Marcha de AMLO no 27N: Grande Demonstração da Força do Povo Mexicano

1,2 milhões de pessoas ocuparam as ruas da Cidade do México, de acordo com os dados governamentais. Os números do governo não aparentam ser um exagero. Pessoas de todo o país, e mesmo migrantes mexicanos que vivem nos EUA, se reuniram na capital em resposta à chamada de Andrés Manuel López Obrador para uma marcha em comemoração ao quarto aniversário de seu mandato.

Foi uma poderosa demonstração de força do povo mexicano. A demonstração tinha claramente um caráter popular. Nas ruas era possível ver trabalhadores, pessoas de vilas pobres, indígenas e também setores da pequena burguesia.

Reforma eleitoral e as ações da direita

O governo de López Obrador está pressionando por uma reforma eleitoral que inclui, entre outras coisas, que os membros do Instituto Eleitoral Nacional (INE) e os magistrados do Tribunal Eleitoral sejam eleitos por sufrágio universal, e também a redução do orçamento milionário que os partidos políticos recebem. Embora os partidos aliados ao governo então chamado de Quarta Transformação (4T) de Obrador tenham maioria nas câmaras parlamentares, eles perderam a supermaioria (dois terços) necessária para realizar mudanças constitucionais. Isso deu algum poder para a frágil oposição, que agora pode bloquear algumas iniciativas, como ela está fazendo com a reforma eleitoral.

A direita lançou uma campanha furiosa, alegando que AMLO quer eliminar o INE para supostamente estabelecer uma ditadura. Com esses falsos argumentos eles finalmente conseguiram capitalizar o descontentamento de um setor minoritário da população que se opõe ao governo. Eles convocaram uma mobilização para o dia 13 de novembro, no que conseguiram reunir cerca de 50 a 60 mil pessoas na Cidade do México, e mais alguns milhares em passeatas locais espalhadas por diferentes cidades pelo país.

A marcha do 13N foi a primeira mobilização unificada da direita a ocorrer com alguma força real nesse mandato de seis anos. A verdade é que os partidos tradicionais estão em crise, eles viram as suas bases se desmancharem e tiveram que estabelecer uma aliança sem princípios entre si, incluindo o Partido da Ação Nacional (PAN), o Partido da Revolução Democrática (PRD) e o Partido Revolucionário Institucional (PRI). Eles se parecem com um bando de bêbados que devem abraçar uns aos outros para que não caiam, porém correndo o risco de que todos acabem caindo juntos. Além disso, durante esse mandato, nós vimos o nascimento de fracos grupos direitistas, como a Frente Nacional Anti-AMLO (FRENA), e alguns outros que criticam o “progressismo” do governo atual, mas não se sentem identificados com os velhos partidos burgueses que já entraram em descrédito. A direita finalmente conseguiu atrair um setor da população no 13N, principalmente setores desiludidos da pequena burguesia. Após o sucesso relativo de sua marcha eles ficaram encorajados, e tentaram partir para a ofensiva. Mas a marcha do dia 27 de novembro chamada por AMLO foi a resposta fulminante das massas contra eles.

A poderosa resposta das massas

AMLO tinha originalmente convocado um comício para o dia 1 de dezembro, terça-feira, que é a data exata do aniversário de sua posse como presidente. Porém, ele preferiu mudar o dia, primeiramente para assegurar uma participação maior no domingo e, em segundo lugar, que ao invés de um comício fosse uma passeata. Esse chamado encorajou as massas, que viram a oportunidade para responder à direita.

O chamado de AMLO encorajou as massas, que viram a oportunidade para responder à direita. / Imagem: Claudiashein

A mídia burguesa tradicional, os intelectuais do antigo regime à serviço da burguesia, os jornalistas críticos do governo atual, etc. começaram uma campanha para dizer que aqueles que participassem seriam carreados, pessoas mobilizadas por políticos locais, sem convicções políticas, e remuneradas para participar. A marcha do 27N estava cheia de banners e slogans caçoando dessa acusação, deixando claro que os presentes estavam participando por vontade própria.

