Lula vai conseguir combater a pobreza no Brasil? (entrevista para o Podpah)

Em entrevista para o canal Podpah, a principal liderança operária do Brasil, em uma conversa descontraída, mostrou que a campanha “Lula presidente”/”Lula 2022” está a pleno vapor, mesmo sem ter declarado ainda uma pré-candidatura.

Longe da formalidade que costuma envolver entrevistas com políticos, Lula apresentou sua visão de sociedade e propostas com argumentos atravessados por brincadeiras e por sua própria história de vida, marcada pela pobreza. Falou-se muito sobre a pobreza e fome no Brasil.

Como Lula pensa a solução para a fome, a miséria, a falta de saneamento básico, o desemprego? A partir de agora, dialogaremos de maneira crítica com alguns dos seus comentários.

“Todo mundo quer ter ascensão na vida”, afirma ex-presidente

Comer bem, ganhar bem, morar bem, ter um carro novo. Quem poderia querer o contrário?

“Ninguém sonha pra baixo. (…)
“A gente quer ter uma asecensão na vida. (…)
”Comer bem, ganhar bem, morar bem. (…)
“O ser humano que ascender na vida social. (…)
“Ninguém que comprar carro velho.” (Lula)

Mas quando Lula fala em “ascensão”, defende apenas um tipo muito específico dela: a individual, fruto de uma luta feroz contra “concorrentes” de variadas esferas. Um caminho para essa “ascensão” individual é a qualificação profissional, através da realização de uma graduação universitária.

Diversos apoiadores jovens disseram nos comentários do vídeo, no YouTube, que os programas FIES e ProUni contribuíram para que concluíssem a universidade e que hoje tivessem uma situação de vida bem melhor que a dos seus pais.

Jovens comentam no vídeo da entrevista de Lula para o PodPah, no YouTube.
Contudo, apenas uma pequena minoria dos jovens no Brasil consegue contar histórias de sucesso desse tipo. Os derrotados ficam pelo caminho, caídos. As medidas tomadas durante seu governo foram insuficientes para mudar esse quadro de maneira decisiva. O sistema universitário brasileiro continua deixando a maioria de fora mesmo depois de 14 anos de governos petistas.

No ano de 2014, quando ProUni e FIES já funcionavam em plena capacidade, 95% dos jovens que realizaram o ENEM não conseguiram entrar nas universidades públicas, obter bolsas ProUni ou financiamentos do FIES.

Vamos a alguns dados.

  • O número de bolsas ProUni para o ensino superior privado equivaleram, em 2014, quase a totalidade de vagas no ensino superior público brasileiro.
  • O FIES deixou milhões endividados. Lula falou em anistiar as dívidas. Mas quem vai bancar por essa anistia? Os empresários, os bancos ou os cofres públicos? Lula nunca decepcionou os empresários da educação, será mesmo que ele vai deixá-los na mão?
  • O dinheiro dos financiamentos e bolsas inflou universidades privadas e engordou os tubarões do ensino, que são grandes empresas do ramo da educação privada. Estas, sim, mudaram sua realidade.
  • Boa parte dos cursos oferecidos em universidades privadas funcionam como “fast food de diplomas”. A qualidade do ensino é duvidosa, há baixo investimento em pesquisa, e não há garantia alguma de que o graduado conseguirá emprego depois de formado.

Em suma, o dinheiro público direcionado ao ensino superior privado enriqueceu mais ainda os que já eram ricos, ao invés de ser inteiramente destinado à expansão ou criação de novas vagas nas universidades públicas como um legado permanente.

A Argentina, mesmo muito menor que o Brasil economicamente, já alcançou o fim do vestibular e o acesso direto à universidade, para todos. E em universidades públicas! Isso foi a garantia de ascensão social para todos os trabalhadores? Obviamente que não.

É consenso no meio científico que o capitalismo necessita de uma massa de milhões de pessoas desempregadas (o exército industrial de reserva) e da maior parte das funções sendo remuneradas apenas com o suficiente para a subsistência do trabalhador (que varia de acordo com cada nação).

Portanto, a ascensão com base nesse sistema significa, na prática, criar medidas para o sucesso de alguns poucos. Se esses poucos são “pinçados” de populações historicamente afastadas das universidades, por exemplo, parece que se avançamos milhares de quilômetros no combate a desigualdade, quando, na verdade, andamos apenas alguns centímetros.

