Jujuy e os horrores do capitalismo: terrorismo de Estado, extrativismo e exploração

Durante as últimas semanas ficou evidente a face mais horrorosa da violência repressiva estatal na província de Jujuy, deixando a nu que a única resposta que o governo do radical Gerardo Morales, de seus sócios do Partido Justicialista, da maioria do Poder Legislativo e de um Poder Judiciário descomposto e corrupto podem oferecer às demandas populares é a repressão mais feroz, as prisões ilegais, a perseguição aos advogados que representam os encarcerados pelo regime, o medo e uma obscena e provocadora exibição de força.

As greves docentes tiveram em junho o seu ponto álgido, colocando sua continuidade por tempo indeterminado, articulando-se aos protestos de outros setores de trabalhadores em luta, e aos bloqueios de vias, assembleias e outras medidas de luta das comunidades indígenas da região, ante os avanços contra seus territórios ancestrais e seus entornos vitais levados à frente pelo governo da província e seus sócios políticos e empresariais.

Os processos de luta e de organização que estão se desenvolvendo puderam articular a partir das bases as distintas demandas que expressam o caráter violento e explorador do “modelo jujeño” de Morales, e evidenciam as misérias que o sistema capitalista nos reserva nesta etapa.

Tomando como precedente fundamental, a prisão arbitrária da dirigente social Milagros Sala a poucos dias de Morales assumir o governo, assim como o permanente assédio contra ela, e a perseguição contra as organizações sociais opositoras, muito particularmente a Tupac Amaru, fica claro que a via repressiva e a utilização de um Poder Judiciário configurado pelo Poder Executivo segundo seus interesses se apresentam como linhas políticas fundamentais do agora candidato a vice-presidente na fórmula de Juntos por el Cambio que lidera Horacio Rodriguez Larreta.

Os protestos dos trabalhadores docentes, assim como de outros setores do Estado, por exemplo, na área da saúde, revelam o regime de exploração a que o governo Morales tem submetido os trabalhadores de Jujuy, recebendo salários irrisórios que supõem o colapso de suas condições de vida de forma fatal.

Neste marco, com a aberta cumplicidade do Partido Justicialista de Jujuy, foram impostas algumas modificações na Constituição provincial que contemplam todo tipo de ataques contra os trabalhadores e comunidades indígenas e contra o povo em geral. Destacamos dois de grande importância:

A criminalização do protesto social em espaços públicos, o que implica na proibição de manifestações de luta social nas ruas. Isto significa a possibilidade de prisão e de processo criminal para quem praticar estas ações, negando o direito de protesto e qualificando de “sedição” o direito democrático elementar, constitucionalmente consagrado a nível nacional.

Em segundo lugar, resguardada pela suposta consulta a um setor minoritário das comunidades indígenas da província, a Constituição reformada possibilita “mecanismos e vias rápidas e expeditas que protejam a propriedade privada e restabeleçam qualquer alteração na posse, uso e gozo da propriedade em favor de seu proprietário”, estabelecendo a “ocupação não consentida” como “grave violação do direito de propriedade”.

Estes artigos avançam sobre a apropriação e uso dos territórios ancestrais das comunidades indígenas com base nos interesses mineradores que os perseguem há anos, incluindo a extração de lítio, causando enormes danos ambientais e destruindo as condições de vida dessas comunidades.

Incentivam ainda a promulgação de lei especial que determine “as condições para o despejo e para que os titulares do direito patrimonial afetado [o exerçam] imediatamente, mesmo quando os autores da ocupação não consensual se atribuam a representação ou os direitos do povo”. Esta última declaração mostra claramente a intenção de desrespeitar os direitos das comunidades indígenas e dos habitantes dos territórios em conflito, com as consequências do caso, para esses grupos que experimentam a opressão há séculos.

Foi assim que se multiplicaram os bloqueios de estradas em áreas de alta montanha habitadas por comunidades que estão sob grave ameaça ambiental, social e cultural. Estes bloqueios, cruelmente reprimidos pelo Estado provincial em Humahuaca, Purmamarca, Tilcara, entre outras localidades, foram sustentados e defendidos de forma exemplar pelas comunidades indígenas, de trabalhadores e de moradores, contra a violência do Estado. E eles ainda continuam vigentes.