Hoje, dado a força da ação das massas, é dito que foi uma “passeata estatal”; que a única razão de ter tido mais sucesso do que a “passeata cidadã” do 13 de novembro foi porque a mídia estatal e o aparato do governo de Morena entraram em ação. Os funcionários do Morena e do 4T incontestavelmente agem de maneira burocrática, e a passeata foi uma demonstração de força de vários burocratas e de grupos locais. Sem dúvida houve um nível de mobilização burocrática, mas o caráter fundamental da passeata foi a população participando com a sua própria vontade e convicção.

Sob administrações anteriores, um presidente não podia aparecer abertamente perante a população sem receber insultos. É evidente que milhões de trabalhadores nesse país consideram esse governo como seu. Outra coisa que foi muito perceptível na passeata de 27 de novembro foram as pautas defendidas pela população, como bolsas estudantis ou pensões para os idosos, que foram conquistadas sob esse governo.

O início da passeata estava marcado para às 9 da manhã, porém desde cedo, vários ônibus com contingentes de todos os estados do país estavam começando a chegar. Embora a passeata começasse no Anjo da Independência, toda a rota a partir do Auditório Nacional (quatro quilômetros antes), da Avenida Reforma e das outras avenidas estava completamente lotada até o Zócalo, aonde a marcha terminava. Contingentes caminharam por cinco horas seguidas, similar ao tempo que AMLO levou para que saísse do Anjo da Independência e chegasse até o Zócalo. O presidente planejava permanecer à frente do ato com cerca de uma dezena de líderes, mas a população se aglomerou ao redor dele. AMLO disse que a linha de frente da passeata era a própria população. A população se reuniu ao redor, tentando tocá-lo, tirar uma selfie com ele, cumprimentá-lo ou apenas vê-lo passar.

AMLO estava acompanhado de três aspirantes a sucessor: Claudia Sheinbaum (cabeça do governo da Cidade do México), Marcelo Ebrad (Ministro das Relações Exteriores) e Adán Augusto López (secretário do governo). O único que estava ausente era Ricardo Monreal, líder da fração parlamentar do Morena no Senado, que também tem aspirações presidenciais, contudo tem uma longa tradição de conciliação com a direita e, não vendo apoio interno para uma futura candidatura presidencial, aprofundou sua conciliação com os partidos de direita. Na passeata do 27N, ficou bem evidente muitas demonstrações de reprovação por parte de Monreal.

O que nós vimos nesse protesto do 27N foi a resposta das massas contra a direita, e uma demonstração de simpatia e apoio ao governo. Isso mostra a real balança de forças, que é muito favorável aos trabalhadores. Entretanto, o fator motivacional, que é a reforma eleitoral, não será conquistado, pois o parlamento não reflete a força das ruas e continua sendo um instrumento da classe dominante, que tem milhares de mecanismos para impedir progressos em direção à mudanças profundas. Mesmo essa reforma eleitoral, que é bem moderada, não será aceita. No final, algumas mudanças mais moderadas serão feitas no regime eleitoral, não mais modificando a constituição mas aprovando certas leis, como aconteceu a alguns meses atrás com a reforma energética. Isso é um reflexo claro dos limites de tentar transformar a sociedade por dentro da estrutura do Estado e do próprio sistema capitalista, embora haja muito potencial para apoiar tal transformação com a mobilização dos trabalhadores.

Direita e esquerda

A passeata convocada pela direita no 13 de novembro, embora não tenha sido massiva, foi uma expressão da desilusão de um setor da pequena burguesia, refletindo o fato de que as mudanças feitas não foram capazes de resolver os problemas fundamentais. Nós vimos em outros países apoio eleitoral massivo para a extrema direita, enquanto que no México até agora esse apoio demonstrou grande fraqueza. Na marcha do 13N nós vimos sentimentos anti-trabalhadores e anti-pobres se expressando. Um vídeo ficou viral com uma mulher histérica que disse que AMLO tinha patas rajadas (“não tem educação”), e que nem colocando seus melhores sapatos ele poderia remover suas características de naco (“classe baixa e ignorante”). Reacionários histéricos como esse permanecem sendo grupos minúsculos até agora.

