O Amazonas continua sendo o ponto central da pandemia do novo coronavírus no Brasil, que por sua vez já é um dos países com o maior número de infectados do mundo. Apesar da situação dramática, o governo decidiu iniciar a reabertura das atividades comerciais com um plano ironicamente batizado de “retorno responsável à atividade econômica”. A responsabilidade de que o governo fala certamente não é com a saúde e a vida dos trabalhadores.
A pressão da burguesia local pela retomada dos setores que estão fechados desde março, principalmente o comércio, veio ganhando força ao longo dos meses. Entre os casos mais recentes estão a reabertura de um salão de belezas de luxo após liminar baseada no insano decreto federal que colocou a atividade como essencial. Uma das maiores redes de academias da cidade também anunciou o retorno às atividades, o que risivelmente deveria acontecer mediante o uso de máscaras. A liminar foi derrubada pelo Tribunal de Justiça do Amazonas, mas mostra o quanto os empresários de Manaus estão preocupados com a situação da pandemia na cidade.
O cenário para a reabertura foi preparado por uma onda de notícias otimistas sobre queda no número de pessoas internadas nas chamadas “salas rosas”, com estrutura intermediária para atendimento de pacientes de Covid-19. O número de enterros em Manaus, que atingiu o pico de 140 em um só dia, agora caiu para uma média de 60 por dia segundo o próprio governador. Isso é “apenas” o dobro do que se costumava enterrar na cidade.
No dia 28 de maio, o governo publicou a fotografia de uma das salas rosas do Hospital 28 de Agosto, um dos maiores da cidade, completamente vazia. A ideia era mostrar que o número de internos havia caído drasticamente. Imediatamente um grupo de enfermeiros se revoltou com a publicação e esclareceu que a sala em questão estava vazia porque iria passar por uma manutenção de rotina e que os doentes internados nela haviam sido transferidos pra outros locais.
Os andares 4 e 5 do hospital, que foram reservados para pacientes de Covid-19, estão com a lotação em 75% e nos leitos de UTI a ocupação é de 74%. Fica a pergunta de como um pronto-socorro do porte do 28 de Agosto, referências em traumas ortopédicos e que atende emergências de boa parte da cidade, conseguiu reservar dois andares para pacientes do novo coronavírus.
A verdade não importa, só o lucro
A verdade é que não existe absolutamente nada que justifique a decisão. Apesar do aumento nos leitos de UTI a toque de caixa para tentar conter a crise, a taxa de internações na capital continua alta e se morrem menos pessoas de Covid-19 é porque o atendimento a todas as outras doenças continua sendo negligenciado. Até mesmo postos de saúde nos bairros mais pobres estão fechados para concentrar recursos materiais e humanos nos hospitais e prontos-socorros.
A prova está nos números: no último dia 29 foram registrados 2.763 novos casos da doença no estado, com 24 mortes em um único dia. O número de casos por 100 mil habitantes é de 37,7, o maior do país e quase o dobro do segundo colocado, Ceará. Se levarmos em conta a altíssima subnotificação por falta de testes e exames adequados, fica claro que a doença no Amazonas está completamente fora de controle.
Para piorar, agora a Covid-19 dá sinais de estar se espalhando cada vez mais rápido pelo interior, onde são generalizadas as péssimas condições sanitárias que possibilitaram à doença se propagar em Manaus. Em um mês, os casos nos municípios do Amazonas cresceram 2.600% e já superam os da capital. Somente duas cidades não têm casos confirmados e, com a total falta de UTIs fora da capital, a pressão sobre o sistema de saúde deve aumentar com o traslado de pacientes e o número de mortes deve ser ainda maior.
Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas estima em 85 mil o número real de infectados. O percentual de recuperados ainda é muito baixo, entre 10% e 15%, e para atingir a chamada “imunidade de rebanho” defendida por Bolsonaro seria necessário um volume gigantesco de mortes. A pesquisa aponta que com um afrouxamento das já enfraquecidas medidas de distanciamento social é possível que haja um novo pico em junho com número de doentes e mortos ainda pior do que vimos até agora.
No dia 25 de maio outro grupo corroborou essa conclusão, salientando que medias tardias de contenção do vírus, para serem efetivas, precisam ser muito mais rigorosas. No dia 27 de maio foi enviada ao Ministério Público do Amazonas (MP-AM) uma nota técnica assinada por pesquisadores da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e do Instituto Nacional de pesquisas da Amazônia (Inpa) esclarecendo que 85% da população continuam suscetíveis ao vírus.
O mais curioso é que o primeiro estudo foi divulgado em uma live do próprio Governo do Amazonas, onde a representante da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) tecia elogios à ciência realizada localmente. Resta saber por que o governo não levou as conclusões do estudo em conta para manter e aprofundar as medidas restritivas.
Não podemos esquecer também de um estudo publicado pelo presidente de uma das maiores redes de varejo da região, que estima em quase 1 milhão o número de infectados em Manaus e conclui “tristemente” que a cidade deve ser a primeira de grande porte a atingir a “imunidade de rebanho” tão avidamente defendia pela burguesia. A despeito da tristeza do presidente, as lojas abrem na segunda-feira.
Só a luta pode defender nossas vidas
Mesmo com a pandemia, a luta de classes não está suspensa. Os trabalhadores da saúde, principais afetados pela total incapacidade dos governos municipal e estadual em lidar com a crise, já demonstraram disposição de luta por condições adequadas de trabalho e salários. Os profissionais do Hospital 28 de Agosto já haviam realizado uma manifestação em frente à unidade pedindo melhores salários e benefícios aos terceirizados. No último sábado foi a vez dos trabalhadores do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) irem às ruas em protesto.
O papel da direção de todos os sindicatos e organizações de trabalhadores da saúde deve ser o de denunciar incansavelmente as condições de trabalho a que eles estão submetidos e exigir todas as condições necessárias para o desempenho de suas funções com segurança. A luta deve ser unificada em defesa do SUS, pela paralisação de todas as atividades não essenciais (inclusive a indústria) com garantia de salário aos trabalhadores, pela incorporação de todos os terceirizados da saúde ao Estado e por todos os recursos necessários à saúde pública, mas ainda faltam direções à altura desta tarefa.
É essa mesma falta de direção que permite ao governo Bolsonaro continuar de pé, apesar da crise e das divisões que se tornaram visíveis nas últimas semanas. Com uma taxa de alta rejeição próxima aos 50%, qualquer oposição séria já teria posto abaixo Bolsonaro e todos os seus ministros criminosos, elevando grandemente a temperatura política no país. Mas o que vemos é a esquerda reformista e conciliadora se debatendo para encontrar uma saída pelas vias institucionais, o que nada serve à classe trabalhadora e apenas fortalece as instituições do Estado burguês.
O já apodrecido sistema capitalista mostra mais uma vez sua face assassina e cruel, expondo toda a humanidade à barbárie. Assim como no passado, a única saída real é a luta pelo socialismo. A crise da Covid-19 é uma crise do capitalismo, portanto os capitalistas devem pagar por ela e não os trabalhadores.
Fora Bolsonaro! Por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!