O ápice da violência repressiva, que deixou em evidência absoluta a cumplicidade dos poderes do Estado e dos partidos patronais, aconteceu em 20 de junho, dia marcado por Morales para a aprovação das modificações constitucionais, após um processo realizado às costas do povo, em que toda a Assembleia Legislativa, à exceção de deputados da FITU e de dois deputados dissidentes da PJ, votou pela validação das reformas.

A convocação de uma manifestação de trabalhadores das comunidades indígenas e de setores populares e sociais contrários ao regime encabeçado por Morales, feita naquele dia contra a nova Constituição e para que não se chegasse à sanção, foi ferozmente reprimida. Houve uma verdadeira caçada por parte das forças repressivas provinciais que culminaram em dezenas de pessoas presas ilegalmente. Familiares e advogados foram privados de todas as informações sobre o destino dos detidos e muitas outras pessoas ficaram feridas, em alguns casos gravemente, pela violência do Estado provincial.

Nas semanas seguintes a 20 de junho os protestos e manifestações de luta continuaram, assim como as prisões e múltiplas agressões contra os presos e seus representantes legais. Isso tem merecido o repúdio de amplos setores sociais e políticos. Mas a resposta do governo nacional a estes gravíssimos acontecimentos tem sido, no mínimo, tímida ou inexistente, do ponto de vista político e institucional.

Um momento crucial neste processo ocorreu em 10 de julho, quando Morales expressou na mídia sua vontade de desapropriar as terras onde está localizado o Sítio Arqueológico El Pucará no Centro Universitário Tilcara, dependente da Faculdade de Filosofia e Letras da UBA. Ele acusou os trabalhadores deste Centro de participar e incentivar os bloqueios e protestos na área.

Em 12 de julho, policiais da província compareceram à sessão do Conselho Superior da Universidade Nacional de Jujuy, com atitudes de intimidação e provocação, em flagrante violação à autonomia universitária. Além do disparate que supõe propor uma expropriação para a qual o governo provincial não está habilitado, a presença de forças repressivas em território universitário evidencia a total ausência de limites de um regime que parece disposto a tudo para impor a sua vontade pela força e pela mentira.

O conjunto destes acontecimentos, bem como as decisões políticas e econômicas que os originaram, evidenciam a vacilante “convicção democrática” de uma das referências fundamentais de Juntos por el Cambio e da UCR. Esta virada à direita não tem mais volta. Por esta razão, qualquer manifestação de oposição ou protesto em relação às suas políticas torna-se um argumento para colocar todos os meios disponíveis do Estado a serviço da repressão, da criminalização do protesto e de uma disciplina social e política de grande magnitude. Não dá para ignorar que se trata, pura e simplesmente, de terrorismo de Estado.

Nada disso poderia ter sido feito sem a participação do PJ provincial e dos poderes do Estado de Jujuy. É inegável que a reação do governo da Frente de Todos foi quase inexistente, assim como de seu atual candidato à presidência, Sergio Massa, amigo de Morales, que não disse uma palavra de condenação ao que estava acontecendo em Jujuy. É claro que um governo que segue ajustando os setores populares aos mandatos usurários do FMI, e que entrega seu território e seu meio ambiente a qualquer multinacional da soja ou da mineração que apareça, carece de autoridade política e real capacidade de responder à degradação vertiginosa das condições sociais e econômicas da maioria trabalhadora e explorada em nosso país.

É preciso insistir que o que registramos aqui é o laboratório social, político e econômico de uma burguesia que avança sem limites sobre as condições de vida dos trabalhadores, sobre o meio ambiente, sobre as comunidades indígenas e sobre todos os grupos que se atrevem a deter sua ambição devoradora.

É preciso avançar na construção articulada de todos os setores em luta, e organizar os de baixo.

  • Abaixo a reforma constitucional!
  • Não à repressão!
  • Fora Morais!
  • Liberdade imediata a todos os presos!
  • Não ao negócio do lítio!
  • Pela greve geral!

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.