MES patrocina federação com a Rede e ajuda a aprofundar giro à direita do PSOL

O Movimento Esquerda Socialista (MES) – tendência do PSOL que tem entre seus dirigentes mais conhecidos Luciana Genro e Roberto Robaina – está sendo um dos patrocinadores da constituição de uma federação partidária entre o PSOL e a Rede Sustentabilidade. Esse último partido conta com Marina Silva, Randolfe Rodrigues, Heloisa Helena e é financiado pela família Setúbal, do banco Itaú, e tem posição contrária à legalização do aborto entre outras posições burguesas pró-capitalismo.

Aprovada por maioria pela Comissão Executiva (CE) do partido, foram os votos do MES que permitiram que se configurasse tal maioria em torno da decisão sobre a federação. Agora a proposta será apreciada pelo Diretório Nacional, que tem a mesma proporção de forças representadas. Publicamos uma Carta Aberta ao Diretório Nacional do PSOL contra essa orientação. Iremos aqui tratar de alguns argumentos utilizados por militantes do MES para justificar sua política. Está nas mãos desses companheiros o bloqueio dessa política que ameaça o futuro do PSOL.

Qual a principal ameaça?

Uma alegação utilizada em artigo do militante do MES Estevan Campos é a de que há uma ameaça ao projeto do PSOL. Esse projeto é definido por ele como “construção de uma ferramenta para a transformação radical da sociedade, uma ferramenta a serviço da construção do socialismo”. Essa e outras afirmações corretas levam a uma conclusão lógica falsa, a de que seria justificável uma federação com a Rede.

O PSOL tem seu projeto ameaçado, concordamos. E faz muito tempo. Acontece que os ataques aos seus alicerces têm sido operados de dentro do próprio partido. É a própria direção partidária que tem aplicado uma política oportunista, voltada para a defesa das instituições burguesas, pautada por temas pequeno-burgueses, de viés moralizante e guiadas pelo cretinismo parlamentar.

Trata-se de profundos e contínuos erros da direção partidária. Uma orientação inclusive combatida pelo MES em vários de seus aspectos nos últimos anos. Estranhamente o tratamento proposto para o paciente doente é a injeção de política burguesa diretamente na veia. Ao invés de proteger o projeto do PSOL, o que a federação com a Rede fará será agravar e acelerar sua crise.

Um aspecto relativizado por Estevam em outro artigo é o fato de que as federações partidárias são decisões no sentido de uma efetiva fusão de seus componentes. Argumentando pelo efeito prático da medida e criticando uma abordagem formal/legal, Estevan ignora o fato de que ataca-se o mesmo projeto que afirma defender. O PSOL estará bloqueando a possibilidade de ser uma ferramenta de transformação radical da sociedade.

De fato, o partido assinará um programa democrático burguês e se unirá institucionalmente, mediado pelo Estado burguês, a um partido pequeno-burguês por um prazo mínimo de quatro anos. A federação tem o sentido político da mudança de caráter do partido. De um partido com fronteiras de classe, que se reivindica da classe trabalhadora, passa-se para um partido com linhas de classe borradas e ao programa democrático da federação.

Como se determina a hegemonia

Outro argumento utilizado por Estevan é de que não haveria com o que se preocupar, pois como o PSOL é um partido maior que a Rede, ele conseguiria manter uma hegemonia. Essa argumentação pode satisfazer um leitor desatento. O que se trata aqui é de uma composição partidária nacional, e não de uma eleição de diretório estudantil. A hegemonia em uma formação social é determinada em primeiro lugar pela política aplicada. Uma federação partidária entre o PSOL e a Rede reforçaria todos os traços débeis do PSOL e reforçaria o elemento burguês e pequeno-burguês da formação.

Essa discussão toda está sendo promovida justamente a partir de um rearranjo dentro do próprio sistema político. A ordem burguesa está se realinhando. Qual o significado das federações partidárias nesse cenário? Tendo em vista o desmoronamento da Nova República desde 2013, a burguesia precisa retomar o controle de seu próprio regime. Isso se aplica em primeiro lugar ao fenômeno do Centrão e à sua capacidade de contrariar os interesses diretos das frações burguesas dominantes. Porém, também serve a controlar os partidos políticos que possam canalizar as insatisfações da classe trabalhadora.