Conciliação é a solução?

A classe capitalista não quer a ampliação do orçamento do Estado com serviços públicos, como a educação, visto que aumentaria o número de funcionários e gastos permanentes. O que os capitalistas querem é é garantir o caixa público para o pagamento dos juros da dívida pública, ou seja, para enriquecer eles mesmos.

Lula, para não se chocar com o interesse dos capitalistas, prefere abertamente o caminho da conciliação.

“Nesse país se distribui um pouquinho pro pobre” (…) Só vai gerar emprego se tiver investimento. Só vai ter investimento se tiver mercado. Só vai ter mercado se o povo tiver trabalhando. Se não tiver trabalhando, não tem renda. Se não tem renda, não tem consumo. Se não tem consumo, não tem novas industrias. E aí n tem emprego.” (Lula)

Claro Lula, vamos ajudar o “Deus” mercado a nos abençoar. Talvez aí sim seja possível que o pobre ganhe muito mais que “um pouquinho” (Lula): vai ganhar um “poucão”.

Mesmo com o apoio massivo dos trabalhadores no seu primeiro governo, em 2002, preferiu escrever a “Carta aos banqueiros” (formalmente, “Carta ao povo brasileiro”), assumindo um compromisso, acima de tudo, com os ricaços e com o centrão.

“Quando você for governar, você pra aprovar alguma coisa na câmara ou no senado, você tem que construir uma maioria. Se seu partido não tiver maioria você vai ter que procurar quem tá. E quem tá, foram os eleitos. E se os eleitos não são iguais a você, vai precisar negociar com eles. Esse é o dilema. Mas também é a grandeza da democracia.” (Lula)

Eis a grandeza da nossa “democracia”, um sistema político que obriga qualquer partido que alcance o Executivo a criar uma rede de alianças com um pântano de inimigos da classe trabalhadora enquanto se espera, de dois em dois anos, que a água da chuva caia para cima, isto é, que um partido orgânico ou uma frente “progressista” conquiste a maioria nos parlamentos.

Como liderança do maior partido operário e da maior central sindical do país, Lula poderia ter escrito uma “carta aos trabalhadores” se comprometendo em fazer com que o pobre tivesse acesso, de fato, a tudo que produz. Mais do que isso, que controlasse os meios de produção para que eles se destinassem para atender seus interesses, não os dois “investidores”.

A tarefa de um partido dos trabalhadores precisa ser a de colocar abaixo esse sistema político (a atual “democracia”) o mais rápido possível. Todos que coexistem com os monstros do pântano são puxados para ele por um forte efeito de atração, oriundo das verbas públicas e do apoio de grupos empresariais.

O ex-presidente acredita que os males que o capitalismo causa se resolveriam com bons reformadores sociais, e que ele seria o melhor deles.

“Só quero provar que essa elite perversa não sabe governar o país, eles só pensam neles. (….) Só pensam em ganhar dinheiro, em acumular dinheiro.” (Lula)

A diferença entre a “Elite”, como ele nomeia, e o ex-presidente, é exatamente essa: Lula pensa muito no pobre, até pelo seu passado de pobreza. Mas diante do “Deus” mercado e do capital, pensamentos não bastam. São urgentes ações que não parem na distribuição de migalhas aos arruinados e o combate a forte doutrinação que diz que a única maneira de uma economia crescer é pelo investimento capitalista.

O movimento Fábricas Ocupadas

Logo após a eleição de 2002, um movimento de ocupação de fábricas se espalhou pelo Brasil, sob direção da Esquerda Marxista. A sua principal reivindicação do era estatização sob controle operário, para salvar empregos e garantir a continuidade da produção. Mas Lula respondeu enviando a Polícia Federal e nomeando interventores.

Não tem jeito: a política de reformas e de conciliação obriga o governante que a aplica a ceder, nas questões essenciais, para o capitalista, não para o trabalhador.

Tudo para os ricos, em nome dos pobres

No capitalismo, para atender os interesses dos “pobres” por “ascensão”, mesmo que isso signifique a pura e simples ascensão individual, todo conciliador precisa atender aos interesses dos “ricos” junto.

“Quero que o filho do trabalhador estude. Todos têm que ter a mesma oportunidade.” (…) Coloca o pobre no orçamento e tá resolvido parte dos problemas do pais.” (Lula)

Quando Lula fala de “oportunidades para todos”, que quer o filho do trabalhador estudando, que quer “colocar o pobre no orçamento”, faz demagogia como todo político burguês faz em campanha eleitoral.

