Nove anos da Fábrica Ocupada Flaskô!

 Alexandre Mandl



Há nove anos os trabalhadores da Flaskô tomavam a decisão de ocupar a fábrica, retomando a produção sem os patrões, com a consigna da luta pela estatização sob controle operário.  Diante das ameaças de demissão em massa, das consequências do desemprego, da necessidade de lutar pelos seus direitos (e seu principal direito, direito ao trabalho), os trabalhadores decidiram tomar o destino em suas mãos. Não mais o chicote do patrão, não mais o descaso com os direitos dos trabalhadores. Fábrica quebrada é fábrica ocupada. E fábrica ocupada, deve ser estatizada sob controle dos trabalhadores. Assim se inicia uma jornada de luta que dura até hoje…

Com essa decisão, a fábrica passaria a ter um caráter social, com clara perspectiva classista, na defesa da democracia operária, com o desafio de mostrar que não são necessários os patrões, que tão somente exploram a força de trabalho do proletariado. Agora, na posse da fábrica, a gestão coletiva dos trabalhadores poderia destinar a verdadeira função social à propriedade, fazendo dos galpões abandonados, espaços culturais, sociais e esportivos, para que toda a população tenha acesso. Agora, seria possível fazer da fábrica, sucateada e abandonada, grande geradora de empregos, movimentando a economia, mostrando que ao não ter a acumulação privada da riqueza, conquistas sociais históricas da classe operária foram implementadas, como a redução da jornada de trabalho sem redução de salários.

No entanto, nesses nove anos, longe das conquistas serem idealizadas, há que ser dito que todas elas, todas, sem exceção, foram fruto de grandes mobilizações, grandes lutas, com enfrentamentos, sempre exercidas de forma coerente, tendo claro o objetivo de “ocupar, produzir, resistir” para a construção do socialismo, combatendo a propriedade privada dos meios de produção. Os trabalhadores da Flaskô jamais desejaram ser donos da fábrica ou caíram em contos da lógica empreendedora individualista. Lutaram como classe trabalhadora, por seus direitos, mantendo a carteira assinada e todos os direitos historicamente conquistados pelo movimento operário, ou seja, sempre sob a lógica classista, de enfrentamento com o capital.

Justamente por isso, os trabalhadores da Flaskô, assim como os trabalhadores da Cipla e Interfibra, em Joinville/SC, apanharam muito da burguesia. A coerência tem um preço, e os capitalistas não vacilam. Para frear o Movimento das Fábricas Ocupadas eles precisaram escancarar o caráter de classe do Poder Judiciário, dizendo que a experiência do controle operário “é mais um mal social do que um bem”. Para quem, cara pálida? Ou ainda, que a “sociedade civil organizada precisa reagir contra o desrespeito odioso do Estado Democrático de Direito”. Quem é essa sociedade civil, mesmo? Quem é que, efetivamente, desrespeita os mais nobres princípios da própria ordem constitucional? Onde estão as bases da dignidade humana, da sociedade livre, justa e igualitária, da busca pelo pleno emprego, do valor social do trabalho, da cidadania, da função social da propriedade? A contradição entre o que é formalmente garantido na lei e o que é aplicado na prática é, no mínimo, bastante pedagógica… Não é à toa que a burguesia acaba por confessar claramente o medo que tinha do Movimento das Fábricas Ocupadas: “Imagine se a moda pega?” É capitalistas, tenham medo mesmo, pois se a moda pega…  

