Cerca de duas horas após a queda oficial de Mubarak, foi publicado este artigo de Alan Woods com relatos impressionantes das horas que antecederam sua queda e uma análise bastante avançada dos possíveis desdobramentos.
O tirano caiu! Enquanto escrevemos estas linhas, Mubarak está renunciando. Esta é uma grande vitória, não só para o povo do Egito, mas para os trabalhadores do mundo inteiro. Após 18 dias de contínua mobilização revolucionária, com 300 mortos e milhares de feridos, a ditadura de 30 anos de Hosni Mubarak não existe mais.
Este é o resultado do maravilhoso movimento das massas, que tem enfrentado as armas e cassetetes da polícia e corajosamente resistiram a cada ataque das forças da reação. É o desfecho de duas semanas de luta revolucionária que têm sido uma inspiração para todos nós.
Ontem (10/02), a massa de manifestantes achava que tinha vencido. Mas nas últimas 24 horas as massas se convenceram de que todas as negociações e compromissos não estavam levando a lugar nenhum. Isso explica porque hoje mais pessoas do que nunca saíram para protestar com a idéia de que nada menos que uma insurreição popular derrubaria um ditador odiado e desprezado. Ontem à noite, antes de Mubarak falar na televisão, um manifestante na Praça Tahrir disse à BBC: “Eu vou ficar aqui até que ele se vá. Se ele não for, amanhã será um dia muito difícil para Mubarak”. Amanhã é agora!
Já na madrugada milhares de pessoas se reuniam na Praça Tahrir, prontas para um confronto decisivo com o regime. Eventos se desenvolveram com velocidade relâmpago. O movimento foi se radicalizando a cada hora. Os manifestantes ficavam “mais animados e mais determinados a cada dia”, Ahmad Salah, um ativista egípcio, disse à rede de TV Al Jazeera. “Este é um movimento crescente, não está diminuindo.” Presos políticos foram libertados das prisões. Mas há ainda um número desconhecido de pessoas desaparecidas, incluindo ativistas que possivelmente tenham sido detidos durante os confrontos recentes. Grupos de direitos humanos alegaram que o Exército egípcio realizou prisões ilegais e torturou manifestantes.
O estado de ânimo hoje era de irritação e ousadia. Ayman Mohyeldin, correspondente da rede de TV Al Jazeera no Cairo, informou ontem que na cidade nordestina de Port Said, no mínimo cinco edifícios do governo, incluindo o gabinete do governador e o escritório para a habitação pública, foram incendiados em dois dias consecutivos de tumultos. As pessoas têm bloqueado estradas, houve confrontos, e um grande número de pessoas rumou para a Praça da Libertação (Praça Tahrir). Ninguém sabe os números reais de hoje, mas os manifestantes saíram às ruas por todo o Egito aos milhões.
Nas províncias as coisas foram ainda mais longe do que no Cairo. Em Suez, onde o movimento está particularmente radicalizado e onde as vítimas tem havido numerosas vítimas da repressão, as pessoas ocuparam todos os prédios oficiais. Em Assiut, onde dezenas de milhares foram às ruas, eles tomaram conta da sede do partido do governo e prédios oficiais.
Em El Arish, ao norte do Sinai, onde dezenas de milhares manifestaram-se, uma multidão de cerca de mil jovens se separou da manifestação e se envolveu em tiroteios com a polícia, atacando delegacias de polícia com coquetéis Molotov.
Em Alexandria, uma multidão de pelo menos 200 mil pessoas se reuniu diante do palácio de Ras-el-Tin e confraternizou com os marinheiros que distribuíam comida para os manifestantes. Damietta, uma cidade situada onde o Nilo desemboca no mar, tem uma população de cerca de 1 milhão. Destes, 150 mil foram às ruas hoje, cercando as delegacias de polícia e prédios do governo ao redor. Recebemos relatos semelhantes vindos de todo o Egito.