A burguesia brasileira, com seu caráter provinciano e subordinado ao capital financeiro internacional, não conseguiu constituir ao longo de sua história verdadeiros partidos políticos com implantação social e tradição. O caminho que percorreu foi o dos regimes militares em parte considerável do tempo e regimes bonapartistas com face democrática no período restante. As federações partidárias são mais um capítulo no controle da atividade política nacional, que deforma e recrudesce as já disformes liberdades democráticas permitidas atualmente. Trata-se de um instrumento político para controlar os partidos do regime da Nova República, colocando-os sob uma maior dependência e controle do Estado burguês.

Legalidade a que custo

Em outro artigo do MES, Leandro Fontes argumenta pelo acerto da federação para “a superação da navalha da cláusula de barreira para que os partidos mantenham-se existindo institucionalmente e com potencial mínimo de competitividade no quadro nacional”. Em seguida apresenta um temor de que o PSOL se torne uma organização “semi-clandestina”. Aqui temos o centro do debate com o MES. Em primeiro lugar, é falso afirmar que o PSOL entraria para a ilegalidade sem a federação. Seria penalizado com o fim do financiamento estatal (partidário e eleitoral) e perderia o direito de participar de debates em rádio e TV. O partido continuaria podendo ter candidatos e funcionando legalmente, mas agora dependendo apenas de suas próprias forças e implantação.

Leandro tem como único horizonte partidário a política praticada por meio do Legislativo e dos postos do Executivo do Estado burguês. Toda sua defesa da federação gira em torno das dificuldades que serão enfrentadas para eleger parlamentares e para o PSOL se colocar no campo institucional caso perca o dinheiro e os meios de divulgação controlados pelo Estado (concessões de rádio e TV). Nenhuma palavra sobre a inserção do partido nos sindicatos, nos movimentos sociais, na sua implantação entre os trabalhadores. São os cálculos eleitorais que guiam a política para Leandro, e não o inverso.

Para sustentar sua defesa da legalidade a qualquer custo, Leandro resgata o exemplo do PCB para se justificar. De fato, o caso do PCB constitui um manancial de lições a serem estudadas pelos que pretendem revolucionar a sociedade. Na maioria das vezes nos forneceu lições do que não fazer. Os diversos exemplos de manobras do PCB para tentar manter sua legalidade foram de fato capitulações à burguesia, uma tentativa de composição com ela e de reforma social pela via institucional. Ironicamente é nos maus exemplos do PCB que Leandro se referencia.

De nossa parte, entre todo o percurso de traições e atividade contrarrevolucionária do PCB ao longo de sua história, observamos justamente como enfrentou a ilegalidade. Esses momentos corresponderam sempre a períodos em que a burguesia considerou sua existência intolerável, por avaliar ser possível canal de desague da indignação popular. Ainda assim, o partido continuou existindo apesar de sua condição ilegal. E conseguia fazer isso devido a um enraizamento em setores proletários, células e funcionamento que combinava atividade legal e clandestina.

O desespero das correntes que apoiam a federação com a Rede reside no fato de que o caminho seguido pelo PSOL não é o percorrido pelo PCB. O caminho em curso no partido se assemelha ao que trilhou o PT. Foi por meio de uma gradual adaptação e dependência dos mandatos parlamentares e máquinas executivas que o PT foi pavimentando o caminho das correntes internas que prepararam a capitulação do partido à burguesia. A “Carta aos Brasileiros” de 2002 foi o corolário político de uma progressiva adaptação do partido à burguesia, seus meios de financiamento e corrupção, e aos mandatos parlamentares e do Executivo.

Mas o centro de onde emanam as preocupações de Leandro é de que os partidos que não ultrapassarem a cláusula de barreira perderão o acesso às verbas do Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral. Desse montante de dinheiro público distribuído pelo Estado burguês se apropriam e valem tanto o MES quanto as correntes do PSOL. E a verdade é que o MES tem razões para se preocupar. Afinal, hoje a corrente tem deputados em nível federal, estadual e vereadores. Aqui vemos como um erro teórico sempre conduz a um desastre na prática.

