“Tudo o que era sólido se desmancha no ar” – já diria um camarada muito conhecido nosso –, imaginem então aquilo que nunca teve solidez. O governo Bolsonaro, desde a sua lamentável instauração, coleciona uma série de capítulos nos quais se evidencia, além de retrocessos em todas as pastas, a falta de coerência e seriedade com o compromisso político, culminando em diversos momentos com demissões e contratações de ministros. Infelizmente, isso não é diferente neste momento crítico para a saúde pública.
Numa conjuntura de 52.995 casos confirmados e 3.670 óbitos pela Covid-19 (25/4), o governo parece estar mais preocupado com a manutenção dos seus privilégios, alguns, por sinal, frutos de sucessivos abusos de poder e de corrupção. Desde os primeiros sinais de que a pandemia pelo coronavírus chegava ao Brasil, o governo Bolsonaro não tratou com seriedade a situação, levando a classe trabalhadora a acreditar que não passava de uma “gripezinha” e que a economia não poderia parar com a irresponsável justificativa de que todos seriam infectados. Enquanto isso, os governos estaduais – oposição ou não – foram vanguarda de um processo que vai na contramão dos desmandos do governo Federal. Infelizmente, os estados esbarram em questões fundamentais para o isolamento social efetivo, as quais não podem ser sanadas integralmente por eles, necessitando do respaldo Federal. Dentre estas questões, incluem-se o provimento de recursos para o sistema de saúde e para a manutenção dos trabalhadores formais ou informais em casa.
O apoio integral do governo Federal, sem dúvidas, facilitaria esse processo. Mas o que vemos é escassez de leitos de UTI, atrasos no pagamento e aprovação do (irrisório) auxílio emergencial, o aprofundamento das vulnerabilidades das populações em situação de risco e uma série medidas irresponsáveis tomadas pelo presidente, vide as convocações de manifestações nas ruas a seu favor. Não é de se espantar o descontentamento de Bolsonaro com a atuação do ex-ministro Mandetta que, apesar de seu caráter liberal, vinha tocando tarefas condizentes com a situação sanitária do país. A demissão de Mandetta da pasta da saúde, o pacto anti-ciência de difusão de fake news sobre tratamentos milagrosos para a Covid-19, o desrespeito com as famílias das vítimas desta doença reforçam com quem é o compromisso de Bolsonaro e colocam o Brasil numa situação mais desconfortável do que já era internacionalmente.
Hoje mesmo, 25 de abril, foi anunciado que uma reunião com a cúpula da Organização Mundial da Saúde (OMS), liderada por Macron, presidente da França, ocorreu sem a presença de lideranças brasileiras. O Brasil é deixado de fora de uma aliança que coordena o acesso a tratamentos para a Covid-19 graças aos desmandos do governo Federal, com o qual Macron já havia demonstrado descontentamento. Este é o preço das irresponsáveis escolhas políticas brasileiras. Para intensificar ainda mais esta crise, coexistem os escândalos da demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça, deixando latentes as questões de corrupção aliado às milícias do Rio de Janeiro com a família Bolsonaro. Enquanto isso, mais e mais brasileiros e brasileiras padecem da Covid-19 nas ruas, nas penitenciárias, nos hospitais (com a assistência ideal ou não) ou em suas casas. Espera-se que neste momento o grito “Fora Bolsonaro” ganhe mais força nacionalmente, que se realize a profecia que termina o trecho introdutório deste apontamento: “tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas” (Karl Marx).
O presente artigo apresenta as opiniões da autora. Alana Mercês de Almeida participa do Comitê Fora Bolsonaro, é estudante do 5º ano de Medicina da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Bahia, membro do Diretório Acadêmico de Medicina de Feira de Santana e do Núcleo de Pesquisa Integrada em Saúde Coletiva da UEFS, onde desenvolve projeto de pesquisa sobre estresse no processo de trabalho em saúde.