O 53º Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes), que reuniu em Goiânia, entre 29 de maio e 02 de junho, cerca de 7 mil estudantes, sendo 3.764 delegados eleitos em faculdades de todo o Brasil, foi marcado pelas contradições de sua direção que, num contexto internacional de forte mobilização da juventude e também ascensão dos movimentos na juventude brasileira, encontra-se pressionada a questionar as políticas do Governo Federal, embora sua dependência a este não permita.
Essas contradições foram expressas, por exemplo, nas resoluções apresentadas pela chapa vencedora e aprovadas por grande maioria dos delegados, onde se convoca acertadamente uma reedição da campanha “O Petróleo é Nosso! Contra os Leilões!”, entretanto, reivindicando que os royalties do Pré-Sal sejam destinados à educação pública. Oras, os royalties nada mais são do que o imposto pago pelas empresas privadas ao Estado brasileiro referente às áreas leiloadas para exploração do petróleo. Ou seja, ao reivindicar os royalties, a UNE está aceitando que a privatização do petróleo continue, desde que haja uma “participação” para a educação. É uma tremenda contradição. A única posição coerente com a palavra de ordem “O Petróleo é Nosso! Contra os Leilões!”, seria a luta pela revogação da Lei 9.478, de 1997 (sancionada pelo Governo FHC e bastante emendada durante os governos Lula e Dilma), para anular todos os leilões já realizados e retomar o monopólio estatal do petróleo desde sua exploração até a distribuição, ou seja, “do poço ao posto”, o que acabaria com os royalties e propiciaria muito mais receitas para o Estado proveniente da exploração direta do petróleo.
Outra notável contradição que expressa a pressão da base dos estudantes por lutar por educação para todos, mas está limitada pela dependência da UNE ao Governo Federal é sobre o pagamento da dívida pública brasileira. Em vez de se contrapor ao saque de 2,5 bilhões de reais ao dia aprovados no Orçamento Nacional para o pagamento de juros e amortização da dívida pública, a resolução aprovada no Congresso da UNE se limita a reivindicar 10% do PIB para a educação pública, royalties do pré-sal e lutar por “uma política macroeconômica que esteja a serviço do desenvolvimento do país. Não ao contingenciamento e cortes de verbas para pagamento da dívida pública!”. Ou seja, aceita que sejam destinados cerca de 900 bilhões de reais em 2013 para o pagamento da dívida, desde que não haja “contingenciamentos e cortes de verbas”, além disso, limitando-se a brigar por 10% do PIB (menos de 400 bilhões de reais, considerando o PIB de hoje, que pode vir a diminuir com a crise).
Existe oposição real à atual direção da UNE?
A direção da UNE eleita neste congresso praticamente reproduz a mesma composição política da direção que encerrou seu mandato. A chapa vencedora “Bloco da unidade para o Brasil avançar”, com 2.607 votos, e que passa a ocupar 12 vagas na Executiva da entidade, é formada pelas principais forças políticas que compõem o Governo Federal: PCdoB (UJS), PMDB, PSB, PPL (antigo MR8) e correntes que formam a direção majoritária do PT, como CNB (Articulação) e DS.
Diversas correntes do PSOL e o PCR formaram a chapa “Oposição de Esquerda” que obteve 618 votos e ocupará 3 vagas na Executiva da UNE.
Com 539 votos e duas vagas na Executiva da UNE, ficou a chapa “Campo Popular”, formada pelo Levante Popular da Juventude (ligado à Consulta Popular e MST) e algumas correntes do PT, como EPS, Articulação de Esquerda, Militância Socialista, etc.
O “Campo Popular” se proclamava alternativa frente à polarização “direção majoritária x oposição de esquerda”, mas na prática, suas propostas não se diferenciam essencialmente das propostas da direção majoritária. Colocavam a justa luta contra os leilões do petróleo como uma das bandeiras centrais, mas isso a própria chapa vencedora acabou incorporando.