O abandono do autofinanciamento militante constituiu-se na norma hegemônica de todo o PSOL e suas correntes (com exceção da Esquerda Marxista), incluindo aí o funcionamento do MES, suas campanhas eleitorais e seus projetos políticos. Ano após ano a burguesia de bom grado distribuiu milhões e milhões de reais nas mãos de ativistas que honestamente achavam que não haveria consequências. Mas elas existem. E o PT e suas correntes passaram pelo mesmo caminho que agora passa o PSOL e as suas tendências.

Depois de décadas sendo financiados pelo Estado burguês, quando a burguesia ameaça cortar esses recursos, verifica-se o quão dependentes estão aqueles que desse dinheiro se serviam. Aqui está uma causa profunda da adaptação da política à burguesia tanto da direção do PSOL como de suas correntes. Sem a necessidade de conectar-se às massas trabalhadoras e formular sua política em prol dessas, pode-se orientar a política em direção à ideologia dominante e acomodar-se à ordem institucional.

Companheiros de viagem

Em um artigo publicado após a decisão da Comissão Executiva, Roberto Robaina desenvolve uma argumentação a respeito das baixas sofridas pelo PSOL no último período. Depois de listar as várias deserções partidárias da janela eleitoral, o dirigente do MES ainda teme novas. Em seu artigo o dirigente do MES convoca o resgate do projeto do PSOL e a definição de que o partido não participará de um eventual governo Lula-Alckmin. De fato, o PSOL não deve aceitar compor um governo de coalizão com a burguesia encabeçado com o PT. Isso o tornaria co-responsável da política do novo governo ao qual o PSOL deve ser o componente mais resoluto de uma oposição de esquerda, Mas como como fazer isso abraçado com a Rede da família Setúbal?

Robaina é versado nas elaborações de Leon Trotsky. Ao comentar as dificuldades para constituir a Quarta Internacional, o revolucionário russo caracterizava como companheiros de viagem aqueles elementos vacilantes e carreiristas que juntavam-se à trincheira do marxista enquanto dela podiam tirar vantagens materiais, mas que logo se afastavam quando as coisas ficavam sérias. Esse foi o caso em relação ao PSOL de figuras como Jean Willys, David Miranda, Marcelo Freixo e outros.

A situação do PSOL após as trocas partidárias constitui a base material da pressão por uma federação com a Rede. Aposta-se nesse caminho como tática de superação das atuais normas da cláusula de barreira. O curioso é que depois de defender uma posição por ele próprio definida como marxista em relação ao resultado eleitoral, o mesmo Robaina orienta uma aliança sem princípios de quatro anos com um partido pequeno-burguês.

É necessário que que o PSOL defina seus rumos e que tiremos as lições dessas rupturas parlamentares. E o fundo da questão é ideológico e não conjuntural, ao contrário do que assinala Robaina. Sua análise deriva da somatória de diversas informações articuladas sobre o eixo de explicar uma pressão por aderir à candidatura de Lula. Na verdade, o dirigente do MES equivoca-se ao escolher o eixo. O centro da questão é uma profunda adaptação ideológica do PSOL à burguesia, que se expressa na política aplicada por sua direção e no tipo de atividade parlamentar desenvolvida pela sigla.

Ao contrário do que defende Robaina, uma federação com a Rede irá aprofundar a crise do PSOL ao invés de fortalecê-lo. Ao invés de recuperar o programa radical do partido, a federação com a Rede reforça a pressão burguesa da qual se alimentam os companheiros de viagem. Na busca de combater o problema das deserções e os efeitos da legislação eleitoral, o MES contribui para seu agravamento.

Esse fenômeno das deserções está conectado ao funcionamento do próprio partido, que se organiza em torno dos mandatos parlamentares e se expressa pelas declarações de seus deputados. De seus 220 mil filiados, apenas uma ínfima parcela realmente influi no cotidiano do partido. Quando são chamados é apenas para votar em congressos que se assemelham a cópias pálidas do funcionamento interno do PT, reproduzindo seus defeitos e sem suas qualidades.

Sem uma verdadeira vida partidária e mobilização de seus filiados, sem um controle pela base de cada mandatário, o PSOL tem convivido com figuras públicas que agem a partir de seus próprios projetos e programas. Esse foi o mesmo caminho trilhado pelo PT em sua burocratização e adaptação à burguesia.

