Imagem: Marcelo Camargo, Agência Brasil

O caráter de classe das queimadas no Brasil

O presente artigo foi elaborado a partir de importantes contribuições dos camaradas Fernanda Vitório, Daniel Corrêa, Luiz Bicalho e Flávio Reis. Esse é um esforço coletivo da OCI para buscar compreender não apenas as queimadas que assolam o Brasil hoje, como também suas raízes, dimensões e como podemos agir na luta de classes. 

“(…) o Amazonas, o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul foram tomados pela fumaça. Em Manaus, a qualidade do ar esteve entre as piores do mundo por diversos dias consecutivos, perdendo apenas para poucas cidades industriais do Sudeste Asiático. A fumaça se tornou tão espessa em algumas ocasiões que o Aeroporto Internacional Eduardo Gomes precisou ser fechado e mesmo o tráfego de veículos foi prejudicado pela baixa visibilidade. As doenças alérgicas e respiratórias se multiplicaram na cidade, afetando principalmente idosos e crianças.”

O trecho acima poderia ser extraído de algum noticiário sobre o efeito das queimadas que iniciaram em agosto deste ano, mas trata-se de um recorte do artigo que publicamos no jornal Tempo de Revolução em novembro do ano passado. Menos de um ano depois, o Brasil está novamente em chamas e as imagens fornecidas por satélites mostram um aumento expressivo da poluição gerada pelas queimadas que toma conta do país há mais de dois meses causando mudanças perceptíveis na maioria das localidades afetadas.

Incêndios foram registrados em outros países sul-americanos como Bolívia e Peru, mas o Brasil concentrou mais de 76,9% das queimadas que se alastraram nas últimas semanas, registrando 7.322 focos de incêndio no dia 13 de setembro. Só no estado de São Paulo, entre 22 e 24 de agosto, surgiram 2.621 novos focos, sendo 1.886 apenas no dia 23. Dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), mostram que em setembro de 2023, foram detectados 46.498 focos de incêndio, sendo que em 2024 foram detectados 83.157 focos no mesmo mês. Mato Grosso, Amazonas, Pará e Acre lideram o tenebroso ranking.  

Segundo dados do Inpe, até setembro deste ano, os incêndios já devastaram uma área de 381.321 Km2 em todos o país, tendo como principais territórios afetados a Amazônia (106.079 km2), o Cerrado (191.054 km2) e o Pantanal (21.564 km2). 

O efeito mais perceptível nas semanas que passaram foi uma cortina de fumaça e poluição levada para outros territórios pelos chamados rios voadores, correntes de ar que normalmente transportam umidade da Amazônia para outras regiões, mas que acabaram conduzindo a fumaça das queimadas. Esses materiais particulados carregados pelos ventos são perigosos à saúde, podendo causar doenças respiratórias e problemas cardiovasculares, além de diversos outros danos associados. Dados do Ministério da Saúde indicam que, entre 2019 e 2021, mais de 300 mil pessoas morreram por doenças respiratórias causadas por fumaça e poluição.

Em Manaus (AM), a qualidade do ar foi considerada, no dia 27 de agosto, como “péssima” e “muito ruim” em diversos pontos da cidade, afetada por ondas de fumaça desde o início do mês passado e que ainda assolam a região. A cidade de Porto Velho, capital de Rondônia, registrou a pior qualidade de ar do país em 14 de agosto, de acordo com a IQAir, empresa suíça que mede os níveis de poluição do mundo. No dia 9 de setembro foi a vez da capital paulista registrar a pior qualidade de ar no mundo após um aumento de 386% no número de focos de incêndio do ano passado para este. 

O efeito mais perceptível nas semanas que passaram foi uma cortina de fumaça e poluição levada para outros territórios pelos chamados rios voadores / Imagem: Lula Marques, Agência Brasil

No último período vimos cidades tomadas por fumaça, o sol encoberto e com um tom avermelhado, destruição da fauna e flora, “chuva preta” nos estados do Sul e Sudeste. Todos esses fenômenos podem até nos remeter às cenas imaginadas pela ficção científica, mas são a expressão real de um sistema econômico moribundo que caminha para um abismo e ameaça arrastar consigo a própria civilização. 

No entanto, a fumaça gerada pelas queimadas é apenas uma parte do problema. A vida animal e vegetal dos biomas afetados está sendo completamente destruída pelas chamas. Para citar um exemplo, parte do fogo que tomou o Parque Nacional de Brasília, conhecido pelo apelido de Água Mineral, foi subterrâneo (que acontece com a queima de matéria orgânica acumulada em camadas abaixo da terra), passando por baixo de rios, destruindo árvores pelas raízes e queimando as patas dos animais. 

