Democrática Social, que tem o apoio da burocracia da Confederação Geral Italiana do Trabalho (Confederazione Generale Italiana del Lavoro – CGIL). Só o futuro mostrará como essa formação se desenvolverá.
As pesquisas de opinião indicam que a direita, uma coalizão de quatro partidos, emergirá como a mais forte coalizão eleitoral, embora sem uma maioria expressiva. O M5S será o maior partido independente e o Partido Democrático, em coalizão com vários pequenos partidos, verá seus votos reduzirem significativamente. O Liberi e Uguali terá poucos deputados no parlamento com cerca de 6% das intenções, acima do limite de 3%. O que sobrar será dividido entre as formações fascistas de extrema-direita e com a extrema-esquerda.
Neste contexto, os líderes do que restou da Refundação Comunista aderiram a outros grupos de esquerda para lançar o Poder ao Povo (Potere al Popolo). A Rifondazione foi reduzida a um punhado de poucos milhares de militantes. Longe estão os tempos quando tinha mais de 120.000 militantes e um grupo razoável no parlamento. As pesquisas de opinião indicam que essa agremiação poderia obter cerca de 0,9%. Esse agrupamento tem todas as desvantagens de ser composto por líderes que participaram dos governos de centro-esquerda no passado, que votou políticas contra o trabalho, porém sem a vantagem do apoio popular. Sua base ativa não é maior que 3.000 ou 5.000 pessoas em todo o país. Eles também continuam a apoiar o Tsipras na Grécia, ignorando completamente suas políticas contra o trabalho ao longo de dois anos. Também existe um pequeno grupo chamado Partido Comunista (Partito Comunista), liderado por Marco Rizzo, que também foi líder da Rifondazione e agora está vinculado ao Partido Comunista da Grécia(Κομμουνιστικό Κόμμα Ελλάδας/Kommounistikó Kómma Elládas, KKE), porém espera-se que consiga em torno de 0,2% do eleitorado.
O que devem fazer os marxistas?
Os camaradas da CMI na Itália trabalharam por quase 20 anos com o Rifondazione Comunista. Eles foram parte da ala esquerda do partido, com membros no Comitê Central, no Executivo e, por um curto período, também na Secretaria Central. Eles lutaram para que o partido adotasse uma genuína política marxista e se opuseram à participação do partido, e seu apoio, aos governos de centro-esquerda. Explicaram pacientemente que tal política seria desastrosa ao partido. O tempo provou que estavam corretos, mas se viram em um partido em uma hemorragia de apoio da militância e eleitoral.
Em 2008, depois do desastroso resultado nas eleições, os marxistas auxiliaram a derrotar a antiga liderança da ala direita e guinaram o partido à esquerda (na conferência de Chianciano), mas a liderança partidária voltou rapidamente à direita. Nessas condições, os camaradas da CMI discutiram a necessidade de adotar uma instância mais aberta em seu trabalho. Os trabalhadores e os jovens não viam mais a Rifondazione como ponto de referência. Os jovens não tinham nem ideia de que o partido existira!
Em 2013, os camaradas decidiram apresentar um perfil mais aberto lançando um novo movimento político, Sinistra Classe Rivoluzione (Esquerda, Classe e Revolução) e mudaram o nome oficial de FalceMartello (Foice e Martelo) para Rivoluzione (Revolução) e no início de 2016 eles oficialmente deixaram a Rifondazione. Foi uma etapa necessária, pois estar conectado à Rifondazione tinha se tornado um obstáculo para alcançar os trabalhadores mais avançados e os jovens. Em algum lugar do passado, a Rifondazione teve um significativo apoio das massas e ser visto como a ala esquerda marxista do partido foi parte importante para conseguir uma audiência para as ideias revolucionárias do marxismo, porém isso se tornou o seu oposto tornando-se um obstáculo de facto. As grandes vendas de Rivoluzione indicaram que esta pegada mais aberta foi uma maneira muito melhor de fazer as ideias se conectarem com os elementos mais avançados.
