Foto: Joédson Alves, Agência Brasil

O 7 de setembro de Lula

Editorial da 31ª Edição do jornal Tempo de RevoluçãoFaça sua assinatura agora! Apoie a imprensa comunista.

E foi por ter posto a mão no futuro
Que no presente preciso ser duro
E eu não posso me acomodar
Quero um país melhor
(Fernando Brandt/Milton Nascimento)

No dia 6 de setembro, preparando-se para comemorar 201 anos de independência, Lula pronunciou um discurso defendendo o seu governo, dizendo que a vida melhorou nos últimos 8 meses. Sim, saiu o governo truculento de Bolsonaro, toda a “esquerda”, inclusive nós os comunistas, colaboramos para derrubá-lo. Claro está que queríamos derrubá-lo antes, mas foi justamente o PT, a maioria do PSOL e dos sindicatos que ajudaram a botar água na fervura quando o Fora Bolsonaro tomou conta do País e direcionou tudo para as eleições, para o respeito à legalidade burguesa.

Passada as eleições, o disco virou e agora todos pedem que confiemos em Lula, porque se fizermos muito alvoroço a extrema direita pode voltar. Assim, Lula está certo ao fazer acordos com o Centrão, com o Presidente do Congresso, Lira, e até em nomear um jurista de direita (Zanin) para o STF. É preciso confiar, dizem eles.

Nós, os comunistas, retrucamos: A confiança em governos burgueses, ainda que com cara de trabalhador, não leva a nenhum lugar a não ser novas derrotas. Afinal, a política do governo, até agora, tem sido igual a de Bolsonaro, sem os seus laivos e arroubos autoritários, mas na linha do papinho mineiro. Vamos conversar ou como explicou o mesmo Lula:

“Que podemos ter sotaques diferentes, torcer para times diferentes, seguir religiões diferentes, ter preferência por este ou por aquele candidato, mas que somos uma mesma grande nação, um único e extraordinário povo.” (Rede Brasil Atual, 06/09/2023)

Vamos tentar explicar algo que Lula já sabe, mas ele quer esconder: uma nação capitalista é formada por diferentes classes sociais – proletariado, burguesia, pequena burguesia principalmente – e estas diferentes classes sociais estão em luta. A burguesia oprime o proletariado para obter lucros, cria uma série de políticas opressoras para dividir os trabalhadores e mantém um Estado armado e violento para reprimir o proletariado.

Somos uma mesma grande nação? E os proletários mortos pela PM, principalmente em “ações” ou “excursões” (como se fosse uma ida ao território inimigo)? Como se os proletários não têm nem mesmo o direito a uma vida segura que a qualquer momento pode ser interrompido pela violência policial? Como se a polícia de um estado, Bahia, dirigida por seu partido é a que mais mata no Brasil? Ah, no discurso pode não ter preferência, mas a polícia do Estado brasileiro tem. Ela mata só o proletariado, principalmente sua parte negra.

Somos uma mesma grande nação? A inflação desceu? Pode ser, mas se o preço da picanha desceu, aquilo que o pobre come, o arroz e o feijão, continua caro. Porque a maioria do proletariado, você sabe, não tem dinheiro para a picanha.

O preço da gasolina diminuiu, é verdade. Mas a maioria do povo sofre e balança nos ônibus e trens lotados, que estão cada vez mais privatizados e submetidos a sanha do lucro que exige lotação máxima e máximo lucro. “O povo? Tadinho do povo” (Chico Anysio, em programa de humor, satirizando um deputado).

Sejamos francos Lula. Você deu sorte e pegou uma pequena onda de recuperação econômica pós-pandemia. Contudo, a sua política continua a mesma. Se um ministro ousou falar em “revogação da reforma trabalhista”, em revisão da reforma da previdência, foi calado imediatamente e calado se encontra agora. A Polícia Rodoviária Federal está tendo seus procedimentos revisados por comissão instituída pelo Sr. Ministro Flávio Dino e, enquanto isso, continua atirando em crianças de três anos… Mudou tudo? Mudemos tudo para tudo ficar igual. Acho que já ouvimos isso de um italiano e há muito tempo.

A principal realização do seu governo até agora foi a aprovação do “arcabouço fiscal” ou, conforme o seu discurso, novo “marco fiscal para crescer com responsabilidade”. E nós perguntamos: qual responsabilidade? Segundo o novo marco/arcabouço fiscal, a principal responsabilidade é a mesma do antigo teto fiscal: pagar a dívida. Ah, este ente misterioso e cabalístico que rege todo o nosso Estado.