Na esquerda, também vimos expressões de criticismos contra o governo. Um exemplo disso foi que, dias antes, os trabalhadores do Sindicato Democrático de Professores realizaram uma marcha de maratona. Por dias, um grupo de professores marchou de Chilpancingo, Guerrero, para a Cidade do México, a uma distância de 275 quilômetros. Os trabalhadores da educação estão demandando um diálogo para discutir vários problemas, incluindo modificações no sistema de pensão para que ele se torne mais favorável. No mesmo estado, a resistência dos pais dos 43 estudantes normalistas que desapareceram em 26 de setembro de 2014 continua, e eles criticam o lento progresso do sistema judiciário, que permanece sem providenciar respostas claras sobre o paradeiro de seus filhos. O que nós vemos pela esquerda é a expressão de um criticismo que não é reacionário, mas que reconhece os limites do governo atual e continua a levantar a bandeira de defesa dos interesses da população trabalhadora.

A política do 4T é essencialmente reformar o sistema, dentro das leis do capitalismo. As medidas do governo atual procuraram aliviar alguns problemas (por exemplo, dando algum apoio econômico às famílias pobres), mas sem resolver as contradições do sistema que continuam a se expressar. O capitalismo mundial está em crise, e o México não está isento disso. O sistema capitalista está tendendo à deterioração das condições de vida das massas, enquanto o grande capital continua a fazer grandes lucros. O governo de AMLO não rompeu com esse ciclo, e nós vimos os grandes banqueiros e os capitalistas mantendo seus lucros milionários.

AMLO desfruta de uma enorme autoridade, e sua presença como presidente tende a prevenir um combate aberto entre as classes sociais. No entanto, a polarização irá se desenvolver, e quando ele não estiver mais no seu cargo, ela irá se aprofundar cada vez mais, e o conflito entre as classes sobre a base de interesses irreconciliáveis será inevitável.

A mudança fundamental deve vir da organização dos trabalhadores

López Obrador, chegando em Zócalo após uma marcha exaustiva, ainda realizou um discurso de uma hora e meia em que ele apresentou um relato enfatizando o que ele considera uma conquista de seu governo. Em um ponto, as pessoas bradaram para que ele fosse reeleito. A possibilidade de AMLO se manter no governo tem sido um temor para a burguesia nacional e internacional. A Revolução Mexicana que se iniciou em 1910 começou como uma luta liderada por Francisco I. Madero contra uma reeleição presidencial, e essa tradição continua presente. AMLO respondeu aos gritos dizendo que ele era um maderista e não seria reeleito, e que nem a sua parceira Beatriz Gutiérrez Müller aspira a nenhum cargo. O jeito que as massas agiram é uma expressão de que eles não têm confiança suficiente nos possíveis sucessores do presidente.

A força da mobilização de domingo demonstrou um enorme potencial para transformação, desde que esteja estrategicamente baseada na organização e na luta dos trabalhadores. AMLO, contudo, continua a evitar confrontos com a classe capitalista. Ele define a filosofia de seu governo como um “humanismo mexicano” que procura promover o progresso através da justiça social. O capitalismo não pode existir sem a exploração de classe. Muitos antes de AMLO procuraram criar um capitalismo mais humano, mas falharam. Um exemplo disso foi Hugo Chávez na Venezuela, que levou adiante medidas muito mais profundas do que o atual governo mexicano, porém no fim concluiu que não existe um meio-termo ou uma terceira via, e que a luta teria que avançar em direção ao socialismo.

