Foto: Eduardo Valente/SECOM

O capitalismo nos arrasta para a barbárie: pela vida de nossas crianças, ele precisa morrer

“Estamos aqui pela Humanidade!”¹

Se o sistema capitalista foi descrito na época de Lênin como ‘horror sem fim’, um século depois a contradição histórica que a humanidade enfrenta e a escala de distorção nas relações humanas apenas se intensificaram em um grau imensuravelmente maior. Os níveis resultantes de desespero, alienação, depressão, doença mental e inúmeras outras consequências da vida na sociedade de classes só podem ser eliminados por medidas revolucionárias que transformam a sociedade em sua raiz, trazendo a economia – incluindo a indústria de armas e a regulamentação de suas distribuição – sob o controle democrático de um governo da classe trabalhadora.”²

Um crime na cidade de Blumenau (SC) chocou todo o Brasil ontem (5). Um homem armado invadiu uma creche, assassinou quatro crianças e deixou outras quatro gravemente feridas. As vítimas tinham entre 3 e 7 anos de idade. Nos solidarizamos com as famílias das vítimas desse brutal atentado (incluídas aqui as crianças que presenciaram algo tão cruel) e com os trabalhadores da creche Cantinho Bom Pastor.

Detalhes sobre as motivações do crime ainda não foram divulgados pela polícia. Sabe-se apenas que o homem de 25 anos que assassinou as crianças trabalhava como motoboy e tinha quatro passagens pela polícia, por agressão ao seu padrasto e pela morte de um  cachorro.

Embora as polícias civil e militar, a prefeitura e o governo do estado estejam lidando com o caso como um fato isolado, sabe-se que a situação é muito mais complexa. De fato, diferente do que chegou a ser divulgado, esse foi o único ataque ocorrido ontem na cidade de  Blumenau. Contudo, o ataque à creche Cantinho Bom Pastor se insere num processo de descaso e violência contra instituições de ensino, inclusive creches, que vem ocorrendo ao longo dos últimos anos.

Ao longo do dia, em Blumenau, inclusive em uma fala do prefeito Mário Hildebrandt (PODE), se fez menção ao ocorrido em Saudades, no oeste de Santa Catarina, em maio de 2021. Na ocasião, cinco pessoas, dentre as quais três crianças, foram mortas dentro de uma creche. Esse é o 23º ataque a escolas ou creches ocorridos no Brasil desde 2002. Os crimes variam, indo desde o assassinato de Elisabete Goulart pelo ex-marido dentro da creche em que trabalhava na cidade de São Bonifácio (SC), em dezembro de 2009, de  Alessandra Abdalla, professora de Florianópolis morta pelo ex-namorado policial próxima à creche onde trabalhava, em 2022, até os assassinatos de crianças em Saudades e em Blumenau. Chama a atenção que, dos casos levantados, doze, ou seja, mais da metade, foram registrados a partir de 2022.

Em Blumenau, ao longo do dia, imperou um clima de tristeza e luto por toda a cidade. Mas, também, ao longo do dia, circularam um conjunto de mensagens falsas, inclusive áudios fingindo todo tipo de coisa, falando das motivações do assassino, de ataques a outras escolas e todo o tipo de mentiras. Isso aumentou o clima de tensão entre os moradores da região, já que viaturas da polícia chegaram às  escolas onde supostamente havia ameaças para averiguar as denúncias falsas.

Da parte do Estado, não se pode esperar muita coisa. Dada a repercussão do assassinato, logo o comando estadual da polícia se dirigiu a Blumenau e até mesmo o governador do estado, Jorginho Mello (PL), passou pela cidade. Em coletiva no meio da tarde, a maior parte do tempo foi usada para fazer propaganda de ações de segurança que já vêm sendo implementadas em escolas públicas do estado e dos municípios. No geral, as medidas se mostram inócuas, afinal não vão além de aumentar a vigilância ou ensinar os profissionais das escolas a como lidar com esse tipo de situação limite. Na verdade, a política adotada pelos governos vai na contramão de resolver o problema, uma vez que seu foco é a destruição dos serviços públicos e a precarização das condições de vida dos trabalhadores, aprofundando a barbárie para qual a humanidade é empurrada no sistema capitalista.