O Brasil possui seis biomas oficiais. O maior é a Amazônia, que ocupa 49,3% do território, seguido por Cerrado (23,9%), Mata Atlântica (13,0%), Caatinga (9,9%), Pampa (2,1%) e Pantanal (1,8%). A Amazônia cobre quase 50% do território nacional, mas comporta somente 15 espécies de plantas a mais que o Cerrado, que ocupa 24% da superfície do país e abriga 30% da biodiversidade nacional. 

Ao analisarmos os dados da destruição dos três biomas mais afetados em 2024, comparando com os anos anteriores, veremos que a situação apresenta uma piora considerável. 

Segundo artigo publicado na Nature, cerca de 90% das espécies da fauna e flora da Amazônia foram atingidas pelas queimadas ocorridas de 2001 a 2019. A extensão das queimadas atingiu uma área de até 190 mil km².  Entre 70% e 85% das espécies ameaçadas de extinção tiveram grande parte de seus habitats naturais devastados pelo fogo, que, além de causar a morte de animais, destruiu o local em que viviam.

Das espécies listadas como ameaçadas de extinção na Amazônia pela International Union for Conservation of Nature (IUCN), foram atingidas pelo fogo 236 das 264 espécies de plantas, 83 das 85 espécies de pássaros, 53 das 55 espécies de mamíferos, cinco das nove espécies de répteis e 95 das 107 espécies de anfíbios.

Estima-se que, na Amazônia, mil espécies de árvores podem ser encontradas em um único quilômetro quadrado da floresta. Considerando que a área total de floresta impactada por incêndios em 2019 foi de 10.343 km², nesse mesmo ano as áreas de cerca de 13 mil espécies de plantas e vertebrados sofreram com as queimadas. Em 2024, com 62 mil km2 de área queimada até agosto (1,13% da área total da Amazônia), deduz-se que aproximadamente 25,5 milhões de animais vertebrados já foram mortos.

No Pantanal, estima-se que 17 milhões de animais vertebrados morreram em consequência direta das queimadas em 2020. Cerca de 4 milhões de hectares naquele ano, que correspondem a 26% da área de todo o bioma, foram queimados. A quantidade de mortes é assumidamente uma subestimativa, porque muitos animais que vivem em tocas ou dentro de ocos de árvores podem ter morrido nesses locais sem terem sido avistados. Há também o caso de vertebrados muito pequenos que podem ter sido completamente calcinados pelo fogo intenso.

Nesse bioma, dentre as áreas queimadas em 2024, 20,6% estavam em unidades de conservação e Terras Indígenas, sendo 13,1% em Terras Indígenas, 4% em Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), 2,6% de unidades de conservação federais e 0,9% de UCs estaduais. Do início do ano até 18 de setembro, o Pantanal já teve cerca de 12,8% da sua área queimada.

Se considerarmos a mesma proporção de mortes do ano de 2020 nesse bioma (17 milhões de vertebrados mortos para 4 milhões de hectares), neste ano, com as queimadas atingindo uma área de mais de 16 mil km2 até o mês agosto, cerca de 6,3 milhões de animais já morreram. 

Imagens de satélites mostram, em vermelho, as áreas incendiadas na região de Corumbá, MS / Imagem: Agência Espacial Europeia (ESA)

O Cerrado possui uma vegetação composta por gramas e pequenos arbustos que, durante a estação seca, perdem água e se tornam combustível para as queimadas. Naturalmente, as fontes de ignição desses incêndios são os raios, que neste período do ano são raros. Assim, a principal fonte de ignição das chamas que se alastram agora é a antrópica (provocada pelo homem), isto é, proveniente de queimadas não autorizadas para fins agropecuários que acabam se descontrolando e atingindo a vegetação nativa do entorno.

Cerca de 50% a 60% do Cerrado já foi convertido em áreas agrícolas, pastagens e urbanizações. Estima-se que aproximadamente 1,5 milhão de hectares de seu território sejam desmatados anualmente. Se a devastação continuar avançando, até 2050, o Cerrado pode perder até 34% do que ainda resta, o que levaria à extinção de 1.140 espécies endêmicas. O número é oito vezes maior do que a quantidade oficial de plantas extintas em todo o mundo desde o ano de 1500, quando começaram os registros. Um símbolo do Cerrado, o lobo guará (Chrysocyon brachyurus) já perdeu mais da metade do território.

