A forma como lidamos com uma pandemia que consome nossas vidas é sintoma e espelho de como somos explorados e lidamos com as relações de trabalho em nossa sociedade.
Não é novidade para ninguém que o sistema capitalista nos explora a ponto de sugar completamente nossas vidas em nome da acumulação de lucro e de poder de uma pequena parte da população. Porém, quando vivemos momentos de crise sanitária, onde temos que concentrar forças na articulação coletiva para salvar vidas, é que esse sistema parece cada vez mais desnudo.
Como quase tudo no capitalismo é definido pelo mercado, e as estruturas estatais de legislação e organização são basicamente para favorecer a continuidade da exploração. Nosso sistema educacional não ficaria de fora da influência e manipulação da economia capitalista, e ao que tudo indica será o próximo alvo de governantes e empresários que ignoram completamente a vida humana em favor do lucro.
Ao mesmo tempo que a população do sul do Brasil se vê aterrorizada com uma pandemia que chega cada vez mais perto de nossas portas, governantes de todo o Brasil, pressionados por empresários do lucrativo ramo educacional, começam a propagar a ideia que as aulas podem voltar de alguma forma, e que as crianças estariam seguras no ambiente escolar. Ora, sabemos que em escola que não possuem nem itens de limpeza básicos, seria pouco provável que todos pudessem estudar ou trabalhar com segurança.
A polêmica pelo retorno das aulas presencias se deu novamente no estado de Santa Catarina. Dessa vez, foi Kennedy Nunes, deputado pelo PSD, que resolveu mostrar sua cara e mostrar que pouco se importa com a vida dos trabalhadores e estudantes catarinenses:
O deputado parece ignorar a morte de mais de mil brasileiros por dia em nosso país pelo contágio de um vírus que se dá pela aglomeração de pessoas e esquece que todos os dias em nosso estado batemos recordes no número de óbitos e pessoas infectadas.
Kennedy, em vídeo divulgado em sua página no Facebook, faz acusações graves aos professores, que estão cumprindo com suas atividades de maneira remota. Com a intenção de inflamar seus seguidores mais fieis, demonstra que não tem nenhum apreço não só pela educação, mas pela vida dos educadores, estudantes e familiares.
Uma das acusações feitas pelo deputado é a de que os profissionais da educação estariam fazendo corpo mole para voltar às aulas presenciais, pois em sua opinião os educadores “estão cuidando em casa de crianças e fazendo uma boquinha”.
O episódio promovido por Kennedy Nunes em suas redes sociais foi o suficiente para provocar a ira dos professores catarinenses e após algumas horas da postagem o deputado, preocupado com o desgaste eleitoral que poderia ocasionar o compartilhamento do vídeo, tratou de excluir o conteúdo de sua página.
O evento de rara sinceridade promoveu reações até do alto comando do governo estadual na figura do secretário de educação Natalino Uggioni, que com medo de um desgaste maior entre os políticos e a categoria já abatida pela situação que todos vivemos, publicou um vídeo de apoio ao magistério. É importante ressaltar que Uggioni não mencionou nenhuma vez que a publicação em questão era em resposta ao deputado, mas ficou claro que a intenção era elevar o ânimo dos educadores depois de uma punhalada de um parlamentar que por vezes é base do governo.
O secretário de educação do estado de Santa Catarina faz o jogo político que já estamos acostumados há anos e busca se diferenciar do agora aparentemente sincero deputado nos pronunciamentos públicos.
Quem vive o cotidiano das escolas catarinenses sabe que além dos professores estarem com um salário defasado e com a estrutura precarizada, em épocas de pandemia, as condições são ainda piores.
Os professores têm um cronograma e um planejamento que devem que seguir à risca durante a semana, que vai de preparar materiais para a plataforma física, online, vídeo aula, correção de conteúdo e atualização do professor online. Muitos professores relatam estar sobrecarregados e trabalhando o dobro do que normalmente trabalhavam, inclusive em finais de semana.
Por outro lado, os alunos estão desamparados pelo Governo do Estado, onde a grande maioria não tem acesso ao material online, pela falta de condições dos estudantes em ter um pacote de internet eficiente ou mesmo equipamentos técnicos. A merenda escolar, que em épocas de normalidade é essencial para o auxílio da alimentação dos jovens, também não chega nem perto de suprir as necessidades alimentares dos alunos.
Mesmo com todas essas dificuldades, pais, professores e alunos têm ciência que nenhuma vida humana deve ser ameaçada em nome da acumulação de lucro de poucos empresários. O deputado Kennedy não foi desonesto em sua publicação, foi apenas sincero, e sua sinceridade revela a face de alguém que é complacente com a possibilidade de contágio de milhares de crianças.