As eleições gerais em 4 de março colocaram a questão do que fazer como uma tendência abertamente marxista. A situação encarada pelos marxistas era uma das mais anômalas. Não existia partido ao qual eles poderiam até mesmo considerar para dar apoio ‘muito crítico’. O Partido Democrático é um partido burguês odiado, Livres e Iguais são vistos como uma força insignificante do Partido Democrático e Poder ao Povo é de fato um setor reformista desconhecido das massas.
Isso é o que levou os camaradas italianos da CMI a lançar um apelo no último ano para formar uma agremiação eleitoral da esquerda revolucionária. Inicialmente eles receberam o interesse da Sinistra Anticapitalista (Esquerda Anticapitalista) e do Partito Comunista dei Lavoratori (Partido Comunista dos Trabalhadores). Isso foi antes de o Poder ao Povo ser lançado. Os líderes da Rifondazione até então, em novembro do ano passado, estavam tentando desesperadamente ser aceitos no que se tornou a coalizão Livres e Iguais, mas no último momento decidiram que não precisavam da Rifondazione, pois ela não era mais significativa eleitoralmente. Os líderes da Rifondazione só tinham um objetivo em mente: serem eleitos para o parlamento de novo, pois assim teriam disponível uma certa quantidade de fundos. Ser parte de uma coalização maior, e mais crível, foi visto como a única forma de conseguir isso. Contudo, uma vez rejeitados, eles trabalharam para lançar Poder ao Povo. Feito isso, a Esquerda Anticapitalista oportunamente abandonou de imediato o barco e deixou a CMI em uma aliança com o Partido Comunista dos Trabalhadores.
Campanha massiva por assinaturas
Eles decidiram fazer um abaixo-assinado chamado Sinistra Rivoluzionaria, a Esquerda Revolucionária. Mas esse foi apenas o primeiro passo. A lei eleitoral mais recente na Itália afirma que qualquer partido que não tem representantes no parlamento necessita de um número considerável de assinaturas para ter direito a pleito. É uma tarefa considerável, mas eles imediatamente mobilizaram suas forças. Depois de um período de cinco semanas, foram montadas 500 barracas por toda a Itália para coletar 20.000 assinaturas e conversar com 100.000 pessoas no processo.
O humor geral encontrado por nossos camaradas foi de uma rejeição geral da política com as pessoas completamente alienadas com o sistema político. Entretanto, houve uma camada que demonstrou grande interesse em nossas ideias. De fato, muitas pessoas que assinaram o abaixo-assinado também compraram o jornal. Também foram coletadas centenas de nomes e endereços das pessoas que não somente concordaram em assinar, mas também queriam aprender mais sobre a corrente marxista.
Os marxistas se postaram em frente a fábricas, nos campus, fora das escolas secundárias mostrando as ideias e o programa. Por exemplo, em um dos locais, um único atendente nas fábricas coletou 100 assinaturas no seu posto; em outro, na Universidade de Nápoles, 50 assinaturas foram coletadas em uma barraca. Isso mostra que existe uma camada entre os trabalhadores e os jovens que procura por respostas, que deseja saber o que pode ser feito para quebrar o impasse da esquerda na Itália. Somente os marxistas podem oferecer respostas a essa camada.
Em um período de apenas duas semanas, toda a organização foi mobilizada. Não era, entretanto, somente o caso de colher as assinaturas e entregá-las. As assinaturas não poderiam ser colhidas em apenas uma área, tinham que ser espalhadas por todos os eleitorados. E cada assinatura tinha que ser verificada no município de residência e o título eleitoral de cada assinante tinha que ser encontrado. Envolveu visitas sistemáticas em dúzias de municípios, porém, no final, obtivemos sucesso e a agremiação está agora nas cédulas oficiais de 60% do país.
Ninguém tem ilusão de que os marxistas vão obter uma votação maciça, contudo não é para isso que existem as campanhas. O objetivo é projetar o máximo possível o perfil da corrente marxista, perceber o potencial de militantes e novos membros e estreitar a presença da corrente em diferentes partes do país. Ocorreu muito interesse online, inclusive em áreas onde a corrente não estava presente e nelas há organizações sendo montadas para auxiliar a construir a corrente marxista.