Em 2024, mais de 106 mil km² de área desse bioma foram devastados, baseando-se no mesmo cálculo utilizado para medir as mortes do Pantanal, então, aproximadamente 44,6 milhões de animais vertebrados já foram mortos pelas queimadas até agosto.

Tabela elaborada pelo autor com base nos dados do Programa Queimadas do INPE: https://terrabrasilis.dpi.inpe.br/queimadas/aq1km/

Entre as explicações de especialistas, a predominante foi a de um efeito cumulativo do clima seco, causado pelo período de seca que se inicia entre maio e junho e costuma terminar entre setembro ou outubro, com semanas de queimadas intensas causadas pela ação humana. 

Uma análise do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) aponta que “2024 já registra a seca de maior extensão e intensidade no Brasil dos últimos 70 anos. Somadas, as áreas com alguma condição de seca atingem cerca de 5 milhões de km2, o que equivale à cerca de 58% de todo o território nacional”.

Investigações da Polícia Federal (PF) e Polícia Militar Ambiental de São Paulo apontam para a possibilidade de ações criminosas e intencionais. Só a PF já abriu mais de 50 inquéritos para investigar as queimadas, sendo que a principal linha de investigação é que o rastro de destruição é fruto de ações coordenadas. Essa também tem sido a retórica de Lula (PT), que afirmou, em declaração inflamada durante visita ao Amazonas, que “esse fogo é criminoso” e [que acontece porque tem] “gente que está tentando colocar fogo para destruir esse país”. Já os bolsonaristas acusaram o MST pelos incêndios em São Paulo e falaram que as chamas teriam sido causadas por oponentes de Bolsonaro.

O que se vê em alguns casos é um cenário semelhante, mas em maior escala, ao ocorrido no Pará nos dias 10 e 11 de agosto de 2019, durante o governo Bolsonaro, no chamado “Dia do Fogo”, quando produtores rurais se mobilizaram para atear fogo em diversos pontos do estado. Essa ação resultou em um aumento de 1.923% do número de focos de calor em comparação ao mesmo período de 2018. “Nesses dois dias foram detectados 1.457 focos de calor no estado, com 53 atingindo Terras Indígenas e 534 em Unidades de Conservação” (Brasil de Fato, 26/08/2024).

Mas os fatos citados até aqui não explicam a totalidade do problema e as queimadas que se repetem e se intensificam a cada ano. Alguns dados importantes nos ajudam a ter uma dimensão mais completa do problema. 

Segundo o programa BDQueimadas, do Inpe, 95% dos focos de incêndio do primeiro semestre de 2024 no Pantanal ficam em áreas privadas, prevalecendo as de criação de gado. Cerca de 1% dos incêndios foram originados por raio, os outros 99% são de “ação humana”, como explica Renata Libonati, doutora em geociência e coordenadora do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em entrevista à Agência Brasil, Renata aprofunda um pouco mais a questão: 

“A ocorrência dos incêndios no Brasil está intimamente relacionada ao uso da terra, às atividades econômicas, principalmente, ligadas ao desmatamento para abrir áreas de pastagem e agricultura e, quando já está consolidado, muitas vezes se utiliza o fogo por várias razões, e isso causa os grandes incêndios que estamos observando.”

A queimada ainda é muito utilizada pelos pequenos agricultores para limpeza e preparo do solo antes do plantio.  É a última alternativa prevista em lei para a limpeza da área dos produtores que não têm acesso a recursos técnicos para produzir. Essa prática é frequentemente realizada de maneira indiscriminada e sem acompanhamento, causando danos ao solo e queimadas sem controle. O Estado deveria proibir essa prática rudimentar de produção e fornecer recursos técnicos e linhas de crédito a juros zero para modernizar os pequenos produtores.

No entanto, é sabido também que as grandes propriedades ligadas a práticas agropecuárias utilizam do fogo tanto para o manejo produtivo quanto para a expansão de áreas. 

A intenção das queimadas, como já afirmamos em outros artigos, é substituir a floresta por pasto para a criação de gado e avançar as propriedades sobre territórios indígenas e terras públicas. Dos 11,3 milhões de hectares (113 mil Km2) afetados pelas queimadas, 5,9 milhões foram territórios indígenas e grandes propriedades rurais, sendo que:

“A categoria que mais queimou foi a das terras indígenas, com mais de 3 milhões de hectares impactados pelo fogo. O número representa um salto em comparação com a média histórica dos últimos cinco anos, que ficou em torno de 1,7 milhão de hectares.” (Folha de S. Paulo, 27/09/2024)

Além disso, “o maior aumento percentual” de áreas atingidas “se deu em florestas públicas não destinadas – ou seja, áreas de vegetação nativa que não receberam uma designação para um uso específico, como conservação ou enquadramento como território tradicional”. 