Já a “Oposição de Esquerda” critica corretamente os laços entre a direção da UNE e o Governo Federal. Entretanto, a ala psolista da Oposição de Esquerda utiliza um tom muito sectário em relação ao Governo, fechando a porta ao diálogo com os milhões na base do movimento estudantil que têm referência nos governos do PT. E, como se isso não bastasse, para as políticas educacionais, a Oposição de Esquerda, mas principalmente sua ala psolista, não tem grandes divergências com a direção majoritária da UNE e nem com o Governo Federal.
Durante este CONUNE ocorreu o 3º Encontro Nacional de Estudantes Cotistas e Prounistas. Na mesa, a direção da UNE e o Ministério da Educação. O encontro não abriu a palavra ao plenário lotado com cerca de 2 mil estudantes e foi praticamente uma longa palestra do Ministro Aloisio Mercadante, entrecortada por palavras de ordem dos grupos organizados, à medida que discordavam de algo que estava sendo dito. Mas quando Mercadante falava sobre a política de cotas, todos se calavam, ninguém protestava, nem mesmo a ala psolista da “Oposição de Esquerda”. Todos se encontram em duas questões: O abandono da luta por educação pública e gratuita para todos e a defesa da política de cotas como única solução possível.
A Juventude Marxista, que pela primeira vez participa de um Congresso da UNE, realizou sua intervenção com base em sua tese “Pela retomada da luta por educação pública e gratuita para todos”. Em franca minoria, os combatentes da Juventude Marxista nadavam contra a corrente, mas tinham a seu favor uma bandeira poderosa, que ninguém mais tinha. E, mesmo em menor número, quando erguiam a bandeira, atraíam a atenção de estudantes de todo o Brasil. Em sua tese, reclamavam a Carta de Princípios da UNE, aprovada em seu Congresso de Reconstrução de 1979, que trazia inscrita a bandeira que agora retomam os militantes marxistas. Diante disso, deixavam claro que nem a política de cotas e nem os 10% do PIB para a educação podiam resolver o problema.
“Não queremos apenas alguns negros na universidade pública, queremos todos os negros! Mas isso só será possível com vagas para todos! Então não podemos brigar apenas por 10% do PIB! Devemos lutar para que o direito à educação pública e gratuita em todos os níveis seja garantido a todos, e que seja investido o dinheiro necessário, não importando qual porcentagem do PIB isso represente! E dinheiro para isso existe, mas é desviado para os banqueiros em forma de pagamento da dívida pública. É preciso que o Governo rompa com o pagamento da dívida pública e dê educação para todos os brasileiros! Na Venezuela a educação pública e gratuita para todos em todos os níveis já é uma realidade, então aqui pode ser também!” Com esse discurso os marxistas se dirigiram a todas as forças políticas que apresentavam teses ao plenário.
A chapa encabeçada pela UJS, que lidera a direção majoritária da UNE, não podia aceitar, pois seu atrelamento com o Governo Federal os impede de falar contra a política econômica servil ao capital.
O Campo Popular, encabeçado pelo Levante Popular da Juventude, avaliou que não há correlação de forças hoje para travar tal luta. Oras, mas se em 1979, em plena ditadura militar, os estudantes inscreveram isso como um princípio, porque abandonar esta bandeira agora que o povo trabalhador elegeu um governo do PT pela 3ª vez seguida? Na verdade, o “Campo Popular” também está atrelado ao Governo Federal, com cargos de confiança para a maior parte das correntes políticas que o compõem.
Já a “Oposição de Esquerda” é composta por PSOL e PCR, que não participam do Governo Federal e, portanto, têm total independência para levantar essa bandeira. Mas, adaptada à política de cotas e à campanha pelos 10% do PIB para a educação, a ala psolista resistiu em aceitar tal bandeira. Foi o PCR, que inteligentemente comprou a briga dentro da Oposição de Esquerda para que esta colocasse como sua bandeira central a retomada da luta por educação pública e gratuita para todos.