Pensando nisso, a burguesia usa outros instrumentos para conter a perspectiva da estatização sob controle dos trabalhadores. Há 9 anos o ex-presidente Lula recebia uma comissão do Movimento das Fábricas Ocupadas e dizia que não poderia “estatizar” a Cipla, Interfibra e Flaskô porque a “correlação de forças não permitia” e que “isso não estava no cardápio”, pois “abriria precedentes”. Eleito pela classe trabalhadora, Lula tinha um legado histórico, suas raízes, suas lutas no movimento sindical, nas bases dos documentos fundadores da CUT e do PT… Mas, infelizmente, nunca antes na história desse país, a “brochada foi tão grande…”, como dizem muitos trabalhadores… Oito anos depois, durante os seus dois mandatos, vimos que o cardápio para o Movimento das Fábricas Ocupadas foi, de fato, bastante diferente do cardápio oferecido ao grande capital. Para eles, toda “estatização” fazia parte do cardápio, e usou o BNDES, com o dinheiro público, para salvar a Aracruz Celulose, a JBS Friboi, o Banco Votorantim, o Banco Panamericano. Engraçado que isso a correlação de forças permitia, né? Claro… Mas e o medo dos precedentes, Lula? Passou batido? Esses precedentes, de grandes empresas sonegar durante anos direitos trabalhistas e impostos, ver seus sócios continuar riquíssimos e demitindo os trabalhadores, podem prosperar, então? São opções, não é verdade, Lula?

Mas pior… se não ajudar já não era suficiente, há 5 anos não somente o governo federal fechava as portas na cara dos trabalhadores, como fechou, literalmente, a experiência de controle operário nas fábricas Cipla e Interfibra, em Joinville/SC. O filme “Intervenção”, disponível no youtube, ilustra muito bem o significado do ataque da burguesia, usando o Poder Judiciário e o governo federal para atacar uma das grandes experiências do movimento operário brasileiro. A história ainda vai julgar…

Com essas medidas também tentaram atacar a fábrica Flaskô. Todavia, os trabalhadores da Flaskô conseguiram resistir, e com muitas dificuldades, continuam enfrentando os golpes da burguesia, que se não são uma “paulada só”, como ocorreu em Joinville, desde a ocupação são inúmeras as ações e omissões que buscam acabar com o controle operário na Flaskô. Mais de 250 leilões, 332% de penhora de faturamento, contradições e ilegalidades cotidianas cometidas pelas Procuradorias são algumas das ações cometidas pela burguesia. Mas há também omissões, quando os governos, nas suas três esferas, se recusam a atender aos pleitos apresentados pelos trabalhadores da Flaskô, que, sempre é bom ressaltar, são sempre constitucionalmente e legalmente respaldados.

Nesses noves anos das bravas lutas dos trabalhadores da Flaskô, ficam claras as opções… a burguesia, usando o Estado, em todas suas esferas e instâncias, buscar recriminar (isso mesmo, inclusive criminalmente, com formação de quadrilha e tudo!) a experiência de luta pela estatização sob controle operário. Os trabalhadores, por outro lado, sabem muito bem o significado de sua resistência e o exemplo que carregam ao implementar as dezenas de conquistas sociais realizadas. E mais, seguirão firmes, na luta, apesar (e especialmente porque sabem) de todas as dificuldades impostas pela ordem capitalista. 

Não tem sido fácil. Se por um lado somente os trabalhadores da Flaskô sabem o que passam, também é verdade que são eles que sabem o real significado de trabalhar numa fábrica ocupada. Os trabalhadores da Flaskô têm claro que o preço das mercadorias é determinado pelo mercado, e, por isso, sabem que não devem e não podem competir com os monopólios da produção imperialistas. Sabem que suas respostas, com ações e omissões, ainda mais na época de crise capitalista são bastante distintas dos empresários. Enquanto a preocupação na Flaskô é pelo coletivo, pelo caráter social da produção, e, por isso, prevalece a democracia operária e todos tomam as decisões necessárias conjuntamente, os empresários atacam os trabalhadores, fazem lobbies com os governos, e saem ilesos, depois de muita sonegação…