E essa prática, que facilita a grilagem para a expansão do agronegócio, não é recente. De 1985 a 2022, a área reservada à agropecuária cresceu 50% no país (95,1 milhões de hectares), passando a ocupar um total de 282,5 milhões de hectares ou 33% do território nacional. Só a área de pastagem cresceu mais do que o estado de Minas Gerais, enquanto a agricultura aumentou o equivalente a dois estados do Paraná. Nesse período, quase 200 milhões de Km2 foram queimados em diversos biomas.

Historicamente, os interesses do agronegócio sempre se chocaram com a preservação do meio ambiente. O desmatamento desenfreado para a sua contínua expansão, o uso abusivo de água, a contaminação do solo e dos alimentos pelo uso de agrotóxicos, o assassinato de lideranças camponesas e operárias, a exploração da classe trabalhadora e o uso do trabalho escravo compõem o legado de miséria, sofrimento e opressão deixado pelos grandes capitalistas do campo que hoje queimam o país. 

Mas, essa prática rotineira do agronegócio em busca dos lucros e que destrói a fauna, a flora e que causa impactos nocivos à saúde não acontece sem a conivência ou o apoio direto dos governos. 

Em 2023, a agropecuária registrou um crescimento de 15%, faturando R$ 677,6 bilhões, o maior já registrado na série histórica, que começou em 1995, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O setor é responsável pela exportação de soja, milho, carnes, entre outras commodities para 78 mercados em 39 países. 

Historicamente, os interesses do agronegócio sempre se chocaram com a preservação do meio ambiente / Imagem: Leopoldo Silva

No início de julho deste ano, Lula (PT) lançou o Plano Safra 2024/2025, oferecendo R$ 400,59 bilhões em linhas de crédito, incentivos e políticas agrícolas para as grandes propriedades do agronegócio. Esse dinheiro, por mais que venha sob o pretexto de incentivar “o fortalecimento dos sistemas de produção ambientalmente sustentáveis”, na prática financia a compra de venenos, a exploração do solo até a exaustão, o incentivo da monocultura e a emissão de gases poluentes pela própria agropecuária, entre outros problemas já citamos que se conectam com as queimadas e expansão do agro. 

Além dos “incentivos” financeiros diretos, o agro também conta com outras vantagens, como é o caso do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), tributo federal irrisório que se cobra anualmente das propriedades rurais. As grandes propriedades com produtividade alta, nas quais se encaixa o agronegócio, possuem uma alíquota de 0,45% (em % do valor da terra nua tributável). O ITR não entrou em pauta, por exemplo, na discussão da Reforma Tributária, que tratou apenas da cobrança de impostos sobre produtos e serviços, que recaem diretamente sobre os ombros da classe trabalhadora. 

É preciso acrescentar também que o agronegócio não contribui para a arrecadação do Estado brasileiro tanto pelas resoluções que permitem que os dólares fiquem no exterior quanto pela isenção tributária garantida pela Lei Kandir, criada no governo FHC em 1996, que isenta do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) empresas que exportam produtos primários, semielaborados ou serviços. Estima-se que “de 1997 a 2016, os estados brasileiros deixaram de arrecadar 269 bilhões de reais, segundo estudo divulgado pela Fundação Amazônia de Amparo aos Estudos e Pesquisas” (Brasil de Fato, 13/10/2017).

Todos esses benefícios destinados aos grandes proprietários de terras ocorrem no mesmo contexto de cortes para recursos em saúde, educação, moradia e para a própria preservação do meio ambiente, buscando garantir o Arcabouço Fiscal do ministro Fernando Haddad. Enquanto estabelecem meta fiscal e cortes para os serviços públicos, garantem o pagamento religioso da dívida interna e externa, e mantêm os cofres abertos para os banqueiros e empresários do agro. É isso que significa na prática o governo da União Nacional de Lula: privatização dos lucros e socialização dos prejuízos. 

As recentes declarações de Lula tanto na ONU quanto na imprensa brasileira ao ser cobrado por uma tragédia mais que anunciada não passam de pura demagogia. Falou-se muito da redução do desmatamento da Amazônia, principalmente como forma de se diferenciar do governo Bolsonaro (PL), porém, escondem-se os recordes de desmatamento na região Matopiba (expressão criada a partir de acrônimo com as iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), onde registrou-se “8.754 quilômetros quadrados de desmatamento em 2017 e 2018, o que corresponde a mais de 60% da perda de todo o Cerrado nesse período” (Revista Darcy, n 21, jan. de 2019).