Havia fúria nas ruas contra a propaganda mentirosa da mídia. Ontem à noite, no programa Newsnight da BBC, o editor-adjunto do órgão oficial do regime, Al Ahram, pediu desculpas ao povo e prometeu publicar relatórios verdadeiros sobre as manifestações: “As pessoas estão com raiva de nós”, ele admitiu: “Eu mesmo recebi telefonemas ameaçando queimar o prédio.”
No Cairo, os manifestantes cercaram a estação de televisão central, que era protegida por pára-quedistas. Mas a atitude das tropas foi amigável e estava ocorrendo confraternização. De acordo com uma testemunha ocular, um major pára-quedista, foi vista sorrindo e apertando as mãos de manifestantes, que diziam ao oficial: “os pára-quedistas estão OK. Mas não queremos a Guarda Presidencial. Ele sorri de volta. Todos os soldados do outro lado da cerca ao redor do edifício da televisão olham com simpatia para com os manifestantes. É uma cena muito emocionante”.
Havia rumores constantes sobre uma marcha ao palácio presidencial. Várias centenas de manifestantes deixaram a praça Tahrir, no Cairo, para marchar até o palácio na noite passada – cerca de 15 km da praça. O palácio passou a ser defendido pelo Exército e pelas tropas de elite da Guarda Presidencial. Alguns analistas especulam que, apesar de o Exército não abrir fogo contra eles, a Guarda Presidencial pode fazê-lo, caso em que poderia haver confronto entre o Exército e a Guarda.
Mas, de acordo com os relatos, em vez de repelir os manifestantes, o Exército estava servindo café da manhã. A CNN informou que os soldados e a multidão estavam cumprimentando uns aos outros. Em um gesto carregado de significado, os tanques voltaram suas armas para longe dos manifestantes, que responderam com aplausos fervorosos. Um soldado saiu de um tanque e amarrou uma bandeira egípcia no cano de sua arma.
Manobras na cúpula
Vamos colocar estes desenvolvimentos em seu contexto: a primeira indicação de que algo estava acontecendo na cúpula foi quando na quinta-feira, 10/02, o Conselho Supremo dos militares se reuniu, na ausência de seu comandante-em-chefe, Hosni Mubarak, e anunciou na televisão estatal o seu “apoio às demandas legítimas do povo”. Na realidade, as verdadeiras decisões foram tomadas, não pelo conselho militar, mas nas ruas e nas fábricas. Depois de semanas em cima do muro, a casta de oficiais foi arrastada pelas ações da classe trabalhadora e do povo revolucionário.
O Conselho ficou em sessão permanente “para estudar quais medidas poderiam ser tomadas para salvaguardar a nação, as realizações e as ambições de seu grande povo grande”. A agência de notícias AFP, citou uma fonte do exército que disse: “Estamos aguardando as ordens que farão as pessoas felizes”. Às 3h34m da tarde, a euforia tomou conta da multidão na Praça Tahrir. As pessoas estavam aos berros mais uma vez pedindo a queda do regime de Mubarak e diziam: “o exército e o povo estão juntos, o exército e o povo estão unidos”.
O General Hassan al-Roueini, o comandante militar da zona do Cairo, disse a milhares de manifestantes no centro da Praça Tahrir: “Todas as suas exigências serão atendidas hoje”. Já que sua primeira reivindicação era a derrubada de Mubarak, as pessoas naturalmente entenderam que o Presidente tinha sido deposto.
Um comandante de alto escalão, que preferiu permanecer anônimo disse ao Ahram Online que o Conselho Supremo havia assumido a autoridade no país, “por um período transitório”, cuja duração seria determinada posteriormente. Ao ser perguntado sobre o que um passo como esse poderia significar para o presidente, o vice-presidente e o primeiro-ministro, o comandante das forças armadas disse que “estas são pessoas que não têm poder sobre as forças armadas”.
