Ricardo Stuckert

Lula e sua nova carta de compromisso com o Capital

A Esquerda Marxista, desde o primeiro turno, combate pelo voto em Lula para derrotar Bolsonaro. Estamos em campanha para pôr fim ao governo reacionário em 30 de outubro. No entanto, neste combate pela Frente Única, é direito e dever dos revolucionários apontar suas críticas à candidatura de Lula, em particular à linha de alianças com a burguesia.

Ontem, 27/10, Lula lançou a “Carta para o Brasil do Amanhã”. Com razão está sendo classificada como uma nova “Carta ao Povo Brasileiro”, aquele documento lançado pela candidatura de Lula em 2002, em meio à campanha que levaria o PT para sua primeira vitória na disputa presidencial. Na carta de 20 anos atrás, Lula se comprometia com “reformas estruturais”, incluindo a “reforma tributária”, “reforma previdenciária” e “reforma trabalhista” que, como sabemos, são as contrarreformas de interesse dos capitalistas, além do compromisso com o superávit fiscal primário, ou seja, um claro sinal ao “mercado” de que priorizaria o pagamento da fraudulenta dívida pública, instrumento de dominação imperialista que até hoje suga o orçamento da União. Lula cumpriu sua palavra.

Na nova carta existem belas palavras, “democracia”, “liberdade”, “desenvolvimento sustentável”, “esperança” etc. Mas, no fundo, seu cerne, é mais uma vez o compromisso de que um novo governo Lula respeitará os interesses fundamentais do capital. Curioso é que uma carta dessas ainda seja necessária para acalmar o mercado após 13 anos de governo do PT servindo aos interesses da burguesia, além de ter Geraldo Alckmin como vice. Mas Lula quis dar um sinal a mais.

No início da campanha o PT falava em revogação da Reforma Trabalhista, passou depois para “revisão” e, finalmente, na recente carta fala em “Nova Legislação Trabalhista”. Ora, se há uma contrarreforma que retirou direitos, nossa luta é por revogá-la para restituir os direitos atacados. Vale recordar que a Reforma Trabalhista do governo Temer é a que ampliou a possibilidade de terceirizações (viabilizando que trabalhadores sejam contratados como Pessoa Jurídica, sem direitos), regulamentou o trabalho parcial e intermitente, permitiu o fracionamento das férias, e institui a prevalência do negociado entre patrão e empregado sobre a lei trabalhista, tornando os trabalhadores reféns das pressões no local de trabalho. Isso tudo deve ser REVOGADO, mas a carta de Lula não se compromete com isso, apenas vagamente em  assegurar “direitos mínimos”.

Em relação à educação, nada de conquistar a educação pública e gratuita para todos, mas o fortalecimento do “ENEM, FIES, do PROUNI”, ou seja, do funil do ENEM para o acesso às universidades públicas, do endividamento dos estudantes com o FIES e da compra de vagas em universidades privadas com o PROUNI, seguindo assim com o despejo de dinheiro público para alimentar os lucros dos grandes conglomerados privados da educação.

Mas o recado central desta carta, assim como a de 20 anos atrás, é para o “mercado”, para o capital financeiro. Lula reforça:

“Já governamos este país. Com responsabilidade fiscal, reduzimos a dívida pública, controlamos a inflação e acumulamos um expressivo volume de reservas cambiais que até hoje são fundamentais para a estabilidade da economia.”

E mais à frente:

“A política fiscal responsável deve seguir regras claras e realistas, com compromissos plurianuais, compatíveis com o enfrentamento da emergência social que vivemos e com a necessidade de reativar o investimento público e privado para arrancar o país da estagnação. O sistema tributário não deve colocar o investimento, a produção e a exportação industrial em situação desfavorável, nem deve penalizar trabalhadores, consumidores e camadas de mais baixa renda. É possível combinar responsabilidade fiscal, responsabilidade social e desenvolvimento sustentável – e é isso que vamos fazer, seguindo as tendências das principais economias do mundo.”

Não Lula, não é possível. Responsabilidade fiscal é um bonito nome para a garantia de que o país continuará sendo pilhado pelo capital financeiro internacional através do pagamento da dívida pública interna e externa. Dívida que em 2021 consumiu 50,78% do orçamento federal executado, ou 1,96 trilhão de reais! Enquanto para a saúde foi destinado 4,18% do orçamento e para a educação 2,49%. Dívida que apesar de consumir rios de dinheiro todos os anos não para de crescer, atingindo hoje 7,64 trilhões de reais. Dívida que os governos Lula e Dilma seguiram pagando religiosamente e, mesmo uma auditoria da dívida aprovada pelo Congresso, foi vetada por Dilma. Não é possível servir a dois amos, não é possível atender aos interesses da burguesia e do proletariado.

Lula, mesmo depois de preso e caluniado, segue sendo um defensor do capitalismo. Antes de ser preso em abril de 2018, ele discursou em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC: “Eu não estou acima da Justiça. Se eu não acreditasse na Justiça, eu não tinha feito partido político. Eu tinha proposto uma revolução nesse país”. Quando foi libertado, 580 dias depois, em novembro de 2019, ele voltou para a frente do sindicato e disse: Tem gente que fala que precisa derrubar o Bolsonaro, tem gente que fala em impeachment. Veja, esse cidadão foi eleito. Democraticamente, nós aceitamos o resultado da eleição. Esse cara tem um mandato de quatro anos”.

Lula não acredita na revolução, acredita nas instituições burguesas e, portanto, no capitalismo. Por isso ele, o PT, a CUT, junto com PCdoB, UNE e a maioria da direção do PSOL e dos grandes sindicatos, bloquearam o movimento para derrubar Bolsonaro nas ruas e canalizaram o ódio popular para o terreno eleitoral, realizando uma série de aliança com a burguesia no primeiro turno e ampliando-as no segundo turno.

Estamos no combate para eleger Lula em 30 de outubro, esse é o instrumento que está sendo utilizado por jovens e trabalhadores para derrotar Bolsonaro. Mas os revolucionários marxistas não podem esconder suas críticas em meio ao combate, isso seria propagar as ilusões no que é Lula e o PT. Nós combatemos as ilusões, dizemos a verdade. Vamos eleger Lula, mas logo em seguida temos que organizar o combate para cobrar o atendimento dos anseios que estão levando as massas a votar no PT, o anseio de mudança verdadeira. Seja qual for o resultado das urnas, é preciso fortalecer a organização independente e o combate nas ruas, locais de trabalho e estudo, utilizando-se dos métodos do movimento operário: manifestações, greves, ocupações. A luta das massas oprimidas é que pode garantir que a extrema-direita e o bolsonarismo sejam colocados na lata de lixo da história, pois mesmo Bolsonaro sendo derrotado nas eleições, o bolsonarismo continuará vivo. Seguirá a luta de classes e a necessidade de lutar para que o capitalismo, este sistema moribundo que provoca tanta dor e sofrimento, seja varrido da Terra.