Oficializada pelo governo Dilma (PT) em 2015, essa região abarca 337 municípios em 73 milhões de hectares. A então ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, Kátia Abreu, chegou a declarar em 2016 que Dilma deixaria “um legado imenso para o Matopiba”. Os dados apresentados pelo Relatório Anual do Desmatamento do Brasil – 2023, do MapBiomas, mostram que legado é esse:

“Em 2023, cerca de 47% de toda a perda de vegetação nativa do país ocorreu na região do Matopiba, totalizando 858.952 ha. Isso representa um aumento de 59% em relação ao ano de 2022, o qual já havia registrado aumentos relevantes em relação a 2021. (…) É na região do Matopiba que está concentrado 74% do desmatamento do Cerrado, em 2023.”

Na abertura da 79ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, Lula disse que já fez muito pelo meio ambiente, que está lutando “contra quem lucra com a degradação ambiental”, mas como? Reduzindo o orçamento do Ibama para o combate aos incêndios em 24%? Reduzindo o número de brigadistas? Cortando quase R$ 40 milhões da verba para fiscalização ambiental, prevenção e combate a incêndios? Negando-se a negociar com os trabalhadores do Ibama e não atendendo plenamente as reivindicações da categoria? 

O agronegócio ocupa hoje umas das posições centrais na economia do Brasil, que se caracteriza por ser um grande exportador de commodities. A chamada lei do desenvolvimento desigual e combinado apresentada por Leon Trotsky nos ajuda a compreender esse país que reúne elementos retrógrados com os fatores mais modernos; um campo altamente industrializado, mas que sofre com queimadas causadas em diversos casos (quando não criminosas) por um método arcaico de limpeza e preparo do solo. Essa característica só poderá ser superada pela revolução socialista. Não obstante, a expropriação do agronegócio sob controle dos trabalhadores passa ao largo dos governos e partidos “reformistas” de plantão. Ela não é mencionada nem nos dias de festa. Essa é a principal reivindicação transitória necessária para pôr fim a esse modo destrutivo de exploração.

Nos últimos anos vimos Bolsonaro e sua política de “passar a boiada” como a expressão mais clara da política de rapina da burguesia imperialista e nativa, que destrói florestas, polui os rios e nos envenena em nome do lucro. Mas, ao analisarmos a história do Brasil, vemos que qualquer governo comprometido com os interesses da burguesia, independente do partido, aplicará a mesma política que ameaça o meio ambiente e a própria vida humana. Se as queimadas que tomam o país hoje decorrem do modo de produção capitalista, da propriedade dos meios de produção, apenas sua abolição pode resolver a questão: a crise do capitalismo se combate com a revolução!

No Brasil, assim como em outros países dominados, a superação da disputa pela terra e a preservação do meio ambiente só pode acontecer com a derrubada do sistema e a tomada do poder nas mãos da classe trabalhadora, em aliança com as demais classes oprimidas. Mas essa luta deve começar já, a partir das reivindicações transitórias que coloquem em movimento essa camada de jovens e trabalhadores que estão dispostos a organizar o combate, por isso exigimos: 

  • Prisão e confisco imediato de terras, sem indenização, das propriedades envolvidas em queimadas, corte e venda ilegal de madeira, grilagem, invasão de terras indígenas ou unidades de conservação;
  • Destinar as terras confiscadas para a reforma agrária com incentivo à produção de alimentos de forma sustentável com apoio do Estado para utilização das técnicas mais avançadas disponíveis;
  • Expropriação e estatização do agronegócio sob o controle dos trabalhadores;
  • Estatização do transporte público, incluindo ferrovias, ônibus e serviços de carona. Investimento em larga escala em transportes públicos ecológicos, acessíveis e integrados;
  • Reestatização das empresas de eletricidade, gás e saneamento. Investimento em massa em energias renováveis;
  • Estatização dos bancos, terrenos de especulação e grandes empresas de construção, a fim de construir habitações sociais de qualidade e realizar um programa de restauração dos edifícios existentes;
  • Nenhuma compensação para ex-proprietários de empresas estatizadas. Controle e gestão democrática dos trabalhadores das indústrias estatizadas;
  • Reajuste salarial e abertura de concursos para contratação imediata para servidores do Ibama, ICMBio e de demais órgãos ambientais.

Você é comunista e quer lutar pelo meio ambiente? Organize-se na OCI!