Há exatos três anos atrás, as massas tomaram as ruas do Brasil em um movimento irresistível que entrou para a história como as Jornadas de Junho.
Em junho de 2013, governo do estado e prefeitura de São Paulo aumentam simultaneamente as tarifas de metrô e ônibus, de então R$ 3,00, para R$ 3,20. O Movimento Passe Livre (MPL), após anos encabeçando as lutas contra aumento de passagem, dirigiu os atos como nos anos anteriores: longos trajetos e nenhum carro de som; duas, mesmo três manifestações em uma mesma semana; e a pauta contra o aumento, sem questionar a concessão dos transportes públicos à exploração de empresas privadas.
O governo Alckmin reagiu, em acordo com o prefeito Haddad, como de costume. A PM de São Paulo reprimiu duramente os manifestantes, ferindo até jornalistas que cobriam os atos. A cobertura da imprensa saiu pela culatra: no esforço de mover a opinião pública contra os manifestantes, a cobertura da brutal repressão levou que os manifestantes obtivessem apoio da mesma. Em dois dias o editorial de O Estado de São Paulo mudou o tom, de pedir maior rigor contra os manifestantes, para exigir diálogo da parte do poder público. A solidariedade não foi apenas local; a cobertura nacional dos protestos fez com que surgissem manifestações em solidariedade em diversas cidades do país. A mudança de tom da imprensa visava pôr um fim às mesmas, antes que um rastilho de pólvora queimasse o barril das insatisfações populares.
A repressão com forte aparato militar atacando jovens desarmados desnudava a todos que a democracia burguesa é uma ditadura de classe, sempre disposta a usar da violência quando seus interesses econômicos são ameaçados.
Um grave mal estar social, acumulado durante a década anterior, explodiu nesse contexto. Como gatilhos, o aumento da tarifa do transporte em São Paulo, combinado com a brutal repressão aos manifestantes, agiram para trazer ao cenário político milhões de pessoas, por todo o país, que já não toleravam viver sob as condições dadas. O regime político experessou sua decomposição, assim como seus personagens tradicionais, entre eles Lula, Dilma, a direção do PT e de seus aparatos.
As manifestações em solidariedade cresciam pelo país, tornando-se massivas e logo o próprio aumento da tarifa não era mais o centro da questão. Mas o MPL não soube canalizar os anseios populares, nem as organizações tradicionais dos trabalhadores quiseram assumir a frente, receosas de um inexorável transbordamento das bases, caso tentassem adequar a insatisfação das massas para pautas governistas.
Prefeitura e governo do estado foram obrigados a recuar, revogando o aumento. A tarifa ficaria congelada até 2015. Foi a primeira grande derrota do governo Alckmin, que sempre utilizou a Secretaria de Segurança Pública para mediar conflitos e divergências de setores populares com qualquer política sua.
Dilma lançou uma proposta composta de cinco eixos: responsabilidade fiscal, reforma política, saúde, transporte, e educação. Tudo abstrato e sem detalhamento. Sua proposta inicial de consultar a população em plebiscito naufraga, bombardeada pelo seu próprio vice, Michel Temer, sinalizando que os representantes autênticos da burguesia no governo de conciliação não estavam dispostos a ceder ou abrir precedentes às massas populares.
O contragolpe da burguesia se fez disputando a voz das ruas: a multiplicidade de pautas e a falta de direção do movimento permitiu que infiltrados canalizassem a insatisfação popular contra partidos políticos e organizações em geral. Militantes organizados, com bandeiras e panfletos, passaram a ser sistematicamente hostilizados. O próprio MPL seria expulso de ato que ele mesmo convocou para celebrar o recuo dos governos.
As massas que despertavam encontravam-se enojadas com o papel dos partidos tradicionais e da política institucional. Propagar que qualquer organização política era tão oportunista quanto qualquer partido da política institucional era a forma de impedir que as massas se conectassem a uma vanguarda dirigente que pudesse apontar saídas.
Para dividir ainda mais o movimento, Haddad decretou gratuidade para uma parcela de estudantes em São Paulo, em 2014.
Os limites dos métodos espontaneístas dos anarquistas do MPL e sua recusa em discutir pautas mais largas que transporte e mobilidade permitiriam o contragolpe da burguesia, mas nenhuma das contradições que despertaram o movimento estavam resolvidas.
As Jornadas de Junho foram o início de um novo momento político no Brasil, cujo desfecho ainda não se apresentou.
Acaba o combustível da conciliação de classes
A inflação oficial do Brasil em 2013 era de 5,91%, em 2014, 6,42%. Economistas liberais propagavam que o país tinha o terceiro maior crescimento econômico de 2013, o que não significa desenvolvimento. O crescimento permanecia baseado no consumo e muitas empresas recebiam empréstimos subsidiados ou isenção fiscal como estímulo, sem qualquer contrapartida.
Após a revogação do aumento da tarifa após as jornadas de junho de 2013, o ano seguinte teve diversas greves massivas nos setor público e privado. Na maioria dos casos as bases impunham reajustes salariais acima da inflação, contrariando acordos firmados pelas suas próprias direções.
Acende o farol amarelo para a burguesia, sinalizando o fim de uma era: a conciliação de classes formada entre o PT e a burguesia não mais interessava à esta última. Ficava claro para ela que o PT perdia sua influência de massas, principalmente sobre a juventude, mas também sobre a própria classe trabalhadora. Mas esse projeto ainda apontava para as eleições de 2018, buscando desgastar o PT e seu governo, propagando os efeitos da crise econômica mundial no país como problemas estritamente nacionais.
Em 2013 a taxa de desemprego era de 5,4%, demonstrando que mesmo em crescimento a economia capitalista necessita de desemprego crônico. Essa taxa subiria para 8,5% em 2015. Já este ano a fração subiu para 11,2% no primeiro trimestre.
A disposição de luta da classe trabalhadora ficou evidenciada pela duração de greves nas universidades federais em 2015: cinco meses.
Sem apoio de sua sócia majoritária, a burguesia imperialista, a burguesia nacional vai se coesionando e seus representantes políticos adiantam o descarte do PT e de Dilma. Essa, mesmo aplicando o programa dos derrotados nas urnas, não inspirava confiança de que poderia fazê-lo tão rápida e intensamente que não permitisse reação organizada da classe trabalhadora.
Em uma aposta alta, Temer destitui Dilma e assumiu a presidência.
Mais um ato se fechou, ainda sem que a classe trabalhadora entre em cena com toda sua capacidade.
Confira outros artigos da Esquerda Marxista sobre as Jornadas de Junho de 2013:
23/05/2013: São Paulo: Alckmin e Haddad juntos querem aumentar a tarifa do transporte para R$ 3,20
31/05/2013: Começa o movimento contra o aumento das tarifas do transporte em São Paulo
12/06/2013: É preciso organizar o movimento contra o aumento das tarifas para chegar à vitória!
27/06/2013: Sair às ruas por educação pública e gratuita para todos!
01/07/2013: Comitê Bandeira Vermelha em São Paulo discute pauta de reivindicações
11/07/2013: Uma virada na situação política
11/02/2014: De junho a junho: O que as jornadas de 2013 nos ensinam para 2014?
12/02/2014: Inquérito aberto contra manifestantes é digno da ditadura
20/12/2014: A meia Tarifa Zero de Haddad e a continuidade da luta
19/06/2015: Faz 2 anos que derrubamos os 20 centavos!
02/06/2016: Em meio ao ódio popular, ajudar novos junhos a nascerem
Artigo publicado na edição 89 do jornal Foice&Martelo, de 2 junho de 2016.