Um dirigente do partido do governo no Egito disse à BBC que “esperava” que o presidente Hosni Mubarak fosse transferir o poder para Omar Suleiman, vice-presidente. No entanto, já havia alguns indícios de que Mubarak não estava disposto a deixar o poder tão facilmente. Uma hora depois estavam circulando mensagens contraditórias. Reuters citou o ministro egípcio da Informação, Anas el-Fekky, dizendo: “O presidente ainda está no poder e ele não está deixando o cargo. O presidente não está se aposentando e tudo que você ouviu nos meios de comunicação são boatos”. Dizia-se que Mubarak “ainda estava negociando se entregaria o poder a Suleiman”. Uma autoridade egípcia disse à Reuters: “Não está decidido ainda… ainda está em negociação”.
Mas o que havia para negociar?
A pequena surpresa de Mubarak
O presidente Hosni Mubarak tinha preparado uma pequena surpresa. Sua decisão de não renunciar, evidentemente, chocou fortemente tanto para os chefes militares egípcios, quanto Washington. O diretor da CIA, Leon Panetta havia falado mais cedo, como se a renúncia fosse um acordo fechado e uma solução para a crise estivesse garantida. Outras fontes, no Cairo, falaram no mesmo sentido. Do outro lado do Atlântico, o presidente Obama, com sua habitual retórica digna de um grande ator, falou de um “momento histórico” que estava sendo preparado “diante de nossos olhos”.
Mais uma vez o velhaco enganou a todos. Mubarak estava seguindo seus próprios planos. Muitos perguntaram qual poderia ser a sua motivação. Ele estava sob intensa pressão de todos os lados para renunciar rapidamente. Os americanos estavam com medo de que se ele não fosse logo, a situação, que já estava ficando fora de controle, iria ficar muito pior. Em vez de simplesmente mudar algumas caras na cúpula, a intervenção direta das massas iria varrer tudo, todo o regime iria por água abaixo, e com ele os últimos vestígios da influência dos EUA no Egito.
O problema era que ele também estava ouvindo outras vozes. A monarquia saudita, ainda mais corrupta, podre e reacionária do que o regime de Mubarak, está aterrorizada e se dá conta de que agora que seu amigo no Cairo se foi, eles podem ser os próximos. Eles estavam oferecendo grandes somas de dinheiro ao Egito, mas com a condição de que Mubarak permanecesse a todo custo. Os israelenses estão igualmente apavorados com as conseqüências de perder o seu fiel aliado egípcio, o homem que lhes permitiu vender ao mundo o chamado Plano de Paz – uma grande fraude. Eles estavam desesperadamente pedindo a todos para que parassem de criticar o presidente egípcio.
Mas as vozes mais influentes eram as que vinham de dentro da cabeça do presidente. Elas estavam dizendo que ele era grande, que ele era bom, que ele sabia melhor do que ninguém o que era melhor para o Egito. Como os monarcas absolutistas de antigamente, ele se considerava acima de todas as leis, parlamentos, partidos e generais. Ele se considerava a encarnação da Nação e o juiz supremo do Vontade do Povo. Enquanto ele falava em tons calmos e medidos na noite passada, seu rosto tão inexpressivo e pétreo como a máscara funerária de um faraó, nos dava a impressão de um homem que tinha perdido todo o contato com a realidade.
O povo do Egito, no entanto, reagiu ao discurso de Mubarak, entre outras coisas, com uma espécie de humor negro que muitas vezes disfarça uma mensagem séria. Aqui está um exemplo: “O Ministro do Interior pede a Hosni Mubarak que escreva uma carta de despedida ao povo egípcio. Mubarak responde: Por que? Para onde vão?”.
A multidão que se reuniu na Praça Tahrir com bandeiras do Egito, esperando impacientemente a notícia de sua renúncia, ouviu em choque e sem poder acreditar em como ele podia repetir os chavões de sempre. Ele simpatizou com a juventude do Egito, ele lamentou os erros do passado, ele chorou por causa do sangue dos mártires e prometeu punir os responsáveis por suas mortes (neste momento o Pai do Povo nem ficou vermelho), prometeu vida nova e melhor. Mas ele não renunciou.
Então o choque se transformou em raiva – uma fúria fria penetrou nas massas, uma fúria ainda mais intensa por conta da grande expectativa que tinha sido despertada pelos rumores anteriores. Todos os planos dos militares egípcios foram repentinamente arruinados. Em vez de uma “transição ordenada”, o Egito mais uma vez caiu em um turbilhão revolucionário.
