Analistas, economistas, governo e deputados tentam tampar o sol com a peneira.
Em Fevereiro foram criados 10 mil empregos, em Março mais 35 mil e em Abril o Ministro do Trabalho, Lupi, diz ter “certeza” que passaremos a ter saldo positivo em 2009 (ou seja, recuperar mais 60 mil empregos). A venda de carros novos aumentou em Fevereiro e Março, embora tenha caído em Abril. Foi o suficiente para que os “analistas” de plantão, os economistas que dão entrevistas todos os dias, o presidente e seus ministros, deputados e senadores, começassem a esboçar um discurso de que a crise chegou aqui, mas que não vai ser tão forte e que vamos nos recuperar muito rapidamente.
Este discurso é uma ilusão. Para que possamos entender a situação econômica, temos que olhar a produção brasileira e quais são as conseqüências da crise mundial do capitalismo. E não só com o olhar de quem vê uma fotografia, no dia em que a bolsa de valores subiu, em que o dólar desceu ou no mês em que houve recuperação de 10 mil empregos. É preciso olhar com mais precisão para não nos enganarmos.
Em 2005 o Brasil importava US$ 77 bilhões, o equivalente a 0,7% da importação mundial (estimada em US$ 10 trilhões), e exportava US$ 118 bilhões, equivalente a 1,1% dos valores mundiais. A tabela abaixo mostra a evolução do comércio externo brasileiro de 2005 a 2008 (em bilhões de dólares):
É importante ver que, se houve um crescimento imenso do comércio exterior, isto acompanhou o crescimento mundial do comércio, com ligeiras variações. Ou seja, o Brasil não era e não é um caso especial e diferente no comércio mundial. Nas exportações, os produtos manufaturados representavam 46% do valor total e, dentre estes, o material de transporte (carros, ônibus, aviões, etc.) representava 14% do total exportado (logo em seguida: petróleo, produtos metalúrgicos, minérios e soja).
Este aumento do comércio exterior levou a um aumento da produção brasileira como um todo, à geração de empregos e também ao crescimento do mercado interno. A crise comercial levou a que tanto a importação como a exportação caíssem 20% (em média) nos dois primeiros meses. Alguns setores, como é o caso da exportação de automóveis, praticamente foram paralisados. Para outros, como o da aviação, se prevê queda em 2010 (para 2009 as encomendas já foram feitas). Em termos gerais, a exportação de produtos industrializados e semi-industrializados caiu por volta de 25%, enquanto que a exportação de produtos brutos (sem industrialização – minério de ferro, soja, petróleo bruto) manteve-se praticamente estável. Ou seja, durante a crise, países como o Brasil tendem a voltar a ser exportadores de matérias primas e produtos agrícolas, perdendo a capacidade de colocar seus produtos industriais no mercado exterior.
Os dados preliminares de abril confirmam tal situação. O MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) expõe os dados:
“Na comparação pela média diária, as exportações aumentaram 14,8% sobre março deste ano e caíram 8% considerando o mesmo período do ano passado. No mês, em relação à igual período do ano anterior, os produtos básicos cresceram 27,4%, enquanto os manufaturados e os semimanufaturados registraram retração de 27,4% e 17,2%, respectivamente.” (Site do MDIC, 04/05/2009).
Os jornais destacaram o que quiseram destacar: a China passou a ser a maior importadora de bens brasileiros – todos eles de produtos básicos (agrícolas e minérios). No total a importação caiu em relação ao ano anterior em 26,6%, enquanto que as importações 8% sobre o ano anterior! Daí o saldo comercial recorde que só se manterá em conjunto com a desindustrialização. O destaque foi o crescimento na venda de minério de ferro, que cresceu 55% (e a Vale continua fechando fornos de produção de aço, ou seja, vende o minério bruto e demite a mão de obra qualificada).
Ressalte-se que as quedas no comércio exportador mundial refletem esta tendência. As maiores economias exportadoras do planeta – Alemanha e Japão – tiveram quedas de até 50% (na maioria de produtos industrializados).*
Os resultados desta situação tiveram seu surto inicial em Dezembro e Janeiro (com a perda recorde de empregos no Brasil nestes dois meses: mais de 750 mil vagas foram fechadas). O emprego industrial vem caindo desde outubro, com queda acumulada de 5,2%. Uma pesquisa da FIESP mostra que 40% das indústrias já têm planos de demissão em SP, sendo que os cortes vão atingir 14% do pessoal empregado na indústria em 2009!
Duas novas pesquisas do IBGE mostram a situação: primeiro cresce o desemprego industrial nas cidades pesquisadas. A taxa de desemprego medida em Março (pessoas que estão procurando emprego) subiu de 8,5% em fevereiro para 9% em março. O desemprego subiu praticamente em todas as faixas pesquisadas. Entre os jovens (16 a 24 anos) subiu para 21,1%, a maior taxa desde Ago/2007. Na indústria, o desemprego subiu de 3,1% para 6,1%, praticamente o dobro. Em relação à escolaridade, os menos afetados foram aqueles com até oito anos de estudo – a taxa de desocupação desse grupo permaneceu quase estável, ao passar de 7% em Fevereiro para 7,1% em Março, enquanto a dos demais grupos cresceu com mais ímpeto. Entre os trabalhadores que têm de 8 a 10 anos de estudo, o desemprego passou de 10,3% para 11,3%, e, entre aqueles com 11 anos ou mais, de 8,6% para 9,2%.