Será que no capitalismo há possibilidade de ascensão real para todos os membros da classe trabalhadora, cada um com sua própria família e em nome de Deus? Essa ilusão está se tornando insustentável. Com os efeitos da crise, ela poderá entrar em colapso em um futuro governo do PT.

Sim, nós devemos ficar felizes com a história dos jovens que conseguiram cargos melhor remunerados em empresas por terem acessado a universidade. Que bom que conseguem hoje viver melhor que seus pais por terem acessado um curso superior, independentemente de onde o realizou.

Entretanto, não é a política de criação de novos grupos de graduados vindos de favelas, periferias ou do interior do país que vai acabar com a pobreza no Brasil. Diante de tantas riquezas que temos, é seguro afirmar que essa é uma medida cosmética, pois já é possível garantir vagas pra todos em universidades públicas.

De grão em grão a galinha morrerá de fome, pois a maior parte dos grãos ficam com a classe capitalista. A “ascensão” é uma exceção a regra, e não há maneira de garantir que essa seja a regra sem enfrentar os capitalistas, de verdade, com a mobilização dos trabalhadores.

De reforma em reforma, a classe trabalhadora morrerá na miséria, com apenas alguns de seus membros conseguindo morar nos melhores bairros, comprar carros novos e comer picanha. A imensa maioria dos que vieram de baixo, como Lula, não conseguirão, nesse sistema, nem sonhar com a ascensão.

Um governo dos trabalhadores é o único caminho

A Estado não está pairando, de maneira independente, sobre a sociedade. Vivemos em um país industrialmente atrasado e subjugado ao imperialismo. No Brasil, o Estado está ao serviço de uma fração parasitária da burguesia, especuladora, interessada na importação de mercadorias industrializadas e exportação de commodities.

As frações mais dispostas a expansão industrial estão impotentes e, em grande medida, muito bem conformadas, visto que também se beneficiam especulando nas bolsas de valores e pelos juros dos títulos da dívida pública que detém. Lula pode se candidatar em 2022, mas não pretende mexer nesse “esquema” caso seja eleito.

E os trabalhadores? Para o reformismo, o que podem fazer diante de um país estagnado economicamente e cada vez mais desigual?

  • Emitir “gratidão” por programas como bolsa família, auxílio emergencial e bolsas em universidade privadas enquanto sonham cada vez mais alto?
  • Competir para vencer os concorrentes no ENEM e no mercado da força de trabalho?
  • Ir com Lula para a bolsa de valores vestindo um boné do MST e uma camisa do PT para realizar outra “maior capitalização da história do sistema capitalista” (Lula)? – como ele alegou ter feito com a Petrobrás?
  • Tentar tirar uma lasquinha do touro de ouro do “Bull Market” americano trocando o arroz e o feijão por ações das empresas “estatais” ou comprando BDRs para o IPO do NuBank?

Nenhuma fração da burguesia tem interesse em apoiar um líder operário pois sabe que ele pode ser pressionado pelas bases para que realize medidas contra os interesses dos capitalistas.

É nesse sentido que precisamos convencer os trabalhadores, a pressionar Lula, caso seja eleito, para realizar um programa para atender as necessidades dos trabalhadores.

Propostas para questões extremamente urgentes não foram colocadas por Lula, que pisa em ovos nas respostas para driblar assuntos polêmicos. O ex-presidente se limitou a prometer que iria fazer muita coisa para mudar o brasil por ser um homem “indignado”.

Vamos a algumas perguntas.

  • O que fazer com as indústrias em falência? Deixar a solução ao “livre mercado”?
  • Como expulsar e punir invasores de terras indígenas, financiadores do garimpo e todos os que realizam queimadas ilegais?
  • Como acabar com a violência policial, paramilitar e dos narcovarejistas nas favelas e periferias das grandes cidades?
  • As patentes farmacêuticas ficarão intactas mesmo faltando medicamentos e vacinas para todos? Como expandir o SUS?
  • Aos bancos continuará sendo permitido lucrar e auxiliar as multinacionais a enviar suas remessas de lucro para o exterior enquanto milhões de brasileiros estão desempregados, passam fome e moram nas ruas?
  • Lula presidente continuará alimentando o mecanismo da dívida pública?
  • Lula presidente lutará para anular as contrarreformas trabalhista e da previdência?
  • E quanto ao problema da terra? Um governo Lula irá simplesmente indenizar capitalistas pela “reforma agrária” (Lula), empurrando a solução definitiva com a barriga, enquanto fará vista grossa para a pistolagem com o objetivo de evitar tensionamentos com latifundiários, parlamentares, governos e polícias locais?