O papel fundamental do movimento de greve
O elemento determinante na equação revolucionária, que forçou Mubarak a sair, foi a intervenção da classe trabalhadora. Essa é a resposta a todos(as) Senhoras e Senhores “inteligentes”, que argumentaram que os trabalhadores não eram revolucionários, ou mesmo que a classe operária não existia. Nos últimos dias em todo o país, trabalhadores e sindicatos se uniram aos protestos. Greves de âmbito nacional deram um novo e irresistível impulso para as manifestações de massa no Cairo e em outras cidades.
Por todo o Egito os trabalhadores entraram em ação com mais de 20 greves nas ferrovias e também na indústria têxtil, entre enfermeiros e médicos em um hospital, em empresas estatais e privadas. Os números estão na região de dezenas de milhares e não param de crescer. Na quarta-feira, houve uma onda de greves em Kafr El-Zaiat, Menoufeia e na zona do Canal de Suez. A CTUWS (Central Sindical) informou que na cidade têxtil de Mahalla, mais de 1.500 grevistas bloquearam estradas e que mais de 2.000 trabalhadores da empresa Sigma farmacêutica em Quesna entraram em greve.
Em Gizé, centenas de mulheres e homens jovens realizaram um protesto em frente ao escritório da governadoria de Gizé, exigindo moradia. Em Assiut 7 mil funcionários Asyut Universidade protestaram, expressando a sua raiva por não trabalharem com contratos adequados e por seus baixos salários. Os manifestantes exigiram que lhes fossem dados os mesmos direitos que os trabalhadores efetivos. Outros 200 funcionários da Assiut Petrol Company se mantém em protesto desde ontem na porta da empresa, onde passaram a noite. Os manifestantes disseram que se recusam a sair dali até que sejam feitos contratos adequados.
Na governadoria de Qena, 200 funcionários da Siyanco fizeram 1 dia de greve, exigindo que sejam implementadas benefícios financeiros, com igualdade para todos. Milhares de trabalhadores petroleiros também entraram em greve e protestaram em diferentes partes do país. Em Ismailia, os funcionários da Universidade do Canal de Suez, da Petrotrade e dos hospitais gerais exigiam melhores condições de trabalho e contratos adequados. Em Aswan, no sul do Egito, 300 funcionários do Banco de Desenvolvimento e Crédito para a Agricultura protestaram contra a corrupção.
A Telecom Egito, uma das maiores companhias de telecomunicações do país também teve protestos em frente a várias de suas sedes por todo o país nos últimos dois dias. Os trabalhadores estão exigindo contratos adequados e melhores salários. No Cairo, 700 funcionários do hospital Mukattam, incluindo médicos e enfermeiros, realizaram um protesto, exigindo melhores salários e contratos de trabalho adequados.
Os médicos e enfermeiras estão em greve e se manifestando. No hospital de Ain Shams, mil funcionários protestaram, exigindo melhores salários, contratos adequados e convênio médico para os funcionários do hospital. Até os atores protestaram contra o seu sindicato, exigindo a renúncia de seu presidente, Ashraf Zaki, e que o procurador-geral inicie uma investigação por corrupção.
Ontem (quinta-feira), milhares de estudantes de medicina, médicos vestidos com jalecos brancos e os advogados em suas vestes negras, marcharam no centro do Cairo e foram saudados pelos manifestantes pró-democracia, assim que entraram na Praça Tahrir. Este nome lhe cai bem. Esta é realmente a Praça da Libertação. Eles se juntaram a artistas e trabalhadores dos transportes públicos, incluindo motoristas de ônibus, os quais tinham aderido à greve. O movimento está crescendo.
Muitas dessas greves são de natureza econômica. Claro que sim! A classe trabalhadora está pressionando por suas reivindicações imediatas. Ou seja, eles não vêem a revolução como um meio de luta pela democracia apenas formal, mas por melhores salários, por melhores condições de trabalho – para uma vida melhor. Eles estão lutando por suas reivindicações de classe. E esta luta não cessará apenas porque Hosni Mubarak não está mais presente no Palácio Presidencial.