Nesta situação, parece ridícula a justificativa do coordenador da pesquisa de que o desemprego aumenta “por falta de qualificação”. Como se vê pelos dados, o desemprego aumenta em todos os setores e por atingir mais o setor industrial, atinge exatamente os mais qualificados.
O governo reagiu derrubando as tarifas do IPI (Imposto sobre a Produção Industrial) de vários setores (automóveis e motocicletas) e aumentando o crédito para estes setores. Isto levou a uma reação pequena da economia, com a venda de carros no mercado interno aumentando, mas não compensando as perdas do mercado externo. Em termos gerais, o emprego industrial continuou caindo em fevereiro – queda de 4,2% em relação a fevereiro de 2008 – enquanto houve uma pequena recuperação em outros setores. Este foi o saldo de 10 mil empregos a mais.
Ressalte-se que a pesquisa do IBGE mostra um aumento do desemprego, ou seja, o numero de pessoas procurando emprego cresce, exatamente porque sempre entram pessoas no mercado de trabalho (jovens) e se não existem empregos para todos, o desemprego cresce (embora atinja todas as faixas etárias, às vezes é melhor demitir um “velho” que ganhe mais e contratar um jovem pela metade do preço, às vezes não compensa pelo custo de forma a nova mão de obra).
Entretanto, a economia capitalista é uma economia mundial e o que domina a produção é o mercado mundial. A crise mundial, que estourou nos EUA como crise de crédito, mostrou rapidamente a sua verdadeira face como uma crise de superprodução capitalista, onde o mundo produz mais do que o mercado mundial consegue absorver (lembremos: a população mundial continua com carência de comida, saúde, educação, moradia, saneamento básico. Mas a produção capitalista é feita para o mercado, para obter lucro e não para satisfazer as necessidades da humanidade).
O resultado na produção industrial brasileira é claro: a produção industrial de Janeiro-Fevereiro de 2009 caiu 17% frente a Janeiro-Fevereiro de 2008. A queda começou em Outubro de 2008 e vem até Fevereiro (última estatística disponível no Ministério da Indústria e Comércio).
Considerando uma base na média da produção industrial de 2002 igual a 100, a produção foi subindo continuamente, atingindo um pico de 131 em setembro de 2008. Desde então vem caindo, chegando a um índice de 107 em janeiro de 2009, ou seja, quase que retornando à produção de 2002!
Olhando por setores, o setor de bens de capital que chegou a um pico de 200 em setembro de 2008 (o dobro de 2002), recuou para 155. O setor de bens intermediários recuou para 100 (produção igual à de 2002) e o de bens de consumo, para 109. A queda foi geral em todos os setores. E querem nos fazer crer que já estamos em “recuperação”?
Mais ainda, os valores vêm caindo. Tomando uma base de 2006 como 100, os valores produzidos tiveram um pico de 120 em julho de 2008, caindo constantemente desde então até chegar a 98, em janeiro de 2009. Ou seja, os valores são menores que os valores de 2006. Esta queda dos valores, maior que a queda na produção, mostra que o valor médio do produto caiu, ou seja, cai o valor de venda, cai o lucro e, portanto, as empresas tendem a demitir para recuperar o lucro, e geram um novo ciclo de quedas de produção e de vendas. O emprego na indústria atingiu um pico em Novembro de 2008 com 9 milhões e 561 mil empregados e vem recuando desde então, com 8 milhões e 808 mil em Janeiro, e queda em Fevereiro e Março. O total de operários empregados recuou a valores do ano de 2005!
Outro dado que interessa é a produtividade das empresas. Este índice, que mede a capacidade que a empresa tem em competir no mercado (ou seja, mede a variação da produção física em termos de horas trabalhadas) veio crescendo desde 2004 e sofreu uma queda de 14,9% em janeiro de 2009, retroagindo aos valores de 2002. Para melhor compreensão, reproduzimos a tabela do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior:
Porque isto acontece? Simplesmente porque a indústria produz menos do que produzia antes, por não ter mercado para a sua produção. É interessante notar que, mostrando a falácia do discurso oficial, justamente o setor de Máquinas e Equipamentos tem a menor produtividade e é este o setor que impulsiona o restante. Em outros termos: retomar a produtividade, aumentando a produção por hora trabalhada, em um contexto em que a produção só tende a cair, por falta de mercado, só pode levar a… demissões!
O Plano Habitacional
O objetivo declarado: 1 milhão de novas moradias, prioritariamente para os mais pobres.