Agora que as assinaturas foram colhidas, oficialmente ratificadas, e o símbolo da agremiação foi registrado, a campanha eleitoral realmente começou. Muitos dos candidatos na agremiação foram entrevistados pelas estações de TV locais, artigos mencionando a agremiação apareceram em vários jornais e também ocorreram entrevistas na TV nacional. O fato de simplesmente estar na cédula significa que cerca de vinte milhões de eleitores verão símbolo e ficarão sabendo da existência da Esquerda Revolucionária.
Digna de menção é a apresentação de Claudio Bellotti, cabeça da agremiação, na RAI2, o principal canal nacional de TV em 22 de fevereiro. Claudio teve 40 minutos para responder algumas perguntas feitas por jornalistas. Ele conseguiu explicar todo o programa da corrente marxista, desde a nacionalização dos bancos e das maiores indústrias, o controle e gerenciamento dos trabalhadores, uma semana de trabalho menor, cancelamento das dívidas e uma Federação Socialista Europeia. Ele explicou a necessidade de retomar os sindicatos para a democracia dos trabalhadores e muito mais. O programa começou com clipes que mostravam os camaradas fora das fábricas, conversando com os trabalhadores, as reuniões públicas da corrente, os camaradas vendendo jornais nas ruas. Realmente serviu para elevar o perfil da corrente e levantou a moral de todos aqueles camaradas que por semanas ficaram nas ruas quase todos os dias para colher assinaturas.
Perspectivas futuras
Os camaradas do CMI na Itália não abandonaram o seu entendimento das conexões entre a classe trabalhadora e as organizações de massa. O que deve ser compreendido sobre a situação italiana atual é que, não considerando os sindicatos, onde a CMI tem uma presença significativa, mais especificamente no FIOM, sindicato dos metalúrgicos, e também com presença no corpo diretivo do CGIL, inclusive no seu comitê nacional, não existe um partido de massa da classe trabalhadora.
A classe trabalhadora italiana, por um período de 30 anos viu o seu partido tradicional, o maior partido comunista da Europa Ocidental, destruído. E nada surgiu no seu lugar. O que existia da esquerda do Partido Democrático entrou em colapso. Isso deixou um sentimento em uma importante camada da população de que não havia em quem votar. Eles odeiam a direita de Berlusconi/Salvini, detestam o Partido Democrático de Renzi, percebem as limitações do M5S e não têm muita fé em agremiações como o Poder Ao Povo.
Nesta situação, possuir uma agremiação eleitoral independente dá aos marxistas um instrumento para ter contato com essas camadas e arregimentá-las para o marxismo. O futuro partido dos trabalhadores italianos não vai emergir de nossa pequena agremiação. Eventos maiores remodelarão o cenário político na Itália. Entre eles haverá um governo envolvendo o M5S, em algum estágio, que preparará o terreno para o desenvolvimento da esquerda.
Na Europa temos visto a radicalização da classe trabalhadora e dos jovens expressa de várias formas. Na Grã-Bretanha, ela se encontrou sua expressão em Corbyn, dentro do tradicional partido britânico da classe trabalhadora; na Espanha, na ascensão do Podemos; na França, no envolvimento com o movimento França Insubmissa de Melenchon; foi expresso mais cedo na Grécia com o Syriza. O que acontecerá na Itália? Ninguém tem uma bola de cristal que permita ver exatamente o futuro de como os eventos se desenrolarão. Mas, em algum momento, a imensa raiva da classe trabalhadora italiana encontrará uma expressão política de uma forma ou outra. E quando isso acontecer, os marxistas estarão prontos. E estar pronto não significa simplesmente ter o programa, análise e perspectivas corretos. Significa ser mais forte como um poder. Esta campanha eleitoral é um passo importante para construir esse poder.
Artigo publicado em 23 de fevereiro de 2017 no site da Corrente Marxista Internacional, sob o título “Italian Marxists are standing in 4 March elections“.
Tradução Ivison Poleto.