Foto: Marcelo Casal/Agencia Brasil

O Estado, seus políticos e as Igrejas no Brasil

Na história brasileira, assim como no medievo europeu, o Estado e a Igreja estiveram sempre entrelaçados. Enquanto colônia, esta relação era inerente à posição do país ao reino português. Contudo, nada se alterou com a volta de João VI a Portugal, a permanência de Pedro I no Rio de Janeiro e a transferência da submissão nacional de Portugal para a Inglaterra.

O império brasileiro seguiu sendo cristão, impondo a religião com a outorga da Constituição de 1824. Inclusive, possuiu em seu período regencial, o padre Diogo Antônio Feijó como chefe do Estado, nos anos 1830, após Pedro I fugir e a família imperial aguardar o momento certo para o golpe da maioridade de Pedro II, ocorrido em 1840.

Obviamente que sempre houve disputas e contendas pela separação de Estado e Igreja no país, tanto entre os liberais e conservadores, quanto nas lutas populares. Porém, o segundo reinado não ofereceu grandes alterações nessas relações.

A República, nascida de um golpe militar em 1889, apesar de ter inúmeras propostas influenciadas pela Revolução Francesa de 1789, precisou manter as tradições e relações de Estado, Igreja e Monarquia para consolidar-se: da permanência da bandeira, ao Hino à utilização dos símbolos cristãos. Toda essa simbologia foi cooptada pelos republicanos para conquistar as classes dominantes e alguns setores populares.

Portanto, a República venceu cedendo à tradição. Os símbolos nacionais têm como fim a tentativa de traduzir um sentimento coletivo, buscando forjar uma emoção cívica da construção histórica do país, mas a República brasileira não possuía capilaridade popular para refazer o imaginário nacional. Assim, os republicanos só conseguiram consolidar o novo regime ao apelar às tradições enraizadas na sociedade pela ideologia das classes dominantes.

Essa breve contextualização histórica é importante para a compreensão do caráter do Estado em relação às instituições religiosas. Mesmo que na atualidade não seja a Igreja católica a possuidora de grandes poderes no país, devido ao crescimento dos evangélicos na sociedade brasileira, o Estado segue realizando seu papel de balcão de negócios dos interesses dos exploradores, inclusive dos vendedores da fé.

Exemplo disso é o projeto de Lei 1518/2020 apresentado pelo pastor e deputado federal David Soares – filho do missionário R.R. Soares -, que pauta o perdão da dívida de R$ 1,5 bilhão em impostos que as igrejas devem à União. Além disso, a votação dos políticos no Congresso Nacional em favor deste perdão confirma o caráter do Estado.

Para além da própria “bancada da Bíblia”, os demais políticos também não poderiam votar contra o projeto, pois apoiam-se nessas igrejas para garantir suas eleições. Assim como Jair Bolsonaro, que atira para todos os templos em seu mise en scène cristão.

Por isso, mesmo com certo descontentamento do “núcleo duro do governo”, liderado por Paulo Guedes, Bolsonaro busca contornar a situação para sancionar a lei, reunindo pastores com o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto. Não há contradição para a política burguesa em renunciar o pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e anistiar as dívidas das igrejas, ao mesmo tempo que realiza cortes assassinos nos orçamentos da Saúde e Educação para 2021.

Deduzir que há incompatibilidade nessas políticas demonstra não apenas um desconhecimento da história brasileira, como também fé no Estado burguês.

Esse processo demonstra também o papel jogado pelos reformistas e conciliadores da República, afinal não foram somente os conservadores e obscurantistas do governo que votaram pela lei. O PCdoB e parte da bancada do PT assumiram seus negócios com os empresários cristãos e deram “sim” ao projeto do deputado Soares.

Essas figuras de “esquerda”, que defendem a lei e a ordem, escracham sua política nas respostas às indagações que confrontam a votação dos partidos. Eles assumem toda sua vulgarização ao justificar que tal posição destina-se a angariar votos nas eleições que se avizinham.

O PCdoB ainda pronunciou-se afirmando que seu voto é em defesa da Constituição burguesa de 1988, que no seu artigo 150, inciso VI e alínea b, proíbe a cobrança de impostos aos templos religiosos de qualquer igreja. O partido usa a retórica de liberdade de culto, garantida na Constituição de 1946 a partir do voto de Jorge Amado, para explicar seu afago aos cofres dos mercadores da fé.

Dessa maneira, fica evidente mais um ataque realizado pelos políticos reformistas do PCdoB e do PT aos trabalhadores e à juventude, não sendo “caso isolado” tais partidos serem favoráveis às leis que beneficiam os interesses burgueses e, nesse caso, obscurantistas, fazendo coro aos reacionários. Esse é o papel da esquerda reformista, atuando com seus eternos pactos para tentar garantir seus cargos, ainda mais em anos eleitorais.

Esse quadro demonstra, igualmente, a inexistência da laicidade do Estado, com suas instituições servindo aos interesses burgueses. Com as igrejas representando setores expressivos do capital, consequentemente, fazem parte desses conchavos. Portanto, a garantia de um Estado laico torna-se impossível dentro do desenvolvimento capitalista de um país dominado como o Brasil, tal como outros direitos republicanos.

Não há contradição nesses enlaces. Os avanços democráticos, as conquistas nacionais de uma revolução burguesa que as Repúblicas de outros países conquistaram, sendo a efetivação de um Estado laico um desses exemplos, não ocorreram no Brasil. Tais tarefas só serão possíveis com um processo revolucionário socialista, onde tal vitória será consolidada.

Toda a conjuntura expressa o acerto da análise marxista sobre o Estado e o papel dos reformistas, que escancaram suas traições e papel contrarrevolucionário, tanto acompanhando os ataques aos direitos, quanto deseducando os trabalhadores e a juventude.

Para superar esse estado de coisas, do lixo obscurantista reacionário aos conciliadores e reformistas que atacam nossa classe, é preciso a atuação revolucionária das massas sob um programa socialista. Um programa que realize a expropriação da propriedade privada dos meios de produção, o fim do pagamento da dívida pública aliado com o pagamento imediato do que todos os burgueses devem ao Estado, incluindo os empresários dos templos, para a conquista de todos os serviços públicos roubados pelo capital.

Assim, na atual conjuntura, o que reúne todas essas pautas e necessidades da classe trabalhadora, capaz de varrer os serviçais obscurantistas da burguesia e do imperialismo, é a luta pelo Fora Bolsonaro, por um Governo dos Trabalhadores, sem patrões nem generais!