Mas essas são também greves políticas. Mubarak se foi, mas os trabalhadores exigem que o sistema injusto em que o sustentava também se vá. Os operários estão levantando a questão da democracia nas fábricas e nos sindicatos. A federação sindical oficial do governo, a Federação Egípcia Sindical (o único sindicato legal), apoiava Mubarak. Mas eles desapareceram. Os grevistas exigem a remoção da antiga direção. Em 30 de janeiro uma nova federação foi criada, a Federação dos Sindicatos Egípcios (fetu), em muitas cidades, tanto no setor público como privado.
Os trabalhadores prepararam o terreno
Lembremo-nos que a Revolução Egípcia foi preparada pelo maior movimento de greve já visto no Egito nos últimos 50 anos. De 2004 a 2008, mais de 1,7 milhões de trabalhadores participaram mais de 1.900 greves e outras formas de protesto. No período recente, houve 3.000 greves, incluindo todas as categorias, tanto no setor público como no privado. Muitas delas foram bem sucedidas, levando a aumentos salariais. Mas melhorias no nível de vida já não eram suficientes para satisfazer os trabalhadores.
Milhares de operários da Companhia de Fiação e Tecelagem de Mahalla entraram em greve na quinta-feira, exigindo melhores salários. Segundo a CTUWS, 24 mil trabalhadores participaram do protesto. Os trabalhadores do turno da manhã haviam se juntado aos seus colegas do turno da noite, se reuniram esta manhã em frente à sede da empresa, onde anunciaram a greve e sua solidariedade com os manifestantes da Praça Tahrir.
Os trabalhadores de fábricas têxteis estatais em El Mahalla el Kubra e dezenas de milhares mais em pequenas fábricas privadas são o coração do movimento operário egípcio. Eventos em Mahalla, em 6 de abril de 2008, mudaram tudo. Nessa cidade de meio milhão de habitantes, dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas. “Nossas palavras-de-ordem agora não são por reivindicações sindicais trabalhistas”, disse Mohamad Murad, um trabalhador ferroviário, coordenador sindical e político de esquerda. “Agora temos mais exigências gerais por mudança”.
A polícia abriu fogo, matando duas pessoas, e as multidões invadiram as ruas, incendiando edifícios, saqueando lojas e jogaram tijolos contra os policiais. Os manifestantes derrubaram e pisotearam um retrato gigante de Mubarak, na praça central. “Essa revolta foi a primeira a quebrar a barreira do medo por todo o Egito”, disse Murad. “Naquela sexta-feira, a multidão controlava a cidade. (…) Ninguém pode dizer que o Egito era o mesmo depois daquilo”. Não há dúvida de que essas greves desempenharam um papel fundamental para fazer o resto do povo perder o medo, começando com os próprios trabalhadores. O movimento de juventude “6 de Abril” se originou deste movimento dos trabalhadores.
O Exército
Os acontecimentos de ontem mostraram que os demais membros do regime não estavam mais interessados em salvar Mubarak. Seus interesses residem agora em salvar a economia e o regime do qual seu poder e privilégios dependem. Mubarak tem 82 anos de idade e de qualquer forma deixaria o cargo em setembro. Já estava desgastado e os generais sabiam disso. Ontem, obviamente, decidiram abandoná-lo. Mas para sua grande surpresa e irritação, o velho se recusou a partir.
Em teoria, a decisão final foi tomada pelo Exército, claramente abalado pelos acontecimentos das últimas 24 horas. Mas o próprio Exército dava sinais de fissuras, sob a pressão das massas. A rede de TV Al Jazeera noticiou ontem que um major do Exército largou suas armas e se juntou aos manifestantes da Praça Tahrir, juntamente com seus soldados. Anunciou que não estava sozinho, mas que fazia parte de um grupo de 15 oficiais de diferentes batalhões que aderiram à Revolução. Aparentemente, não se tratava de um caso isolado. Sob tais circunstâncias, não seria possível usar o Exército contra o povo revolucionário. Tudo isso, aliado à onda de greves em massa que varreu o Egito, explicam que ao fim e ao cabo o conselho militar decidiu livrar-se de Mubarak.