Vamos traduzir: hoje a dívida pública é o principal mecanismo de transferência de renda do Estado brasileiro para a camada mais rica da sociedade, que vive de “rendimentos”, “juros”, ‘investimentos”. Ou seja, é a camada dos ricos, dos proprietários, dos grandes, dos super-ricos ou, traduzindo em linguagem proletária (linguagem marxista), a burguesia.

Sim, a maior parte dos tributos cobrados pelo Estado brasileiro é transferido diretamente para a burguesia. Outra parte também é para ela transferida através dos incentivos e investimentos para a produção como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e só uma pequena parte é transferida para os mais pobres – pagamento das aposentadorias, das pensões, dos servidores, saúde e educação. Mesmo estas estão sujeitas às “negociações políticas” onde um posto de saúde ou a contratação de um médico está sujeito as necessidades e interesses não da população, mas da casta parasitária dos deputados e senadores, que direcionam as chamadas “emendas” parlamentares ao orçamento para a realização de obras que ajudem seus aliados prefeitos.

Assim caminha a humanidade ou, melhor dito, assim caminham os governos Temer, Bolsonaro e agora Lula. Fazendo acordos com o chamado Centrão para aprovar não sua política – seja a de Bolsonaro ou a de Lula –, mas a política que agrada… ao Centrão, este agrupamento amorfo que representa a burguesia brasileira mais capacha e ligada ao imperialismo. Neste sentido, as promessas de mais universidades, mais institutos técnicos, mais escolas, mais hospitais e postos de saúde esbarram com a necessidade de mais “emendas” para satisfazer as necessidades eleitorais dos aliados em 2024, ano de realização do novo orçamento.

É evidente que isso não se fará sem atrito. A burguesia sente que tem que ceder algo e por isso nos acordos salariais do início do ano o arrocho diminuiu um pouco. Porém, nos servidores públicos e no serviço público é que o bicho ameaça pegar. Afinal, se as perdas salariais desta categoria chegaram a mais de 30% nos anos Temer-Bolsonaro, no primeiro ano Lula deu 9% que não repunha toda a perda. E a perda continua neste ano, mas no novo orçamento não é previsto nenhum reajuste.

Contra as promessas de mais saúde e educação, o “concursão” (uma espécie de Enem para entrar em todas as áreas do serviço público) vai criar 8 mil vagas. Sendo que nos últimos seis anos, as aposentadorias e mortes somaram muito mais que isso. Então como ter mais saúde e educação, se não vai nem repor os servidores que saíram? A conta não fecha e a realidade vai se mostrar mais cedo ou mais tarde.

O PSOL no novo tempo

É nesta situação que o PSOL, o partido do “socialismo e liberdade” começou um flertar com o novo governo. Primeiro, permitiu que filiados participassem do governo a nível individual. Depois, deputados votaram de acordo com sua consciência tanto na “reforma tributária” como no novo “marco fiscal”. Agora, no final das contas, concluída a votação no Senado sobre o novo “marco fiscal”, sob a desculpa que o Senado melhorou o texto, toda a bancada do PSOL atravessou o Rubicão e votou a favor do novo marco fiscal.

A preparação do seu congresso nacional mostra isso. Muito provavelmente teremos um congresso que vai repetir a fórmula do Diretório Nacional, sob uma nova roupagem, mas os parafusos vão apertar sem que a rosca espane. Toda a bancada vai, afinal, se conformar para que Boulos seja eleito, com sua política – repetir em São Paulo a mesma aliança que levou Lula ao governo federal. Em outras palavras, constituir um governo burguês com o PSOL na prefeitura em vez do PT. Toda a militância do PSOL vê o caminho em que isso levou o PT. E agora? Vai aceitar calada este caminho e conformar-se de que o Socialismo e a Liberdade são somente bandeiras para os dias de festa, mas no dia a dia temos que aceitar o capitalismo?

Os comunistas sabem o seu lugar: ao lado do proletariado, contra a burguesia. Por isso, estamos organizando todos os que querem levar esta luta organizadamente. Você é comunista, você é socialista? Venha se organizar conosco, junte-se à Esquerda Marxista. Esta é a bandeira de sua próxima vitória.