A Juventude Marxista então aprofunda o diálogo com o PCR durante o CONUNE e apresenta uma emenda ao texto de análise de conjuntura da Oposição de Esquerda. Tratava-se de um texto que analisava bem o cenário internacional, listava uma série de denúncias justas ao Governo Federal, mas não se dirigia a este, numa típica linha denuncista do PSOL. A emenda da Juventude Marxista colocava a UNE a exigir que o Governo Dilma rompa as alianças com os partidos capitalistas e faça um governo para os trabalhadores. O PCR novamente compra a briga dentro da Oposição de Esquerda. As correntes do PSOL, contrariadas, revelando todo o seu pragmatismo, registram que não concordam com a linha, mas aceitam a emenda para não rachar a Oposição de Esquerda, o que os levaria a perder postos na direção da UNE.
Diante disto, a Juventude Marxista retirou a sua chapa e chamou voto na “Oposição de Esquerda”. Mas, se os membros da Oposição de Esquerda eleitos para a direção da UNE vão levar adiante a linha política acordada durante o Congresso ou não, o tempo dirá. Claro está que os psolistas não têm a menor disposição em fazê-lo. Os estudantes do PCR serão colocados à prova. É justamente o desenvolvimento desta linha política que forjará uma real e consequente oposição à maioria da direção da UNE. Nesta via terão todo o apoio da Juventude Marxista.
O combate de frente única travado pelos marxistas no Congresso da UNE levou um número muito maior de delegados, do que aqueles que haviam tomado contato inicialmente com a tese da Juventude Marxista, a votar para que a UNE retome a luta por vagas para todos na universidade pública e para que o Governo Dilma rompa as alianças com os partidos capitalistas para atender as reivindicações do povo trabalhador.
Luta contra a criminalização do Movimento Estudantil
A partir de um chamado do DCE da Univille, dirigido por militantes da Juventude Marxista, se reuniram no dia 31 de Maio em Goiânia, durante o Congresso da UNE, cerca de 100 estudantes numa reunião nacional para debater a luta contra a criminalização do movimento estudantil e pela anulação de todos os processos contra estudantes em luta.
Estiveram presentes representantes do Fórum dos Processados da USP, Fórum dos Processados da Unifesp, DCE da Univille, DCE da UFBA, DCE da UFMG, DA da UDESC, DAMB do IA-Unesp, bem como representações da Esquerda Marxista, PCR, Levante Popular da Juventude, POR, PCO e estudantes independentes de várias regiões do Brasil.
Os estudantes processados da USP explicaram que, apesar da sentença do tribunal recusando as acusações contra eles, que o processo segue, cabe recurso e eles continuam sob perigo. Na reunião foram relatados outros casos de processos contra estudantes, como na UFMT, UNIR, e outras. Os processados carecem de advogados e apoio político. Os DCEs da USP e da Unifesp, por exemplo, boicotam a luta dos processados nas suas respectivas universidades.
A reunião aprovou um texto que foi apresentado pela Juventude Marxista, PCR e Levante Popular da Juventude como moção ao plenário do Congresso da UNE e aprovada por unanimidade. No texto está colocado que a UNE deve convocar uma Plenária Nacional de estudantes contra a criminalização e pela anulação de todos os processos contra estudantes em luta.
Ainda foi aprovado um texto dirigido a todos os DCEs do Brasil, lançando uma campanha nacional para construir esta plenária e decidir as medidas necessárias para anular os processos, inclusive sem descartar uma greve nacional de estudantes se preciso for.
Foi conformado um comitê da campanha composto por todos os presentes e aberto a novas adesões de entidades estudantis e organizações políticas.
A Esquerda Marxista colocou à disposição dos processados da USP e da Unifesp dois de seus advogados e fez um apelo para que as demais forças políticas presentes contribuíssem da mesma forma. A Esquerda Marxista também se dispôs a, assim que o comitê recém-formado decidir por uma campanha de moções ou algo similar, contactar todas as seções da Corrente Marxista Internacional para ajudarem enviando moções e prestando solidariedade internacional.