A partir do final de abril deste ano eclodiram novos conflitos entre israelenses e palestinos, considerados os mais sérios nos últimos anos. Somente entre os dias 10 e 12 de maio, ao menos 59 pessoas morreram, 53 em Gaza e 6 em Israel.
De um lado o Hamas ataca Israel com precários foguetes e de outro, o poderoso exército israelense com ataques aéreos e mísseis que chegaram a derrubar um edifício de 13 andares e outro de nove andares, na terça-feira, 11 de maio.
Entre as principais causas do recente conflito estão a obstrução do direito de culto aos árabes na Cidade Antiga, justamente do mês do Ramadã, e uma decisão judicial que determina o despejo de famílias palestinas no Bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém.1 Segundo matéria da Folha de São Paulo, “Pela lei de Israel, se judeus provarem que suas famílias viviam em Jerusalém Oriental antes de 1948, eles podem pedir a restituição de seus de direitos de propriedade”2, regra esta contestada pelos palestinos.
Aquilo que Israel chamou de um mero problema imobiliário decorre da crise provocada pela própria criação do Estado Judeu e do processo de ocupação dos territórios após 1948.
De acordo com o Portal ONU News,
“Os despejos de famílias palestinas de suas casas, principalmente nos bairros de Sheikh Jarrah e Silwan em Jerusalém Oriental, são baseados em duas leis israelenses: a Lei de Propriedade Ausente de 1950 e a Lei de Assuntos Jurídicos e Administrativos de 1970.
“A lei de 1950 proíbe os palestinos de reivindicarem suas propriedades perdidas na guerra de 1947-49, enquanto a lei de 1970 permite que os judeus israelenses reivindiquem propriedades perdidas durante a mesma guerra. As expulsões de famílias palestinas sob essas leis ocorreram muitas vezes ao longo dos anos, levantando profundas preocupações sobre a impunidade e a falta de responsabilidade.3
Estas leis, totalmente discriminatórias, fazem parte do empreendimento sionista de ocupação do território palestino e de expulsão da população árabe. Se a criação do Estado de Israel se constituiu em grave atentado à autodeterminação dos povos e mesmo dos princípios do liberalismo político pós-Revolução Francesa, o sionismo foi muito além. Sob a justificativa de autodefesa em cada guerra, sobretudo a de 1947-49 e a de 1967, Israel, em clara violação ao Direito Internacional, ocupou novos territórios e implementou uma legislação que legitimava a ocupação ilegal. Assim, fomentou a criação de colônias em vários territórios ocupados sob a justificativa de que tais colônias tinham por fundamentos direitos históricos à terra.
Desde 1967, foram construídos aos menos 13 assentamentos, abrigando mais de 220 mil judeus somente em Jerusalém Oriental.4 Quando o conflito chega aos tribunais do Estado Judeu, obviamente que a solução será aquela fundada na legislação de um Estado que criou cidadãos de primeira classe, os judeus, e outros de segunda classe, os não judeus.
É por isso que o cientista político Norman G. Finkelstein afirma que o sionismo surge como reação aos ideais iluministas, pois, estes “nacionalistas românticos” “sustentavam que vínculos mais profundos da mesma forma ‘natura’ uniam certos indivíduos e excluíam outros. Idealmente, concluíam, cada uma dessas comunidades organicamente constituídas deveria deter-se de um Estado independente.”5 Desta forma, o Estado não seria constituído por indivíduos na qualidade de cidadãos, mas sim pelos tais “vínculos profundos” que, no caso de Israel, teriam fundamento religioso.
Desde o início do século 20, quando as ideias sionistas começaram a tomar corpo o lema por eles utilizado era o de “uma terra sem povo para um povo sem terra”. Assim, simplesmente desconsideraram a existência de um povo habitava a região da Palestina e, fundamentada em mitos muito bem construídos, implantaram no Oriente Médio, com apoio de grandes potências capitalistas, um Estado que funciona como agência do imperialismo em uma região estratégica.
Mas hoje não há mais que se falar em soluções. No âmbito liberal a melhor solução apresentada é aquela que defende a constituição de dois Estados. Isto não apenas não resolve a crise, como manterá a existência de um Estado estranho fundado no fundamentalismo religioso e que manterá a opressão sobre a população palestina. Qualquer solução deverá passar por um único Estado, laico e democrático.
Ademais, ao contrário daquilo que é noticiado pela imprensa burguesa, a resistência palestina não está resumida a organizações como Fatah e Hamas. Outros grupos, inclusive com orientação marxista, impulsionam a luta desigual contra o poder político e militar do governo israelense e rejeitam a solução dos “dois Estados”.
Enquanto isso, vidas inocentes vão sendo ceifadas pelos covardes bombardeios israelenses com as bênçãos do imperialismo.
1 Cresce número de mortos em confronto mais intenso dos últimos anos entre Hamas e Israel. Folha de S. Paulo, 12/05/2021. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/05/faixa-de-gaza-e-alvo-de-novo-bombardeio-apos-lancar-misseis-contra-israel.shtml. Acesso em 12/05/2021.
2 Iden.
3 ONU News. Nações Unidas preocupadas com escalada da violência em Jerusalém Oriental. 11/05/2021 https://news.un.org/pt/story/2021/05/1750352#:~:text=Leis,Jur%C3%ADdicos%20e%20Administrativos%20de%201970. Acesso em 12/05/2021.
4 Idem.
5 FINKELSTEIN, Norman G. Imagem e realidade do conflito. Israel-Palestina. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 60.