O centenário do Manifesto de Córdoba de 1918

No dia 21 de junho de 1918, em Córdoba (Argentina), era publicado em La Gaceta Universitaria (A Gazeta Universitária) o manifesto La juventud argentina de Córdoba: A los hombres libres de Sud América (A juventude argentina de Córdoba: Aos homens livres da América do Sul), redigido e assinado por alguns dos dirigentes da Federação Universitária de Córdoba. O texto ficou conhecido como o Manifesto de Córdoba de 1918 e completou seu centenário este ano. A publicação desse manifesto é uma expressão da luta estudantil que teve como consequência a implementação da reforma universitária exigida pelos estudantes na ocupação da Universidade de Córdoba.

Mesmo após mais de cem anos da independência da Argentina (Revolução de Maio de 1810), Córdoba era considerada uma região isolada que conservava costumes da antiga colônia da coroa espanhola. Na universidade, os jesuítas tinham forte influência e se utilizavam de seu poder para defender seus próprios interesses. O crescimento populacional de Córdoba levou ao aumento do proletariado urbano e do número de estudantes, com o desenvolvimento de um movimento operário ligado ao setor de calçados e ao ferroviário. Essa mudança leva a algumas transformações na sociedade de Córdoba.

O lema “hoje para você, amanhã para mim” corria solto entre os docentes da universidade mais antiga da Argentina, como consta no Manifesto. Os docentes utilizavam a cátedra de forma “vitalícia” para dificultar que mudanças estruturais pudessem abalar seus poderes. Em comparação com a Universidade de Buenos Aires, o modelo para os reformistas argentinos da época, a Universidade de Córdoba funcionava como se os processos ocorridos durante as lutas pela independência argentina em 1810 somente tivessem chegado na região em 1918. Tamanha era a situação de conservadorismo na cidade e na universidade, que abrigava três faculdades: engenharia, medicina e direito.

Algumas tensões já ocorriam, como a manifestação dos estudantes de medicina contra o fechamento do internato, realizando atos contra a administração universitária. Os catedráticos da faculdade de Engenharia restringiram a presença dos estudantes de classes médias, o que criou mais embates. Em 31 de março, após não serem atendidos para apresentar uma proposta de alteração no sistema de cátedras, os estudantes das três faculdades decretaram greve. No dia 2 de abril, a administração fechou a universidade sem atender nenhuma das demandas estudantis. Diante dessa situação, os estudantes realizaram protestos pela cidade e enfrentaram repressão. Nesse intenso processo de luta é criada a Federação Universitária Argentina (FUA), em Buenos Aires, agrupada em torno das bandeiras do movimento de Córdoba.

Hipólito Yrigoyen, eleito presidente em 1916, desfrutava de grande simpatia das camadas médias da sociedade argentina. Ele fez pessoalmente a intervenção política na universidade, onde os estudantes apresentaram suas reivindicações. Yrigoyen apoiou as reivindicações e fez declarações positivas em relação ao movimento.

Amplas reformas foram realizadas na Universidade de Córdoba, como um novo estatuto que alterava os corpos diretivos e o caráter vitalício dos conselhos. Os candidatos apoiados pelos estudantes tiveram maioria dos votos nos conselhos. A disputa para a reitoria ocorreu alguns dias depois e a vitória de Antonio Nores, eleito pelos conselhos universitários que contrariaram as demandas dos estudantes, causou revolta entre os estudantes, que apoiavam Martínez Paz.

Tomada da Faculdade de Direito da Universidad de Córdoba. Foto: Arquivo/UNC

Nores era visto como o mais conversador entre os candidatos. Declarou: “prefiro antes de renunciar que fique o varal de cadáveres dos estudantes”. Diante dessa situação, a Federação Universitária de Córdoba (FUC) percebe que as reformas realizadas não alteraram a estrutura de poder no interior da universidade. A FUC decreta greve por tempo indeterminado e redigem uma nova declaração na própria mesa da reitoria, após ocupar o salão e impedir o ato de posse de Nores. No entanto, o novo reitor assume seu cargo em 17 de junho. Os estudantes de Córdoba reivindicam sua renúncia e publicam o Manifesto de Córdoba em 21 de junho de 1918. Estudantes de todo país e operários aderem à greve iniciada pela FUC.

Em 21 de julho começa o primeiro Congresso Nacional de Estudantes em Córdoba. Os estudantes proclamam suas reivindicações como a necessidade de autonomia, participação paritária nos conselhos, regime de concursos, participação livre nas aulas, assistência social aos estudantes, dentre outras. As reivindicações estudantis criaram ecos em toda a sociedade argentina, na qual as universidades criadas no período colonial serviam de centros formadores para as elites intelectuais e profissionais. Diante de tamanha pressão, o governo atendeu todas as demandas estudantis. A experiência em Córdoba influenciou movimentos estudantis em toda a América Latina, como o Manifesto dos estudantes brasileiros do Rio de Janeiro a seus companheiros do país, em 1928.