Uma questão prática

Os companheiros do MES se orgulham de serem muito práticos, em contraponto a outras correntes com viés que eles definem como propagandista. De nossa parte, levamos como elogio uma tal polêmica. De fato, temos uma atenção muito grande às questões teóricas e a análise da situação concreta a partir do marxismo como método de análise. Um artigo de Estevan polemizando com o dirigente da Comuna, João Machado, explica que a questão prática diante do partido hoje é barrar o movimento de integração do PSOL a um eventual governo Lula.

Fazendo justiça à fama de teóricos demais, perguntamos por que o PSOL deveria recusar participar de um novo governo Lula depois que aceitou fazer uma federação com a Rede? Robaina argumenta em seu artigo pela defesa da posição da III Internacional, que orientava votar nos reformistas, mas não compor seus governos. Concordamos. Ao contrário de algumas correntes do PSOL que advogam pelo voto nulo num eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, nós chamaremos voto em Lula, sem deixar de fazer todas as críticas ao seu programa e alianças.

Mas fazer uma federação partidária, que é uma antessala para uma fusão, com um partido pequeno-burguês como a Rede coloca o PSOL objetivamente no campo da correlação de forças da burguesia. Trata-se de uma questão prática, sim, mas que nem por isso deixa de exigir a mobilização da teoria revolucionária para se chegar a uma tática correta do ponto de vista da revolução social.

Antes da questão prática em relação ao novo governo Lula, há outra questão prática que diz respeito ao próprio caráter do PSOL e o papel que pretende desempenhar na luta de classes. Para que o partido continue se colocando como uma alternativa política para a classe trabalhadora, o Diretório Nacional precisa barrar a federação com a Rede. Trata-se da definição do futuro do PSOL diante de uma profunda pressão da sociedade burguesa para integração dos partidos ao aparelho de Estado.

Os companheiros do MES precisam se inspirar em Karl Liebcknicht, deputado do Partido Socialdemocrata Alemão. A burguesia alemã havia colocado em votação os créditos de guerra no parlamento, que queria comprometer os socialistas ao lado da burguesia na I Guerra Mundial. Aquele momento marcou a linha de sangue entre a socialdemocracia chauvinista e a ala revolucionária do movimento. Na primeira votação Karl errou e votou a favor dos créditos, pressionado pela adesão geral dos traidores que eram a maioria. Mas depois de refletir e discutir a questão com seus camaradas que permaneciam no campo revolucionário, entre eles Rosa Luxemburgo, Karl votou contrário no segundo turno da votação.

Que rumo tomar

Junto com o bloqueio da federação com a Rede, os trabalhadores e jovens filiados ao PSOL precisam combater pela mudança da política do partido. Para usar a terminologia do próprio MES, apenas com o PSOL “empalmando” as mobilizações dos trabalhadores com um programa marxista e revolucionário abre-se a possibilidade do partido jogar um papel de vanguarda na luta de classes. O eixo de atividade do partido precisa ser o proposto pela III Internacional em seus primeiros quatro congressos.

O centro de atividade do partido precisa ser difundir uma política revolucionária entre a classe trabalhadora, conquistando posições sindicais e dirigindo movimentos sociais a partir dessa política. É a serviço desse trabalho que as posições conquistadas no parlamento burguês precisam se subordinar. A tribuna do Estado burguês precisa servir para propagar abertamente a revolução social.

Seu principal combate precisa se tornar ideológico, contrapondo-se à burguesia não apenas nos campos político e econômico, mas também no campo ideológico, como preconizava Engels. A isso precisa se combinar uma independência frente à classe burguesa não apenas politicamente, mas também do ponto de vista financeiro.

O partido precisa adotar uma política de autofinanciamento e parar de se sustentar com o dinheiro do Estado burguês vindo dos fundos partidário e eleitoral. Se o MES, assim como nós, se recusasse a receber sua fatia desses fundos, hoje seria simples aos companheiros se colocarem contra a federação com a Rede. A manutenção de seus postos conquistados no parlamento dependeria não de uma cláusula de barreira, mas sim do enraizamento da política revolucionária entre as massas trabalhadoras.

Esse é o caminho para o PSOL conectar-se ao profundo sentimento antissistema que se desenvolve entre os bem de baixo, e que hoje não encontra expressão em nenhuma das formações políticas visíveis para as amplas massas.