Como fazer? Aumentar o financiamento habitacional, dar subsídios para os mais pobres e aumentar os valores que podem ser financiados (de R$ 350 mil para R$ 500 mil). Em outras palavras, trata-se de aumentar violentamente o crédito habitacional no país e tentar com isso manter (ou aumentar) o emprego no setor da construção civil. Dará certo? É possível que com crédito realmente disponível, haja um aumento da produção e do emprego. O ministro Lupi, aliás, apressa-se a explicar que o aumento do emprego industrial se dá justamente na construção civil.
Sobre atender os mais pobres, dependerá dos municípios que deverão disponibilizar as terras para tais empreendimentos, o que nem sempre vai acontecer. Por outro lado, este tipo de financiamento tem os seus limites, e a crise nos EUA, iniciada justamente pela incapacidade do mercado de continuar financiando um imóvel cujo preço caía, pode levar a problemas semelhantes no Brasil.
A queda do IPI dos carros
Isto levou ao aumento da compra de carros. Note-se que os valores finais dos automóveis foram pouco modificados com esta queda. Apesar da queda do valor a vista dos carros, aumentou o preço do financiamento, acabando com as promoções de “juro zero” ou “juro a 0,99%”. O resultado é que para o consumidor que está comprando a prazo, os valores ficam praticamente iguais no total, antes e depois da queda. A venda de carros no Brasil aumentou nos meses de Janeiro a Março. Entretanto, a queda na produção industrial de veículos automotores em Janeiro de 2009 em comparação com Janeiro de 2008 foi de 34%. A produção atingiu um pico de 315 mil veículos em julho e vem caindo desde então. A tabela abaixo, extraída do site da ANFEVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), mostra os resultados dos dois primeiros meses de 2008 e 2009 comparados.
Ou seja, a produção total caiu 16,5%, apesar do aumento da venda interna decorrente do maior crédito que a queda do IPI proporcionou. Observemos que a produção tem uma retomada em Março e que o setor que se mantém praticamente estável é o setor de produção dos veículos flex, que não são exportados. Por outro lado, os veículos a gasolina são produzidos praticamente que para exportação. Em termos gerais, a exportação constituía 22% do valor produzido em 2008 e isto cai para 13% em 2009. Os números de queda da exportação são compatíveis com a queda da exportação global de veículos em outros países.
Quanto tempo isto vai se manter? É evidente que simplesmente a “produção” de mais veículos encontra um limite: limite dado pelo mercado capitalista, no caso o mercado brasileiro, já que a exportação caiu mais de 50% e o “esticar da corda” – redução do IPI, aumento do crédito – vão simplesmente fazer com que este limite seja alcançado mais rápido. Quanto tempo? As próximas estatísticas vão mostrar.
Indústria de aço
Segundo o IBS (Instituto Brasileiro de Siderurgia), a produção de aço caiu 40%, comparando o 1º trimestre de 2009 com o do ano passado. Este índice se manteve em Março. Além disso, a indústria empregou somente 50% da capacidade instalada para a produção. Muitas usinas desligaram seus altos fornos, particularmente em Minas Gerais, onde mais de 18 altos fornos foram desativados nos últimos meses. O número total de empregados na indústria recuou 12,5%, o que indica prováveis demissões nos próximos meses.
Os números da produção não se traduzem em faturamento: enquanto que a produção cai 40%, o faturamento cai 50%, indicando deflação. O Total exportado caiu 30% e o valor caiu 40%!
Os números traduzem também uma perda de competitividade da indústria brasileira de aço frente ao mercado mundial. Em Jan-Fev, enquanto a produção cai 40% no Brasil, ela cai 20% a nível mundial.
Observemos que as demissões atingem primeiro os terceirizados, o que esconde um pouco a queda do emprego industrial no Brasil:
O mito da retomada do emprego industrial em SP
Notícias que falavam em retomada do emprego industrial em SP em março foram comemoradas pelo Ministro do Trabalho. Entretanto, esta retomada se deu num setor – o setor da indústria álcool-açucareira – onde a indústria resolveu antecipar o corte e processamento da safra de cana, tendo em vista as dificuldades de financiamento. Nos outros setores a queda continuou no mesmo ritmo dos meses anteriores. Os números do IBGE, pelo contrário, retratam que o desemprego industrial dobrou em relação a Março do ano passado!
Os numero da FIESP mostram com maior clareza o que aconteceu: o emprego industrial aumentou 0,31% de Fevereiro a Março (7.500 empregos), mas caiu de Dezembro para Março (66.500 empregos) em 2,73% e caiu de Mar/2008 para Mar/2009 em 5,34% (ou seja, 133.000 mil empregos). A conta é clara: o setor de açúcar e álcool aumentou 26.933 empregos e no restante dos setores a queda foi de 19 mil empregos. No acumulado do ano de 2009 (Janeiro a Março), o setor de açúcar e álcool gerou 24 mil empregos e o restante teve uma queda de 90.749.
Notas:
* Ficamos devendo uma análise melhor do comércio brasileiro (exportações e importações) e de seus reflexos na economia em geral. Faremos isso brevemente.