Os trabalhadores da Flaskô sabem também que a burguesia precisa explorar a força de trabalho para acumular riqueza, pois toda ela é produzida pelos trabalhadores. Sabem que tudo que é feito no mundo é fruto do trabalho humano… e isso não é pouca coisa… Sabem que ao longo das últimas décadas houve um aumento brutal da produtividade, mas que essa foi às custas da maior exploração da mais-valia relativa, explodindo a desigualdade social e os níveis de pobreza em todo o mundo, aumentando o desemprego. E se é verdade que o Brasil surfou nas ondas da conjuntura internacional nos últimos anos, e que, com isso, ocorreu certa aparência de melhora de vida, ajudada com a bolha de crédito desenfreada, que proporcionou maior acesso aos bens de consumo (hoje estão todos endividados!), é verdade que o Brasil hoje sofre diretamente com a crise do capitalismo mundial. E não tenhamos dúvida… a Grécia de hoje é o Brasil de amanhã… Estamos vendo como as coisas andam por lá, onde historicamente a classe trabalhadora conquistou diversos direitos, e agora, na crise proporcionada pela lógica do capital, a burguesia quer cortar na pele de quem? Claro, é “pau na classe de novo…”,q eu os trabalhadores paguem a conta. Mas, burguesia, fique alerta… também estamos aprendendo… lá podemos ver claramente que a luta é de classes e que, organizados e unidos, a classe trabalhadora move montanhas… e, por isso, não venham querer usar parcela da classe trabalhadora para buscar saídas conciliatórias, tripartites, de “unidade nacional”. Somos de classes antagônicas, com interesses divergentes em sua natureza, e, por isso, impossíveis de conciliação…

A greve sempre é ilustrativa para ver esse antagonismo… primeiro, porque se a greve, ao cruzarmos os braços, mostramos quem é que produz. Se dermos mais um passo em nosso processo de consciência, imaginem o impacto de fazermos greves de ocupação, cruzando os braços dentro da fábrica, sob a posse do patrão. E mais um passo para imaginar que conseguimos retomar a produção sem patrão, deixando os patrões de braços cruzados, e mostrarmos que podemos viver muito bem sem esses parasitas… imaginem… eles imaginam muito… e morrem de medo… pois sabem se que se podemos fazer isso numa fábrica, porque não podemos fazer em toda a sociedade?

Por tudo isso, os trabalhadores da Flaskô sabem das dificuldades para o próximo período, o que nos faz ainda mais fortes para a luta, mantendo a coerência de nove anos de luta pela estatização sob controle operário como instrumento de construção do socialismo.

Portanto, o desafio de manter a fábrica ocupada Flaskô continua como central para toda a luta da classe trabalhadora, e, assim, renova-se os pedidos de solidariedade… Seguiremos intervindo na dinâmica da luta de classes, especialmente num momento de crise do capitalismo, ajudando a ser uma referência para a classe trabalhadora, para que tenhamos, inclusive, talvez não imediatamente, mas seguramente mais adiante, novas ocupações de fábricas.

Nesse sentido, os trabalhadores da Flaskô continuarão organizados, expondo as contradições do Estado, mostrando o que uma fábrica é capaz de fazer sem patrão, mostrando que sem ter acumulação privada da riqueza, por exemplo, é capaz de proporcionar aos trabalhadores da Flaskô importantes conquistas sociais, mas, essencialmente, é capaz de ser uma referência de luta à toda classe trabalhadora, aos movimentos sociais, aos sindicatos, desde aos moradores da pequena cidade operária de Sumaré/SP até todos os cantos do mundo. Pois “eles podem matar uma, duas ou três rosas, mas nunca deterão a primavera”.

Parabéns à todos os grandes guerreiros, aos bravos combatentes, aos imprescindíveis lutadores desses últimos 9 anos de luta! Parabéns à toda solidariedade de classe, pois foi essa unidade que mantém a fábrica aberta!

Viva a luta dos trabalhadores da Fábrica Ocupada Flaskô!
Viva a luta pela estatização sob controle dos trabalhadores!
Viva a luta pelo socialismo!
Sumaré, 12 de junho de 2012