No último dia 24 de julho, algumas contas de redes sociais, como Twitter e Facebook, foram bloqueadas após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que é relator do chamado “inquérito das fake news” (Inquérito 4.781).
Entre os perfis bloqueados, estão o do presidente do PTB, Roberto Jefferson; dos empresários Luciano Hang, Edgard Corona, Otávio Fakhoury e Bernardo Küster; do blogueiro Allan dos Santos; da extremista Sara Giromini; e de Edson Salomão, assessor de um deputado estadual por São Paulo.
Segundo o Ministro do STF Alexandre de Moraes, o bloqueio das contas se faz necessário “para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”. Vale observar que a decisão é de maio, quando os investigados foram alvo de buscas em operação da Polícia Federal. Porém, o bloqueio dos perfis só foi feito no último dia 24 de julho.
Houve uma euforia e muita comemoração em vários setores “democráticos” e da esquerda. Alguns sentiram alívio, sensação de justiça e até mesmo vibraram. No entanto, peço um minuto da sua atenção para refletir exatamente o que isso significa. Comemoramos uma ação do Estado contra liberdades democráticas de forma preventiva? Punição em abstrato? Bloqueio de contas como censura prévia?
Dentre as liberdades democráticas, temos que o julgamento em um “Estado democrático de direito” julga fatos objetivos, condutas expressas, ações ou omissões, e não pessoas, sob pena de retirar objetividade e ficar refém de uma subjetividade seletiva, que pode ser conduzida para um lado ou para outro, para cima ou para baixo, a depender do que o Poder Judiciário, mal chamado de “justiça”, assim decida.
Ora, e se estivéssemos falando de perfis de pessoas do campo da esquerda ou que defendem a democracia ou ainda de pessoas que lutam pela revolução socialista e a ditadura do proletariado, o que estaríamos dizendo? Afinal, concordamos com uma decisão judicial que bloqueia uma conta de rede social para que ela seja banida da possibilidade de se manifestar?
Vejam, não estou fazendo uma análise liberal individual, em que a liberdade de expressão seja absoluta. As pessoas têm o direito de dizer o que desejam e, caso cometam calúnia, injúria ou difamação contra terceiros, sejam punidas nos termos da lei.
Vale destacar que estamos falando de contas de pessoas que comprovadamente existem (não estou falando de perfis falsos e robôs). Não penso que essas contas deveriam ser removidas com a justificativa de que, assim, irão parar de propagar determinados conteúdos, pois isso é impedir que alguém se manifeste.
Ou seja, o que não podemos comemorar é uma censura prévia, abstrata e que pode facilmente ser manipulada. Hoje são eles. Mas e amanhã?
Tal pergunta me fez lembrar de uma passagem de Martin Niemöller que sempre é útil:
“Quando os nazistas vieram buscar os comunistas, eu fiquei em silêncio; eu não era comunista.
Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu fiquei em silêncio; eu não era um social-democrata.
Quando eles vieram buscar os sindicalistas, eu não disse nada; eu não era um sindicalista.
Quando eles buscaram os judeus, eu fiquei em silêncio; eu não era um judeu.
Quando eles me vieram buscar, já não havia ninguém que pudesse protestar.”
Não podemos estabelecer uma sociedade em que as pessoas são punidas antes de cometerem os crimes. Quem não lembra daquele filme “Minority Report”, com o ator Tom Cruise, em que numa sociedade futura seria possível agir para punir antes do crime ocorrer?
Com a “devida vênia”, o que nos parece é que o STF, de forma bonapartista, como ente máximo, acima de tudo e de todos, busca rotular contra todos que incomodam, para não entrar em outra polêmica, sobre a real ameaça que essas pessoas representam para o Estado democrático de direito.
Nos parece, assim, que é uma tentativa de compensar certa incompetência do Estado em investigar, com celeridade, e punir quem comete crimes de origem digital. Mais uma vez, nos parece que o STF pauta a política, move suas peças no grande xadrez nas disputas de classes e mesmo entre as frações da burguesia.
Minha honesta preocupação é o efeito cascata que isso representa, e como se aplica a verdadeira seletividade que é outorgada ao Judiciário como sinônimo de “justiça”. O exemplo do STF poderá ser seguido por juízes de todo o país, alguns dos quais com vontade de usar explicitamente suas posições políticas de classe ou mesmo partidárias.
Por isso, se é verdade que o comportamento de Bolsonaro e sua trupe é reprovável, que seja garantido contraditório, ampla defesa, liberdades democráticas que historicamente se busca conquistar, sob pena daquela síndrome do desembargador maior que o cidadão da Guarda Municipal, que todos viram. O que estamos vendo é isso? Quem dá a “carteirada” maior? É jogar, ainda mais, para o Poder Judiciário a síndrome do “sabe com quem você está falando?”, com uma legitimação do autoritarismo e da seletividade.
A luta é de classes. A luta é política. Ninguém se iluda achando que (só) juridicamente teremos alguma vitória. Analisar as decisões judiciais, seu “timing” e seus movimentos, é fundamental para melhor compreender a realidade em que vivemos, e, com isso, melhor intervir para sua modificação.
Marx e Engels já haviam escrito que “o Estado Moderno é um comitê instituído para gerenciar os interesses da burguesia”. Isto é: a tripartição dos poderes, já desde o próprio Montesquieu, não passa da tripartição do gerenciamento dos interesses da classe dominante.
Assim, muita cautela com as decisões do Poder Judiciário contra o Bolsonaro. Faz parte do tabuleiro entre as frações da burguesia. Ilusões no Judiciário? Alguém viu decisões do STF contra as medidas econômicas feitas por Bolsonaro e Paulo Guedes? Alguém viu decisões do STF contra o pacto econômico que faz com que a classe trabalhadora pague a conta? Aí não tem bonapartismo, não tem censura prévia, não tem agressão ao Estado democrático de direito. Será que já se esqueceram da clássica máxima que sintetiza bem nossa conjuntura: “com o Supremo, com tudo”. Ora, ora, meus caros. “Menas”! A luta continua pelo Fora Bolsonaro, por um governo socialista dos trabalhadores, sem patrões, sem generais, e sem ilusões com STF e o caráter bonapartista do Judiciário.