Violência nas escolas: uma consequência do capitalismo em todo o mundo

É no maior império capitalista do mundo, os Estados Unidos da América, que estão marcadas as piores lembranças coletivas de atentados a escolas. Em 2012, um tiroteio matou 26 pessoas, entre elas 20 crianças pequenas, em uma escola na Flórida. Na ocasião, a Socialist Revolution, seção norte-americana da Corrente Marxista Internacional, explicou:

“Existe algo ‘errado’ com as pessoas nos Estados Unidos que as torna propensas a cometer esses tipos de atrocidades? Michael Moore fez essa pergunta no Bowling for Columbine [Tiros em Columbine], embora não tenha dado uma resposta adequada. No entanto, em seus filmes posteriores,  SICKOCapitalism: A Love Story, que tratou do sistema de saúde nos EUA e do próprio sistema capitalista, ele chegou muito mais perto de responder a essa pergunta.

Então, o que há de único nos Estados Unidos? Por um lado, não temos um sistema de saúde universal para fornecer serviços de saúde mental de qualidade. Quase 50 milhões de americanos estão sem qualquer tipo de assistência médica, e aqueles que têm seguro geralmente têm acesso muito limitado. Os cuidados com a saúde mental, em particular, costumam ser negligenciados, pois os gigantes dos seguros cortam todos os cantos possíveis para aumentar os lucros.”

Desde então, mais de 1.600 tiroteios em massa aconteceram nos EUA. A questão aqui não é afirmar, como fez a polícia de Blumenau, que o assassino estava em um surto psicótico. Há uma tendência, em casos como esse, à psicologização do agressor, justificando sua violência como um problema de saúde mental. Por isso é importante lembrar que pessoas em surto psicótico têm três vezes mais chance de sofrer uma violência do que a praticá-la. No entanto, a falta de perspectiva, a pobreza material e intelectual, levam a uma decadência da humanidade que certamente faz proliferar atitudes bárbaras como a de ontem. É como continua a nota da Socialist Revolution:

O Washington Post informou que dos 11 tiroteios mais mortíferos da história dos EUA, cinco aconteceram desde 2007, ano que marcou o início do que agora é popularmente conhecido como ‘a Grande Recessão’. Isso não é um acidente.

A taxa oficial de desemprego para menores de 25 anos é de 16%, e isso não leva em consideração o subemprego. O custo de frequentar o ensino superior está aumentando e as perspectivas de uma vida decente sob o capitalismo são sombrias para a juventude de hoje. O atirador em Connecticut foi identificado como Adam Lanza, 20 anos. No Colorado, foi James Eagan Holmes, 24; em Oregon, Jacob Tyler Roberts tinha 22 anos. Quaisquer que sejam os motivos ou causas diretas para esses jovens cometerem tais crimes hediondos, é claro que, no fundo, eles são um reflexo da decadência de todo o sistema social.”

Eliminar a violência nas escolas: nossa juventude merece viver

Em meio ao clima de medo e raiva pelo ocorrido, é comum que se procure por soluções extremas, algumas das quais bastante descabidas. Nas ruas se ouvia muitas opiniões e durante a coletiva da imprensa foram emitidos todo o tipo de comentários, com reivindicações que passavam por defender o aumento na repressão, julgamentos mais duros contra pessoas que cometem crimes e até mesmo a pena de morte.

Um elemento importante é que o massacre de Blumenau e todos esses que se aceleraram ao longo dos últimos anos não são isolados, sendo possível encontrar determinações objetivas na realidade. Por um lado, se há um aumento de violência contra escolas, não é possível descolar da política do governo Bolsonaro, de desqualificar o trabalho dos professores e mesmo de apontar o ambiente escolar como um suposto lugar de “doutrinação”. Não por acaso, seu governo tanto falava em homeschooling. O bolsonarismo encorajou uma camada, ainda que muito minoritária,  à prática da violência que divide e mata a nossa classe.

O massacre de Blumenau e das outras escolas e creches não tem outra explicação que não seja a degeneração da sociedade capitalista. É essa sociedade que, matando física e mentalmente as pessoas, leva a situações extremas como a vista ontem em Blumenau. Portanto, não será possível acabar com a violência ou garantir a segurança das crianças ou de qualquer outra pessoa com aumento da repressão ou uma legislação mais dura contra crimes. É preciso transformar a dor em ódio e organização contra esse sistema. Para acabar com a violência, para tornar a escola um lugar seguro, para garantir aos trabalhadores de educação condições de trabalho, é preciso enterrar o capitalismo e construir o socialismo internacional. Qualquer outra solução é ilusória. 

¹ Resposta dos communards aos versalhes (Lissagaray, 1991: 363).

² Tiroteio em escola revela doenças mais profundas na sociedade, Socialist Revolution.