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O avanço do vírus nos Estados Unidos

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 11, de 23 de julho de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

No dia 16 de julho, a quantidade de infecções diárias pelo novo coronavírus atingiu mais um recorde nos Estados Unidos, com mais de 77 mil casos notificados em 24 horas. O pico anterior havia ocorrido na semana que antecede este recorde, com 66.600 casos em apenas um dia. Nos Estados Unidos, até aquela data, cerca de 3,5 milhões de pessoas tinham testado positivo para a Covid-19 e 138 mil tinham morrido em decorrência do vírus. Na última semana, onze estados apresentaram recorde de internações, com risco de colapso da rede hospitalar.

Neste momento, o epicentro da epidemia é o estado da Flórida, onde o número total de casos já ultrapassou 315 mil e houve 4.782 mortes, e os hospitais informaram não ter mais leitos livres de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Outros estados também apresentam número expressivos de contaminação ou mortes, como no Texas, que chegou a registrar 10 mil contágios diários. Cerca de um terço do total dos mais de 3.400 óbitos, vítimas do Sars-CoV-2 no estado, ocorreram nas primeiras duas semanas de julho.

Os dados também apontam a maior quantidade de mortes entre negros e latino. Em todo o país, os negros têm morrido em decorrência da pandemia, em média, quase três vezes mais do que os brancos. Em alguns estados, como no Kansas, essa proporção chega a ser de sete para um. Entre os latinos, o cenário é parecido. Em Nova York, segundo dados de abril, 34% das mortes em decorrência da doença respiratória registradas na cidade eram de pessoas latinas, apesar de representarem 29% da população nova-iorquina.

Esses números são explicáveis pelo perfil de classe. Cerca de 43% dos trabalhadores negros e latino atuam nos setores de serviço ou produção, encontrando-se na linha de frente da exposição ao vírus e não podendo desempenhar as mesmas funções em casa. Outros fatores também passam pela necessidade de uso de transporte público ou pelas condições precárias de moradia. Esse cenário mostra-se ainda pior se considerar a inexistência de um sistema público de saúde.

Desde junho, depois que diversos estados relaxaram medidas restritivas contra a pandemia, o ritmo de contágio vem aumentando nos EUA. Esse crescimento do número de casos fez com que muitos estados paralisassem ou retroagissem os processos de reabertura da economia. A Califórnia e o Texas, diferente da Flórida, impuseram novas restrições ao comércio ou tornaram obrigatório o uso de máscaras em espaços internos.

O tema das máscaras, inclusive, tonou-se parte da disputa política, a começar pelo fato de Donald Trump ter aparecido a primeira vez em público usando máscara somente no último dia 11. Em seus três comícios da campanha eleitoral somente no último foi exigido que os presentes usassem máscaras. Na Geórgia, governada pelos republicanos, a prefeita democrata de Atlanta, Keisha Lance Bottoms, foi processada pelo governador Brian Kemp, por obrigar o uso de máscaras na cidade. Para Trump e seus apoiadores, a obrigatoriedade do uso de máscaras interfere da livre escolha das pessoas.

Outro campo de batalha partidária tem sido a reabertura de escolas no outono (que no Hemisfério Norte começa no mês de setembro). Enquanto algumas cidades, como Los Angeles e Nova York, planejam começar o ano escolar virtualmente ou de forma restrita, o governador da Flórida, Ron DeSantis, insiste para que as escolas reabram totalmente já em agosto.

Trump chegou a ameaçar cortar o financiamento federal para as escolas que se recusarem a abrir suas portas. Contudo, segundo pesquisa de opinião, cerca de 63% da população entende que Trump não deveria pressionar as escolas para reabrir. Somente 25% se mostraram favoráveis a essa postura do presidente.

Trump enfrenta uma dura batalha pela reeleição em novembro e está pressionando para que as escolas reabram, como forma de mostrar um sinal de retorno à normalidade, o que é impossível. Depois da onda de lutas antirracistas que explodiu no país, em resposta à repressão policial e à piora na vida dos trabalhadores, o cenário eleitoral mais provável é de derrota de Trump, que está atrás de Joe Biden em todas as pesquisas.

Os dados sobre a situação do emprego mostram um cenário pouco favorável para as pretensões de reeleição de Trump. No mês de abril, foi registrado um índice de desemprego de 14,7%, o mais alto em mais de 70 anos. Cerca de 20,5 milhões de trabalhadores perderam seu emprego somente em abril, levando em conta a quantidade de pessoas que se inscreveram para receber auxílio-desemprego (esse número chegava a 33 milhões de pessoas, considerando também os dados do mês de março). Em meio à pandemia, o desemprego entre os hispânicos subiu para 18,9% e entre os negros para 16,7%.

No começo de junho, foi anunciado que cerca de 4,8 milhões de pessoas recuperaram seus postos de trabalho, reduzindo a taxa de desemprego para 11,1%. Contudo, esses números têm pouco impacto diante do crescimento de desemprego dos últimos meses e da crise econômica que enfrenta os Estados Unidos. Para este ano, a projeções apontam para uma contração de 5,6% do Produto Interno Bruto (PIB).

Esses dados se relacionam diretamente com outro tema que tem provocado o acirramento das disputas políticas, que passa pelo debate sobre os pacotes de auxílio a famílias e proteção às empresas, cuja discussão retornou nesta semana no Congresso dos Estados Unidos. Se aprovado, este seria o quinto pacote desde o início do ano. Cerca de 25 milhões de norte-americanos atualmente utilizam o benefício de US$ 600 semanais, que termina neste mês, concedidos pelo governo federal para minimizar as consequências econômicas provocadas pela pandemia. Republicanos e funcionários do governo Trump criticaram o fornecimento do auxílio, que custa US$ 15 bilhões por semana, afirmando que isso desencoraja as pessoas a voltarem ao trabalho.

O cenário que se apresenta nos Estados Unidos é de aprofundamento da crise política e social, não apenas diante do avanço do vírus, mas também da pouca mudança que uma eventual vitória eleitoral de Biden poderá trazer. Como demonstrado nas lutas que incendiaram o país em junho, a única alternativa para os trabalhadores passa pela construção de um partido revolucionário.