Somente um governo contra o capital, convencido da necessidade de uma revolução social, será capaz de mudar a realidade dos trabalhadores e combater o imperialismo. O pacifismo de Gandhi, quem Lula disse admirar, só tem a resignação a oferecer para os trabalhadores.

Retomar a tradição de intervir com independência na luta de classes

Não há atalhos para a construção de uma liderança capaz de mobilizar os trabalhadores contra o capital. Lula está certo ao dizer que é preciso convencer pacientemente as pessoas, mas tem um programa que quer convencer os trabalhadores a estarem de mãos dadas com os patrões, polícias e cúpula das forças armadas.

“Leva tempo para convencer as pessoas das coisas. É um trabalho de muita discussão. (…) Fazia assembleia 1:20 da manha na porta da Volkswagen. Onde tinha um peão entrando, nós estávamos lá fazendo discurso. É por isso que nós conseguimos fazer do PT o mais importante partido de esquerda da América Latina, da CUT a maior central sindical da América Latina. Nós conseguimos pois muita gente participou.” (Lula)

Devemos retomar a tradição que Lula se referiu na entrevista: ir para a porta das empresas para convencer os trabalhadores sobre seus próprios problemas. Mas convencendo também sobre o desdobramento prático a ser tomado: a luta de cada trabalhador em cada local de trabalho terá sucesso ao unir todos os trabalhadores em todos os locais de trabalho para formar um governo dos trabalhadores.

Hoje o PT vê muito mais atrativos na política dos palácios, parlamentos e reuniões a portas fechadas, pois o desdobramentos dela é mais seguro para a obtenção de dinheiro e cargos vindos do Estado e dos capitalistas. Se há atos de corrupção que Lula pode ser acusado com muitas e muitas provas, eles começam com o seu empenho para transformar o PT em “partido dos homens e mulheres de bem”, “partido de todo o povo”, “partido operário-burguês”.

Como já explicou Rosa Luxemburgo:

“o Estado atual é a organização da classe capitalista dominante. Quando ele, no interesse do desenvolvimento social, encarrega-se de diferentes funções que são de interesse geral, apenas o faz na medida em que esses interesses e o desenvolvimento social coincidem com os interesses da classe dominante em geral” (Rosa Luxemburgo. Reforma social ou revolução? In: Obras escolhidas. São Paulo: UNESP, 2011, Vol. I, p. 32)

Ou seja, o papel do Estado no capitalismo é garantir as condições mínimas que permitam a reprodução do capital pelas grandes empresas. Lula quer ser um gerente “do bem” desse Estado. Esse projeto está mais apodrecido, pela história do que nunca. É isso que precisamos explicar aos trabalhadores.

As pesquisas pré-eleitorais mostram que os trabalhadores estão dispostos a fazer uma nova experiência com um governo reformista. Talvez por não verem outra alternativa, talvez por acreditarem que esse seja o caminho mais curto para resolver seus problemas.

Visto o movimento de “giro ao PT” e de “Frente Ampla” do PSOL, que decidiu apoiar Lula desde o primeiro turno ao invés de dialogar com a vanguarda que o apoia sobre um programa socialista, votaremos em Lula, caso se confirme sua candidatura em 2022. O ex-presidente e ex-operário é a principal liderança política dos trabalhadores no Brasil, e sua candidatura terá um papel de aglutiná-los.

Nosso voto, no entanto, vai não para seu programa político de conciliação com o capital, e sim para a construção de uma Frente Única dos Trabalhadores durante o período eleitoral. Nessa frente única explicaremos que Bolsonaro quer representar o interesse dos capitalistas, e que para derrotar Bolsonaro de fato é preciso de combater a classe e as direções que o sustentam no poder apesar de todos os seus crimes.

Caso um governo de conciliação fracasse em atender minimamente aos “pobres”, as massas terão que escolher entre revolução e contrarrevolução. E é para atuar no sentido da revolução que os comunistas se preparam, pois o fim da pobreza demanda uma luta contra o sistema capitalista.