Por um lado, Obrador mobiliza as massas, mas por outro lado ele não as convoca para ir adiante / Imagem: Claudiashein

No México, nós vemos uma balança de forças favorável aos trabalhadores, e uma burguesia que tem o poder econômico, mas nenhuma base social sólida, apenas fraca, com partidos políticos em crise. AMLO continua a oferecer concessões aos trabalhadores. Após essa passeata ele anunciou um aumento de 20% no salário mínimo. Porém ele também está realizando concessões aos empregadores. Por um lado, ele mobiliza as massas, porém por outro lado ele não as convoca para ir adiante, para tomar a ação e avançar em sua organização. Assim como no seu discurso em Zócalo, por um lado ele falou sobre uma “onda progressista” na América Latina e parabenizou a vitória de Lula da Silva no Brasil, por outro lado ele falou sobre boa vizinhança com os EUA e definiu o presidente Joe Biden como um estadista (Assista aqui: (221) Discurso de Andrés Manuel López Obrador em Zócalo – YouTube).

Contra a burocracia: por organizações de base

Em suma, a marcha do 27N mostrou que o governo atual é sustentado por um amplo apoio popular, que um importante setor da população organizada está pronta para defender seus ganhos conquistados até aqui, para enfrentar a direita e para lutar para aprofundar o processo. Mas no 27N não houve nenhum chamado para fortalecer a organização da classe trabalhadora ou para tomar ações para avançar no aprofundamento da transformação da sociedade.

Ao mesmo tempo, no último período vimos um fenômeno de burocratização do partido Morena, que tem sido tomado sob controle quase absoluto da burocracia e dos funcionários. Muitos ativistas pró-trabalhistas foram trabalhar no partido ou nas estruturas do governo, e mesmo se eles tem críticas sobre como o partido está se degenerando, muitos acabam ficando quietos por medo de perderem os seus empregos. A burocracia é a quinta coluna, o freio para conter a organização das massas, para pará-las em seus trilhos. Esse setor tende a conciliar com aqueles que se opõem a mudanças profundas no país.

Outro elemento negativo que não pode ser esquecido é o enorme poder que a Secretaria de Segurança Nacional está adquirindo, que não irá apenas aumentar as forças armadas à sua disposição, mas também o seu poder político e mesmo o seu poder econômico (ao se tornar a responsável por alguns dos principais projetos de obras públicas do atual governo).

Estrategicamente, esse governo está se apoiando nas estruturas estatais, que está tentando reformar, para buscar o desenvolvimento econômico (dentro dos limites do capitalismo), enquanto tenta dar algumas esmolas para as massas, como programas sociais e algumas concessões como um aumento no salário mínimo (o que ajudará a pelo menos neutralizar os efeitos da inflação).

Milhões tem uma enorme confiança em AMLO, um presidente não corrupto que não tem uma política de atacar os trabalhadores, como os governantes anteriores tinham. Entretanto os setores mais avançados vêem que o tempo está acabando, que as mudanças não estão indo tão longe quanto precisavam e que quem quer que suceda AMLO será muito mais limitado do que ele.

O trabalho de organizar desde a base, de criar quadros através do treinamento político ligado à luta de classes, de não abandonar a defesa dos interesses dos trabalhadores e das massas oprimidas, se mantém como tarefa fundamental.

AMLO proclamou esse ano como o ano de Ricardo Flores Magón. Magón começou defendendo um ideal liberal, lutando contra a corrupção e pelo respeito à lei, tentando reformar o regime e o sistema existente. Mas no final ele concluiu que ele tinha que lutar contra o sistema capitalista. Se Ricardo continua relevante 100 anos após sua morte, é, por um lado, por ter morrido defendendo intransigentemente suas ideias sem traí-las e, em segundo lugar, porque as injustiças e o sistema que ele combateu permanecem presentes. A necessidade de combater o capitalismo é o que mantém a verdadeira validade desse revolucionário internacionalista nascido em Oaxaca. AMLO em seu discurso pronunciou a frase de Ricardo Flores Magón: “Apenas o povo pode salvar o povo”. É necessário o fortalecimento da organização e da educação política desde a base, lutando para aprofundar o processo em direção a uma alternativa anti-capitalista.


Tradutor: João Lucas Brandão