O Exército pode ter assumido o governo do Egito, mas não controla as ruas ou fábricas. Milhões de egípcios tomaram as ruas. Os militares tiveram que agir rapidamente ou perderiam o controle da situação por completo. Os generais tinham poucas opções. A primeira opção era não fazer nada, deixar a multidão ganhar envergadura e deixá-la marchar até o palácio presidencial e esperar o melhor. A segunda opção era tentar bloquear a entrada de mais manifestantes na Praça Tahrir. A Terceira opção era derrubar Mubarak.
O problema da primeira opção é que isso significava que as massas e não os militares determinavam o rumo dos acontecimentos. A segunda opção seria criar uma situação onde o Exército fosse obrigado a abrir fogo contra os manifestantes. Mas um confronto sangrento contra o povo teria como resultado direto uma divisão do próprio Exército.
Restou apenas uma opção: o golpe. Isso deveria ter sido feito ontem à noite para que fosse anunciado antes das manifestações começarem, logo após as orações de sexta-feira. A demora em agir mostra que o alto comando do Exército está dividido, paralisado e incapaz de uma ação decisiva. Queriam que o chefe desaparecesse, mas ao mesmo tempo, temiam as conseqüências de seu desaparecimento. Talvez Mubarak percebesse isso e por isso os tratou com tanto desprezo.
Os temores dos chefes do Exército estavam bem fundamentados. Agora que Mubarak se foi, um enorme peso foi tirado das costas da sociedade egípcia. As comportas foram abertas e todos os segmentos da sociedade pressionarão para que suas exigências sejam satisfeitas. Mas como pode um regime militar satisfazê-las?
“Revolução até a vitória”
A derrubada de Mubarak é apenas o primeiro passo. A Revolução entra em uma nova fase. A luta pela democracia é apenas metade da tarefa. A outra metade consiste na luta contra a ditadura dos ricos: a expropriação da propriedade de Mubarak e de toda a camarilha dominante, e a expropriação da propriedade dos imperialistas que os apoiaram e os mantiveram no poder durante três longas décadas.
Washington observa, sem piscar os olhos, o desenrolar dos acontecimentos. Leon Panetta, diretor da CIA, disse ontem, que havia “uma forte possibilidade de Mubarak renunciar esta noite, e que seria um passo importante na esperada transição ordenada no Egito”. O que os americanos entendem por uma “transição ordenada” é uma transição controlada pela CIA. Mas isso não acontecerá.
A situação avançou muito, as massas despertaram e tomarão esta vitória não como um sinal para a desmobilização, e sim, como um sinal para pressionar ainda mais por suas reivindicações. Devido a seu apego ao poder, Mubarak arrastou-se até seu amargo fim, e com isso radicalizou toda a situação. A pequena chance de uma “transição controlada” foi totalmente comprometida. Os americanos estavam manobrando, freneticamente, com os máximos representantes do Exército para substituir Mubarak por Omar Suleiman. Mas agora, Suleiman foi obrigado a partir junto com seu mestre.
A confiança do povo em Suleiman é exatamente a mesma que em Mubarak: nenhuma. Lembremo-nos o que Suleiman disse à emissora de televisão americana ABC: “os egípcios não estão ‘prontos’ para a democracia”. Ele também disse que caso os manifestantes não estabelecessem um diálogo com o governo de Mubarak, o Exército poderia ser forçado a dar um golpe. Como se pode confiar a este homem a introdução da democracia no Egito? Um manifestante disse que se Omar Suleiman assumir o lugar de Mubarak: “o que vai acontecer é que todos na Praça Tahrir trocarão os nomes nas suas faixas, e as manifestações continuarão”.
