Imagem: Governo do Estado de São Paulo

Novo Plano de Carreira em São Paulo: “privatização” e rolo compressor das escolas de tempo integral

O novo “Plano de Carreira e Remuneração”, anunciado em dezembro do ano passado pelo governador João Doria (PSDB), foi publicado no dia 4 de março no Diário Oficial. O Projeto de Lei Complementar 3/2022 (PLC 3/22) é, segundo o governo do estado, resultado do fraco desempenho das escolas nos índices de avaliação. Além disso, afirma buscar atender às demandas da categoria de professores e corresponder aos estudos internacionais que indicam que a valorização do docente é um dos pilares da educação.

Citando como exemplos a Finlândia, Singapura e Austrália, espera-se valorizar os “professores com vistas a ofertar uma educação pública de excelência e com equidade”, além de “aperfeiçoar os mecanismos de desenvolvimento da carreira e promover as competências para a educação do século 21”. Interessante é que o grande responsável pelo sucateamento da educação no estado de São Paulo é o próprio PSDB, que governa há 27 anos permitindo a privatização do ensino público e a desvalorização do professorado. Inclusive, é o responsável pelo “plano de carreira” atual: uma vergonha que praticamente impede a valorização dos professores.

Na “nova carreira” o governo Doria promete um aumento de 73% no salário dos docentes. O salário base, que hoje é cerca de R$ 2.500 para quem possui jornada de 40 horas semanais, irá para R$ 5 mil. Para isso, basta o professor escolher em qual carreira ficará: na atual, baseada em vencimentos, ou na nova, baseada em subsídios.

Segundo o projeto de lei, a evolução será “por desempenho […] realizados pela Secretaria da Educação na periodicidade de 2 (dois) anos”, por meio de avaliações de desempenho, de conhecimento e de prática didática. O governo espera que dependamos de sua boa vontade, de seus critérios de avaliação não mencionados no PLC. Caso essa “nova carreira” siga os passos de outra política tucana, também meritocrática, como a Prova de Mérito, será uma medida para impedir os docentes de evoluir. Isso é a transformação de um plano de carreira inexistente em um falso instrumento de valorização baseado na obediência e competitividade. Mais do que isso, esse projeto prevê a retirada de direitos aos aderentes, a saber, todos os direitos relativos a aumento salarial em função de tempo de serviço, como quinquênio e a sexta-parte. A remuneração por subsídio modifica essencialmente esse aspecto e traz, mais uma vez, uma novidade triste ao funcionalismo público paulista, ao menos em uma categoria tão massiva como a dos professores. Isso é parte do processo de retirada de direitos conquistado na década de 1980 e que resultou nos poucos direitos que temos em função da Constituição de 1988. A concepção de serviço público se alterará com a aprovação dessa lei. Porém, como é de praxe, só altera o pouco que beneficiava os trabalhadores.

O projeto estabelece, para o docente, apenas o cargo de Professor de Ensino Fundamental e Médio, com duas jornadas de trabalho: 25 e 40 horas semanais (art. 9º). Além disso, estipula que 1/3 da jornada seja em atividades pedagógicas – sem alunos – e devam ser cumpridas na escola, “para promover a formação continuada, a interdisciplinaridade e a colaboração entre pares”. As medidas acabam com a jornada reduzida e impõe que as Aulas de Trabalho Pedagógico em Local de Livre Escolha (ATPL) sejam realizadas na unidade escolar, transformando o regime de trabalho do professor praticamente no regime da PEI (Programa de Ensino Integral). Também é importante destacar o art. 6º da PLC 3/22, que mantem os concursos para o ingresso na carreira, porém a admissão será por área de conhecimento e não por componente curricular. Essa medida, se aceita pela categoria, representará um rolo compressor do Programa de Ensino Integral (PEI) na rede estadual paulista. Um professor que passará a cumprir as 40 horas na escola se perguntará por que não ganhará a gratificação que os professores do PEI recebem, se está cumprindo a mesma jornada. Potencialmente, todos que aceitarem a nova carreira serão favoráveis à implementação desse programa que tem se mostrado ano a ano mais excludente em relação à juventude proletária e privatizante, promovendo a “adoção” de escolas por empresas que culminam em fartas desonerações fiscais a banqueiros e bilionários.

O servidor atual, efetivo e categoria F (estável), poderá escolher por permanecer no cargo original ou aderir ao “novo plano de carreira”. A opção deve ser feita em até 24 meses (dois anos) e ela é irretratável.

Em relação às ausências, a “nova carreira” indica que falta aula será considerada como falta dia, implicando no desconto da remuneração mensal. Segundo o art. 69, “O descumprimento da carga horária diária de trabalho, seja integral ou parcial, será consignado como falta dia e implicará desconto financeiro à razão de 1/30 (um trinta avos) do valor da retribuição pecuniária mensal”. Além do mais, atacam o direito à greve impondo que três faltas injustificadas serão punidas com o reinício da contagem do subsídio, como enuncia o art. 22º. E sabemos que as gestões escolares por muito pouco impõe tal categoria de falta em nossos prontuários, ainda mais em situações de paralisações.

Fica claro, para nós, que esse “novo plano de carreira” serve dois propósitos centrais: imposição do PEI em toda a rede estadual paulista de ensino e dar o exemplo para transformar a concepção de serviço público via retirada de direitos historicamente conquistados.

Somos contra o novo plano de carreira e a Apeoesp deve organizar os trabalhadores nas ruas contra mais esse ataque. Contudo, em ano eleitoral e viciada em sua tática institucional de organização da luta de acordo com o calendário da Alesp, a perspectiva de vitória por essa via não é otimista. É preciso unificar as diferentes categorias de professores hoje existentes via um programa comum e métodos adequados à realidade atual dos professores. Mais do que isso, exigir da CUT e da CNTE a unificação da luta dos trabalhadores em todo o país. A partir disso, poderemos visitar as escolas, organizar a luta e recuperar a confiança da categoria em sua capacidade de organização, confiança esta destruída pelas derrotas contínuas promovidas pela direção da Apeoesp. Esse é o caminho para retomarmos as potentes mobilizações e greves que nossa categoria é capaz de realizar, para derrotar não só esse ataque, mas os que ainda virão.