No dia Nacional da Consciência Negra no Brasil o país acorda com a notícia de mais um assassinato racista cometido contra um trabalhador. Desta vez o ocorrido foi em Porto Alegre, em uma loja da rede francesa de supermercados Carrefour. No dia 19 de novembro João Alberto Freitas, 40 anos, foi espancado até a morte por dois seguranças deste supermercado.
As imagens veiculadas pela reportagem do Jornal do Almoço deste dia 20 reconstituem toda a agressão. Nos registros do circuito interno de segurança do supermercado vemos, num primeiro momento, João Alberto ser acompanhado por um segurança no caixa do supermercado; a fiscal da loja se aproxima e ambos trocam algumas palavras. A vítima, a funcionária da loja e dois seguranças são vistos se dirigindo tranquilamente para a área de estacionamento – onde não há câmeras de vigilância.
As próximas imagens são gravadas por uma testemunha que lá estava: João Alberto aparece sendo brutalmente espancado enquanto está imobilizado por dois seguranças; a mesma fiscal grava a cena com um celular. Depois de agonizar pedindo socorro, ao final da sessão de cinco minutos de agressão, João Alberto está inconsciente. O serviço médico de emergência do SAMU não consegue reanimá-lo. O laudo da perícia médica ainda não tem atestado, mas a delegada da Polícia Civil que investiga o caso, Roberta Bertoldo, trabalha com a possibilidade de asfixia que teria gerado uma parada cardíaca na vítima. Todas as testemunhas foram inibidas pelos agressores e pela funcionária que acompanhava a agressão. Inclusive a esposa de João Alberto fora agredida ao tentar impedir o assassinato do marido, segundo disse o pai da vítima em entrevista.
As imagens são exatamente idênticas àquelas que vieram a público quando assassinaram George Floyd nos EUA deflagrando o movimento Black Lives Matter em todo o mundo no primeiro semestre deste ano.
Tanto o Governo do Estado do Rio Grande do Sul quanto a rede Carrefour se pronunciaram dizendo que vão responsabilizar os indivíduos envolvidos. Os dois agressores foram identificados e presos em flagrante por homicídio qualificado; um deles é policial militar e o outro é segurança contratado de uma empresa terceirizada. Esta empresa que teve seu contrato rescindido com o Carrefour se pronunciou dizendo que está tomando conhecimento dos fatos e ainda não tem um posicionamento a respeito.
Sexta pela manhã vereadores eleitos no último domingo protestaram em frente a loja de supermercado em que ocorreu o assassinato e que está fechada. Durante a tarde de hoje já temos notícias de protestos em outras unidades da rede em outras cidades.
Ainda sobre o caso, além do relatado, uma matéria do G1 aponta que a motivação da agressão teria sido uma ameaça de agressão que João Alberto teria feito a uma funcionária; de acordo com a esposa da vítima ele teria feito um gesto não especificado para a funcionária. Porém a delegada responsável não esclareceu este fato pois ainda está investigando o ocorrido pré assassinato. Até aqui o que temos são as imagens de um homem negro sendo abordado em um supermercado, retirado tranquilamente pra fora da loja e espancado até a morte por dois seguranças. A mesma matéria do G1 relaciona uma série de reportagens com o mesmo roteiro: pessoas negras sendo abordadas em ambientes comerciais acusadas por crimes que não cometeram. No caso de João Alberto esta prática racista ceifou-lhe a vida. A vítima deixa um filho e uma esposa com quem estava casado há nove anos.
Diante destas notícias o Vice-Presidente da República Hamilton Mourão disse lamentar o ocorrido. Mas de pressa tenta negar a realidade: de acordo com o militar não foi um crime racista, pois segundo ele não há racismo no Brasil. Mourão disse que o que há no Brasil é desigualdade; que racismo é uma realidade apenas nos EUA que estão, supostamente, importando para o Brasil.
Qualquer pessoa com acesso a qualquer meio de informação nos últimos oito meses será capaz de ver nas imagens do espancamento de João Alberto as cenas do assassinato de George Floyd.
Para que não sobre dúvidas é preciso dizer que o assassinato de João Alberto é um crime racista. Aqueles assassinos só arrogaram para si o direto de espancá-lo até a morte por ser João um trabalhador negro. Nas redes sociais e na imprensa pululam frequentemente registros de homens brancos que arrogantemente enfrentam as autoridades policiais; e nesses casos, quando muito, são no máximo dissuadidos por um “deixa disso” desses mesmos guardas que não questionam sua suposta superioridade. Foi assim no recente caso de um casal que sou o argumento de serem “engenheiros formados” para não acatarem a ordem de um guarda; ou do desembargador que reivindicou o seu cargo para rasgar uma multa diante do guarda que havia lhe notificado por estar circulando sem máscara.
Porém, basta que o homem seja um trabalhador negro para que estas guardas armadas, mimetizando o racismo das polícias militares, se arrogue o direito de persegui-lo e executá-lo diante de todos, a golpe de socos e pontapés. Ou será que a violência policial atinge igualmente um trabalhador negro e um pequeno burguês negro?
Diante disso, o entendimento da Esquerda Marxista e do Movimento Negro Socialista é de que não podemos lutar contra o capitalismo sem combater o racismo, uma vez que ambos se constituem mutuamente. De modo que no momento de crise do capitalismo as contradições de classe se agudizam ainda mais e assim também se revela o racismo em todas as suas faces:
“Hoje o capitalismo vive uma de suas crises mais profundas. E como é típico a esses momentos, as classes dominantes precisam explorar ainda mais a classe trabalhadora. Com isso, é inerente que as opressões também aumentem, bem como a repressão. É por isso que estamos vendo o aumento do machismo, do racismo, da homofobia e todo lixo moral e ideológico voltando cada vez mais à luz do dia.
(…) A polícia atua como braço armado do Estado; ameaça, humilha, tortura, prende e mata. Tudo isso em vias públicas, à luz do dia, seja nos EUA ou no Brasil. Enquanto o negro já chega no júri como culpado, os policiais sempre são inocentados de seus crimes. Basta alegar auto de resistência que qualquer crime é perdoado pelo Estado. (grifo nosso)
Assim, na crise do capitalismo, judiciário e polícia atuam de mãos dadas. A repressão ganha um novo patamar, porque as classes dominantes sabem que precisam deixar a classe trabalhadora e a juventude amedrontada, ou uma grande insurreição pode ocorrer.
Nesse cenário, convidamos todos a se unirem a essa luta do Movimento Negro Socialista.
Lutar contra o racismo hoje exige lutar pelo fim da PM, pela anulação das ações racistas do judiciário e pelo fora Bolsonaro, o comandante maior dessa perseguição aos negros, à juventude e à classe trabalhadora”.