O regime finalmente desmantelou-se sob os duros golpes da marreta da Revolução. Na quarta-feira, Gaber Asfour, Ministro da Cultura, recentemente nomeado, renunciou “por motivos de saúde”. Hoje, Hossam Badrawi, o secretário-geral do PND, o partido que está no poder, acaba de entregar o cargo. Outros os seguirão. Os ratos já estão deixando o navio que naufraga.
Na ausência de alternativa, o alto comando do Exército assumiu o controle. Mas apesar das aparências, eles também não detêm o poder. O Conselho do Exército assumiu o controle sob a crista de uma onda revolucionária. Tanques e armas são ótimos, mas eles não podem criar empregos para os desempregados, alimentar os famintos, dar casas aos sem-teto, muito menos reduzir o alto custo dos alimentos. Dado que o Exército assumiu o poder em tais circunstâncias, estes vão querer entregar o poder a um governo civil, o mais rápido possível. Podem perfeitamente convocar eleições em setembro ou até mais cedo. Não faltarão candidatos para o cargo de presidente e primeiro-ministro. El Baradei espera impacientemente.
Mas nenhum dos problemas candentes da sociedade egípcia pode ser resolvido por uma “economia de mercado”. A sociedade egípcia sofre com o aumento dos preços e do desemprego. Há 7 milhões de pessoas desempregadas (cerca de 10% da força de trabalho). Cerca de 76% dos jovens não tem emprego. Os salários são baixos. A maioria dos funcionários públicos (cerca de 5 milhões de pessoas) vive com cerca de 70 dólares por mês. No setor privado, os salários são de aproximadamente 110 dólares por mês. Há um problema habitacional grave e algumas pessoas pobres vivem em cemitérios. Cerca de 4 milhões de pessoas não têm nenhum acesso à assistência médica. Nem mesmo são reconhecidos como parte da força de trabalho em qualquer tipo de contrato.
Existe uma fúria fervorosa contra a desigualdade e a corrupção. Os jornalistas independentes estão denunciando a corrupção que tudo permeia e que é a principal característica do antigo regime. Bilhões de dólares simplesmente desapareceram. O The Guardian publicou uma estimativa de US$ 12 bilhões, teriam sido levados somente pela família Mubarak. Isso provocou indignação e repulsa, em um país onde 40% da população vive abaixo da linha da pobreza. Agora, o trabalhador egípcio dirá: “Eu quero os meus direitos, onde estão nossos direitos?” Nenhum governo burguês pode dar aos trabalhadores os seus direitos ou resolver qualquer um dos problemas fundamentais do povo egípcio.
Agora, a classe trabalhadora é a verdadeira força motriz da Revolução. Até então, as reivindicações da Revolução eram de natureza política, concentrando-se na luta pelos direitos democráticos. Os trabalhadores estão dando ao programa um caráter social-revolucionário. Antes de ontem (09/02), publicamos o programa dos metalúrgicos de Helwan, uma cidade industrial às margens do Nilo (ler aqui).
Trata-se de um programa muito avançado que expressa a vontade dos trabalhadores em levar a revolução até o fim. Ontem, em Helwan, cinco fábricas militares entraram em greve. Hoje, os trabalhadores da Fábrica Militar Helwan de número 63 estavam na Praça Tahrir e carregavam uma faixa que dizia simplesmente: “Thawra Nasr hatta’l” (“Revolução até a vitória”), deram seu recado.
A Revolução Egípcia começou, mas não está terminada. Para resolver os problemas da sociedade egípcia, é necessário acabar com o capitalismo, expropriar os capitalistas e os imperialistas e realizar a transformação socialista da sociedade. Tudo isso é possível e essencial. O que hoje testemunhamos prova que quando os trabalhadores estão mobilizados para transformar a sociedade não há força sobre a Terra que possa impedi-los. Esta é uma lição que, mais cedo ou mais tarde, será aprendida pelos trabalhadores e jovens de todos os países.
O povo do Egito se regozija e nos regozijamos com eles. Agora, tudo é possível. Que esta palavra de ordem pegue: Revolução até a vitória!
• Vida longa à Revolução Egípcia!
• Vida longa ao Socialismo!
• Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!
Londres, 11 de fevereiro de 2011