Dra. Ângela Konrath anula as 40 demissões por justa causa dos dirigentes eleitos pelos trabalhadores: “Além de nula, a despedida por justa causa se deu numa prática discriminatória, em represália à convicção ideológica”.
A sentença da Juíza do Trabalho, Dra. Ângela Konrath, desmoraliza a intervenção ocorrida na Cipla/Interfibra em maio de 2007 e anula todas as demissões por justa causa transformando-as em demissões “sem justa causa”.
“Está provado que a intervenção foi um processo de perseguição política aos militantes da Esquerda Marxista das fabricas ocupadas”, afirma Carlos Castro.
Veja trechos da sentença:
“(…) se valeu a ré (as empresas sob intervenção – nota do site da Esquerda Marxista) de critérios subjetivos para justificar ato que necessita para sua validade e eficácia, estar objetivamente caracterizado”.
“Há, no depoimento citado, três pontos a serem marcados:
a) a perseguição ideológica, na indicação clara da causa da despedida dos trabalhadores – todos os trabalhadores que faziam parte da mobilização foram despedidos tão somente por integrarem a mobilização política;
b) o reconhecimento da importância da mobilização dos trabalhadores como fator determinante à manutenção dos postos de trabalho, com a preservação dos empregos – aponta as mobilizações dos trabalhadores como atos e fatores determinantes à manutenção dos postos de trabalho, com a preservação dos empregos mediante a conquista de apoio e solidariedade da população e das autoridades para a situação de quebra da empresa;
c) o imaginário circundante quanto à atuação política dos trabalhadores, cheio de subjetividade, resultante de idéias preconcebidas de “proveito próprio e partidário” em relação ao engajamento em uma causa coletiva”.
“(…) a testemunha (trazida pelo próprio interventor – nota do site da EM) traz a informação de que foi elaborada uma “lista”, com definição político-partidária, para a despedida por justa causa – todos os empregados que participavam do movimento e da corrente O Trabalho do PT (hoje, Esquerda Marxista – nota do site da EM), radical marxista, foram relacionados e despedidos”.
“Mais essencial, no depoimento de OSMAR (testemunha do interventor – nota do site da EM), é a demonstração da prática de assembléias com todos os trabalhadores, para decisão coletiva quanto às estratégias de atuação, salários e faturamento da empresa – nas assembléias eram discutidas questões como faturamento da empresa, salários dos empregados, mobilizações em favor da Cipla e de apoio a outras empresas, e estratégias de mobilização (…) nas assembléias era divulgado o faturamento da empresa”.
“Em relação à utilização do patrimônio da empresa, não há prova, nem nestes autos e nem nos processos de situação análoga, examinados por esta magistrada, de que os trabalhadores despedidos tenham se favorecido, pessoalmente, dos bens da empresa, nem de que tenha havido favorecimento de um grupo – e isso mesmo tendo em conta o relatório de auditoria feita após a intervenção, ainda não apreciado judicialmente. Todo o esforço empreendido, segundo demonstrado na generalidade dos processos, tinha por destinação a atuação política com o objetivo de manter a fábrica funcionando e assim preservar os empregos”.
“Importante frisar que sequer há provas de que a empresa tenha tido prejuízo decorrente da gestão dos trabalhadores – aliás, foi durante a encampação que a empresa obteve certificação ISO 9001. E com a manutenção dos postos de trabalho – é comentado, nesta jurisdição, que depois da intervenção judicial, mais de 300 trabalhadores foram despedidos, já nos primeiros meses”.
“Atos de solidariedade a trabalhadores ameaçados de perder o emprego ou com direitos trabalhistas violados, passeatas para expor à população uma dada realidade, união de entidades sindicais e criação de associações civis, são práticas que se dão no pleno exercício de direitos constitucionais próprios da cidadania (CRFB, 5º, IV – livre manifestação do pensamento; 5º, XVII e XVIII – plena liberdade de associação; 5º, IX, liberdade de expressão; 8º, livre associação profissional)”.
“Sobre o fato de integrarem corrente político-ideológica, essa é uma garantia constitucional inviolável, salutar numa sociedade que se quer democrática, resultado da liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), liberdade de consciência política (5º, VI e VIII), inviolabilidade da vida privada (5º, X), e exercício dos direitos políticos (14 e s.)”.
“Durante a encampação do Grupo CIPLA pelos trabalhadores, a política de atuação coletiva se opunha ao cooperativismo e estava voltada à estatização da empresa, por verem nessa forma a solução que melhor contemplaria a garantia de emprego, com a continuidade de funcionamento da empresa (…) A estatização da fábrica era buscada na responsabilidade social do Governo na manutenção dos empregos (…) É uma perspectiva socialista, frente a um sistema que tende a se impor como única idéia de mundo. Esse é o melhor dos mundos possíveis”.
“Tenho por caracterizado o dano moral na forma discriminatória como se realizou a despedida (…) fixo, como indenização, o valor equivalente a um mês de salário por ano de serviço ou fração”.
Relembrando a história
Em junho de 2003, uma caravana de centenas de trabalhadores destas fábricas foi a Brasília sendo recebida por Lula que se comprometeu a encontrar uma solução para salvar todos os empregos. E montou uma Comissão com cinco ministros para encontrar a solução. Não deu em nada.
Mas, em 2005, o BNDES/BRDE concluiu um estudo feito a pedido do presidente no qual afirma que “as empresas são economicamente viáveis”, “estão sendo exemplarmente administradas” e que a única saída para manter todos os empregos era o “governo assumir as empresas através do BNDES e BRDE, já que praticamente todo o passivo das empresas era com o governo federal e estadual”.
Apesar disso o INSS e a Fazenda Federal continuaram tentando arrancar máquinas das fábricas para leiloar. A resistência dos trabalhadores impediu a concretização das inúmeras ameaças “legais” de retirada de máquinas e prisão dos dirigentes do movimento.
Foram organizados diversos Encontros Nacionais e a luta ganha repercussão internacional com a realização do 1º Encontro Latino Americano de Fábricas Recuperadas por Trabalhadores, em 2005, na Venezuela. Aí foi assinado um acordo com Chávez para fornecimento de matéria prima e construção de uma fábrica estatal de casas de plástico na Venezuela.
Dezenas de outras fábricas foram ocupadas pelos trabalhadores no Brasil com a ajuda do Movimento das Fábricas Ocupadas (até hoje resiste a ocupação da Flaskô, em Sumaré, região de Campinas-SP).
A unidade constituída com os trabalhadores rurais sem-terra leva a participação de uma coluna de operários das fábricas ocupadas na Marcha dos 40 mil que o MST organiza em Brasília, em 2005. Fábrica ocupada é emprego na cidade, latifúndio ocupado é emprego no campo!
Em Dezembro de 2006, na Cipla, é organizado o Encontro Pan Americano em Defesa do Emprego, dos Direitos, da Reforma Agrária e do Parque Fabril. Na abertura deste Encontro uma assembléia geral da Cipla decide pela redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais. Assinam o acordo a Comissão de Fábrica, a CUT e a CNQ/CUT. Estavam presentes mais de 700 delegados de 14 países.
Imediatamente uma campanha furiosa começa nos meios de comunicação e entre os grandes industriais contra “este absurdo”.
Em 31 de maio de 2007, a pedido do governo Lula, a “justiça” decreta a intervenção para tentar liquidar o movimento. Eles tomam militarmente a Cipla e a Interfibra, mas o movimento continua. Uma total e ampla unanimidade no movimento operário, popular e democrático se constitui contra a intervenção e pela devolução da fábrica aos trabalhadores.